Cientistas políticos gostam de debater se o início do século XXI ocorreu, de fato, em setembro de 2001, quando da queda das torres gêmeas (início da "Guerra ao Terror") ou se aconteceu bem antes, em novembro de 1989, quando da queda do muro de Berlim (o fim da "Guerra Fria"). Economistas parecem estar mais próximos de um consenso: o século XXI demorou mas chegou com grande estardalhaço em setembro de 2008, quando da queda da corretora Lehman Brothers, marco simbólico da grande crise internacional que desde então arrasta o planeta. Entre tantas quedas, a virulência da crise inaugural do século derrubou o mito de que a política econômica poderia se resumir à busca de estabilidade monetária e de um bom ambiente de negócios e recolocou a política industrial no centro das iniciativas governamentais em quase todos os países mundo afora.
Porém, da mesma forma que parece inquestionável que a política industrial está reconquistando a proeminência que exerceu na chamada era do ouro do capitalismo - os 25 anos do pós-2ª Guerra - é igualmente fora de dúvida que o seu arcabouço teórico e prático já não é mais o mesmo. Por essa razão, conceitos, objetivos, diretrizes, instrumentos, enfim, todo o aparato definidor da política industrial encontra-se em conformação aos novos parâmetros trazidos pelo século que se inicia, quais sejam, uma nova dinâmica macroeconômica internacional, um novo paradigma tecnológico e um novo perfil da empresa e da estrutura industrial.
Uma nova dinâmica macroeconômica, novo modelo tecnológico e um novo perfil da empresa e da estrutura industrial
No plano macroeconômico, especialmente para países produtores de commodities, como é sabidamente o caso do Brasil, o atual ciclo de preços favoráveis desses bens inverte a lógica tradicional do passado que condenava esses países a uma trajetória de crescimento restringido pelo balanço de pagamentos. Superar, ou adiar, as crises cambiais, que se tornavam inevitáveis após sucessivos anos de exportações de bens baratos e importações de bens caros, pode ser descartada pelos próximos anos como preocupação relevante para a política industrial. Analogamente, o maior ritmo de crescimento dos países emergentes em relação aos países desenvolvidos, consequência direta da crise de longa duração enfrentada pelos segundos, faz do emparelhamento da renda um processo já "encomendado", conferindo um maior peso aos objetivos distributivos e de "catching-up" tecnológico da política industrial, algo também marcadamente distinto do que prevaleceu anteriormente.
Se o quebra-cabeças trazido pela nova dinâmica da economia mundial já parece suficientemente intrincado, mais ainda é decifrar os impactos sobre a atividade manufatureira das profundas mudanças tecnológicas em curso nos produtos e nos processos produtivos. Particularmente, a antevisão sobre quais serão - ou já estão sendo - as implicações da prevalência de uma indústria cada vez mais "jobless" sobre o mercado de trabalho mostra ser esse um tema que deve motivar preocupação crescente da política industrial. Mesmo sabendo-se que, como já se imaginava há alguns anos, a saída se dará por meio do incremento das atividades de serviços de mais alta qualificação, também essas atividades estão tendendo a se tornar cada vez mais tecnificadas e automatizadas e, portanto, mais cedo ou mais tarde deverão exibir as suas limitações na geração de novos postos de trabalho.
Evidentemente, o sistema empresarial não poderia permanecer imune a mudanças econômicas e tecnológicas tão intensas. De fato, estão em curso transformações radicais nos perfis dos grupos empresariais em termos de áreas de atuação, estratégias de P&D, alianças tecnológicas, estratégias financeiras e, ainda, muito importante no terreno da política industrial, na dimensão do público-privado. Há uma nova divisão internacional do trabalho em construção que embute um sem número de riscos e, obviamente, de oportunidades, para os países que forem bem sucedidos na construção de novos padrões de especialização da estrutura produtiva, da pauta de comércio e do perfil do investimento direto externo.
Nesse contexto, a pergunta fundamental da política industrial permanece a de sempre: o que produzir, o que exportar, o que importar. As respostas agora é que são muito diferentes. Em condições ideais, o incremento do conteúdo local da produção nacional deveria ser uma consequência do sucesso da política industrial, um indicador de eficácia das ações e medidas tomadas. Mas nas condições reais do mundo industrial da atualidade, ainda mais diante do quadro de acirramento competitivo e do protecionismo adotado pela maioria dos países concorrentes do Brasil, as exigências de conteúdo local tornaram-se um meio para viabilizar a própria continuidade da atividade industrial.
O problema contemporâneo, diferentemente do passado, não é criar setores visando completar a matriz industrial nacional. No século XXI, o desafio é enraizar atividades produtivas fixando empresas, fornecedores e clientes no território nacional. O caminho para isso, embora trabalhoso e difícil, é conhecido: promover condições atrativas para os investimentos em capacidade produtiva e em inovação tecnológica.
David Kupfer é professor e membro do Grupo de Indústria e Competitividade do Instituto de Economia da UFRJ (GIC-IE/UFRJ) e assessor da presidência do BNDES. Escreve mensalmente às segundas-feiras. E-mail: gic@ie.ufrj.br)
Fonte:http://www.valor.com.br/opiniao/1176312/politica-industrial-do-secu...
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Observações precisas! Belo artigo! Será que ele consegue influenciar o Luciano Coutinho?
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