Demorou, mas chegou. Após 83 dias fechados, os shoppings de São Paulo e Rio de Janeiro voltaram a reabrir na quinta-feira (11). Segundo dados da Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (Alshop), o prejuízo da quarentena no varejo foi de R$ 27 bilhões no Brasil, custando mais de 120 mil empregos.
Representando 110 mil lojas, a Alshop vem discutindo protocolos de reabertura com cada estado e município. Inicialmente, os shoppings devem funcionar durante 4 horas, no horário de expediente das 16h às 20h, que poderá ser estendido conforme evolução da Covid-19 em cada cidade.
Contudo, o mercado questiona se a reabertura dos shoppings, em meio ao pico da pandemia e no período de 4 horas, vai ser realmente vantajosa. Com novas despesas que incluem cuidados sanitários, segurança e controle do fluxo de pessoas, os lojistas possuem capital de giro ou precisarão do auxílio do governo como outros setores já solicitaram.
O InvestNews conversou com Alberto Serrentino, fundador da Varese Retail, sobre futuro dos shoppings brasileiros:
InvestNews: Os shoppings brasileiros estão prontos para a retomada?
Alberto Serrentino: Com certeza. Nunca entendi por que o Brasil estava reabrindo lojas de rua e discriminando a abertura de shoppings. Isso não faz sentido. O shopping é um ambiente mais monitorado do que qualquer comércio. É possível controlar os acessos, a temperatura das pessoas na entrada, supervisionar a higienização.
Foi importante a decisão de flexibilizar a abertura dos shoppings com segurança. Mas acho que a decisão de reabrir por apenas 4 horas é equivocada. Por ser um período curto, vai concentrar mais pessoas no lugar de distribuir e evitar aglomerações.
Economicamente falando, quatro horas é algo muito ruim para os lojistas e o shopping. Eles vão precisar mobilizar os funcionários, trazer eles de volta às atividades, reativar a operação, a refrigeração, limpeza, segurança, uso de energia. Para as lojas, operar durante 4 horas diárias com apenas 20% do fluxo de consumidores não deve gerar um volume suficiente para sobreviver economicamente.
O ideal seria reabrir o shopping por 8 horas, evitando riscos, aglomerações e auxiliando economicamente os lojistas.
Com apenas 4 horas de funcionamento e lojistas ainda inadimplentes, os shoppings vão precisar fortalecer as despesas com higiene e segurança. Isso pode gerar um efeito reverso no sustento do varejo?
Os shoppings que reabriram com certeza já identificaram um novo padrão de comportamento de consumo, que é uma queda de frequência, mas um aumento de taxa de conversão e ticket médio. O fato das pessoas frequentarem menos o shopping não necessariamente se traduz em menos compras.
Antes as pessoas passeavam e nem sempre compravam. Agora o consumidor não quer gastar muito tempo na loja. Ele vai no shopping decidido, o processo de conversão é maior, porque ele quer comprar rápido e ir embora. Normalmente os tickets médio são maiores. Mas, 4h ainda são insuficientes para normalizar uma operação e gerar volume de vendas.
Olhando para o setor de alimentos, este tem se beneficiado pelo aumento de vendas, mas as despesas também cresceram. Houve aumento de funcionários para atender grupos de risco. Isso gera também um processo de absenteísmo (ausência no trabalho) porque se alguém está se sentindo mal vai faltar.
O fluxo de funcionários temporários se torna forte para manter a operação. Aumentaram também as despesas de transporte, algumas empresas fretam transporte privado para os funcionários para evitar que eles frequentem o transporte público e aglomerações. Tem os custos com despesas de equipamento de segurança, álcool gel, higienização da loja, colaborador e clientes. Gastos com luvas, placas acrílicas.
Multiplan, BR Malls, Iguatemi e Aliansce. Como ficam as 4 operadoras neste cenário?
São grupos sólidos, com estrutura de capital forte e um bom caixa. A maioria destas empresas não é alavancada. Obviamente vai acontecer uma interrupção nas receitas, mas à medida que os shoppings vão reabrindo isso também vai voltar. Mas, é claro que não será como antes. A média de retorno para o varejo deve ser 70%, os resultados devem ficar apertados.
É possível que o e-commerce e um consumidor mais próximo deste formato possa desfalcar os shoppings? Para alguns lojistas, o custo de aluguel da plataforma pode ser mais rentável do que uma loja física.
Eu não colocaria e-commerce e shopping em uma posição tão antagônica. O varejo vai mudar, os hábitos de consumo também e isso não necessariamente vai matar as lojas.
É só olhar a China, que tem uma transformação varejista mais avançada, eles entendem que online e físico são complementares e integradas. Então precisamos parar de olhar para os canais de venda e sim olhar para os clientes, que são o verdadeiro desafio. Não importa mais onde a nota fiscal é emitida, se é no whatsapp, no delivery, no aplicativo. Quem controla a relação é o cliente e as lojas ainda são fundamentais para isso.
Uma loja proporciona experiencia, pode servir como ponto de logística para fazer entregas mais rápidas ou um ponto de retirada do produto. Precisaremos reinventar o papel da loja e desenvolver um sistema diversificado de vendas. Pensar em um modelo de negócios que trabalhe o digital e físico de forma interligada.
Com a Covid-19 muitas empresas descobriram a força do Whatsapp como canal de vendas. Muitas lojas agora devem fortalecer o marketplace, adaptar as lojas para entregar produtos comprados online, tem lojas que tem parcerias de delivery, drive thru. Quando as lojas reabrirem essa diversidade não vai parar, as pessoas podem frequentar novamente as lojas, mas quem se acostumou a falar pelo WhatsApp vai continuar fazendo isso, nem que seja para saber das ofertas. No varejo o poder do digital deve ser acima de 50%.
Qual será o papel futuro dos shoppings?
Shoppings vão ter que trabalhar muito. Shopping brasileiro é diferente do americano, está mais próximo dos clientes, é um ambiente que integra serviços, alimentação, espaços comunitários, cumpre vários papéis. Há um bom tempo os shoppings brasileiros estavam transformando os serviços em experiências, e acredito que isso continue com a demanda dos consumidores pelos espaços físicos.
Hoje você encontra médico, restaurante, cinema, e vários serviços dentro de um shopping. Além de cosméticos, luxo, entre outros. As pessoas gostam de experimentar e os shoppings vão ter que encontrar uma forma de trabalhar junto com varejo, repensando o modelo comercial, integrando processos digitais, e eles tem capacidade de fazer isso até pelo espaço que ocupam na mente do consumidor brasileiro.
O que deve ser repensado nesta abertura?
Os protocolos de segurança são fundamentais porque se o cliente não se sentir seguro ele não vai querer voltar ao shopping. Ele precisa se sentir seguro, confiante de voltar, e perceber que os protocolos de segurança estão vem gerenciados. Assim vai poder sentir plenamente toda a experiência do shopping.
Outra coisa importante é que não sabemos ainda como vai ser o comportamento da pandemia. E enquanto as pessoas ainda circulem com medo de se contaminar, não será um comportamento normal. Muitos shoppings vão reabrir mas sem sala de alimentação, e com restrições para cinema e áreas de entretenimento. E isso vai durar enquanto a pandemia durar.
Na Europa, a doença está mais controlada então os shoppings voltaram e o consumidor está ganhando confiança progressivamente. Com a doença mais controlada ou uma sinalização de vacina as pessoas voltarão a circular com mais naturalidade e sem medo de contágio.
Então o fluxo dos shoppings só vai normalizar de verdade com o vírus sendo controlado. Mas, é fundamental também ampliar o horário de 4h para 8h, faz mais sentido economicamente e traz menos riscos.
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