A História e a Geografia conferiram a impressão de que Brasil e EUA sempre gozariam de enorme liderança e influência sobre a América Latina.
O Brasil permaneceu política e territorialmente “uno” após a independência. O legado colonial espanhol estilhaçou-se em várias repúblicas. A escala da economia brasileira comparada à dos vizinhos, bem como sua enorme área e população, também convidam à ideia de uma liderança “natural”.
Já os EUA, com sua dramática ascensão econômica ao longo dos século 19 e 20, e a elevação ao status de superpotência com o fim da Segunda Guerra Mundial, tinham na América Latina seu “hemisfério”. Quantas vezes se ouviu de que a região era “quintal” de Washington.
Nesta semana, contudo, o Fórum China-Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) formaliza em Pequim a progressiva diminuição da importância relativa de Brasil e EUA para a América Latina.
A China emerge como principal referência geoeconômica de países – como Argentina, Venezuela e Equador – que Brasil e EUA acreditavam compor sua preponderante esfera de projeção de negócios.
Xi Jinping acena com investimentos de US$ 250 bilhões para a região nos próximos dez anos. Sugere que seu comércio com a América Latina alcançará meio trilhão de dólares em 2025.
Nicolás Maduro, em meio à pindaíba venezuelana, sai de Pequim com cheques que somam US$ 20 bi. Rafael Correa volta a Quito trazendo no bolso US$ 7,5 bi em empréstimos e linhas de crédito.
Ademais, o presidente equatoriano asseverou no Fórum, para regozijo de representantes dos 33 países da Celac e anfitriões, que a equação financiamento chinês x commodities latino-americanas é de “importância geoestratégica”.
Mesmo que os EUA quisessem, hoje é inimaginável competir com a irrefletida fascinação que a América Latina nutre pela China.
Além disso, a atual governança nos EUA impede a reedição de empréstimos ou outros compromissos governo-a-governo, comuns durante a excepcionalidade da Guerra Fria.
Mas o maior símbolo de “satelitização” de um país latino-americano à China se dá agora com aquele sempre considerado pelo Brasil como grande ponto focal de sua política externa: a Argentina.
No apagar das luzes de 2014 e, segundo o chanceler argentino Héctor Timerman, para não chegar de mãos abanando ao encontro da Celac na capital chinesa, o Senado de seu país aprovou na última sessão do ano ambicioso tratado sobre investimentos industriais e infraestrutura. O acordo oferece a Pequim acesso prioritário a energia, mineração, transporte, agropecuária e outros setores-chave na Argentina.
Muitos desses negócios serão fechados quando Cristina Kirchner realizar visita de Estado a Pequim em março. Isso se dá sem qualquer coordenação com Brasília e em detrimento do interesse de empresas brasileiras.
Ao contrário do que o Brasil elege como estratégia econômica externa – negociação a partir do Mercosul e tolerância a melindres argentinos – Buenos Aires alça seu voo solo com os chineses. Com isso, dilapida ainda mais o sonho brasileiro de liderança regional.
Fonte: Folha de S.Paulo
Autor: Marcos Troyjo
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