J.R. GUZZO
Londres, Paris, Berlim, Nova York ─ é fácil identificar as grandes cidades mais bem-sucedidas do mundo, e aprender com elas duas ou três coisas que vêm sendo feitas por lá há anos, e que comprovadamente deram certo. Não seria o caso, então, de pensar um pouco nisso pelo menos agora, quando começa a campanha para a eleição municipal? Resposta: nem pensar. Qualquer inspiração naquilo que existe de mais inteligente, ou apenas de mais lógico, nas boas cidades do mundo recebe o desprezo imediato dos nossos candidatos, partidos e especialistas em mercado eleitoral. Coisas de primeira classe, dizem todos, podem ser boas para “eles” ─ aqui nada disso funciona, garantem os candidatos que começam a pedir seu voto. A população brasileira, no seu modo de ver o mundo, não está preparada para viver em cidades melhores. Não há verbas. Não há leis. Não há técnicos. Pensar em cidades do mundo desenvolvido é elitismo. Na verdade, o ato de pensar, simplesmente, é algo privativo de países acima de determinado nível de renda. Vem, então, alguém como Enrique Peñalosa, ex-prefeito de Bogotá, uma capital com 8 milhões de habitantes, e aí a coisa complica ─ pois ele prova, ao falar sobre o seu trabalho, que administradores de cidades com realidades parecidas com as nossas têm, sim, a capacidade de raciocinar. Peñalosa sabe lidar, ao contrário da maioria de nossos candidatos a prefeito e vereador, com uma palavra curta, de apenas cinco letras, e indispensável para melhorar qualquer coisa nesta vida: “ideia”.
Algum tempo atrás, numa entrevista à Folha de S.Paulo, Peñalosa mostrou exatamente isso ─ ideias. Disse, por exemplo, que o estacionamento de carros nas vias públicas não é um direito adquirido, nem uma responsabilidade da prefeitura. Por que seria? Se o cidadão compra uma geladeira king-size e não tem onde colocar o trambolho, o problema é dele; não pode esperar que o poder público venha em sua ajuda para resolver a dificuldade que criou para si próprio. Por que deveria ser diferente com os automóveis? Quem quer andar de carro, em 2012, tem de pagar o preço por isso ─ deixar o seu veículo a 1 quilômetro do lugar para onde vai, digamos, encarar as tarifas dos estacionamentos, ou usar o transporte público e as pernas, como milhões de pessoas fazem todo santo dia. Peñalosa está dando um recado muito simples: o indivíduo não pode querer que as autoridades façam o trânsito andar mais depressa e, ao mesmo tempo, garantam vagas de estacionamento nas ruas. Uma coisa é o contrário da outra; não dá para exigir as duas. Reduzir lugares onde é permitido estacionar pode aumentar entre 30% e 40% a rapidez no fluxo do tráfego, sem que se gaste um único centavo em obras de ampliação de ruas e avenidas. Aqui se faz o oposto. Além dos automóveis, a via pública é ocupada por todo tipo de badulaque ─ caçambas, por exemplo, onde se acumula o entulho de reformas em residências particulares, ou qualquer coisa que esteja atrapalhando. É o modo brasileiro de ver as coisas: uma rua não é um espaço que pertence a todos, e sim um espaço que não pertence a ninguém. A mensagem do ex-prefeito de Bogotá é que o carro, uma notável conquista da humanidade, foi transformado numa coisa ruim, pelo mau uso que se faz dele. Aceitar isso é um disparate; é indispensável mudar a maneira de utilizar o automóvel, e enfrentar o custo da mudança.
Pode-se ser contra ou a favor de tudo isso, mas são ideias. Peñalosa, que também é consultor em trânsito, defende a tese de que as vagas de estacionamento nas ruas sejam eliminadas e as calçadas ampliadas. Propõe vias reservadas a pedestres e bicicletas. Faz, enfim, um cálculo esclarecedor: se um ônibus leva 100 pessoas e um carro apenas uma, o ônibus merece ocupar 100 vezes mais espaço na via pública. Não se ouve nada de parecido aqui ─ e é esse, justamente, o drama das eleições municipais. Nas campanhas das grandes capitais, que é onde estão os grandes problemas, a atividade cerebral é mínima. Quem pensa, ou se dispõe a perder votos porque pensa, não é “gente do ramo”. Como todos sabem, a “gente do ramo” é a responsável direta pela São Paulo como ela é hoje ─ ou o Rio de Janeiro, Salvador, Fortaleza, e por aí afora. É isso que a sabedoria dos “profissionais” produziu até agora, e só isso.
O Brasil caminha para uma eleição destinada a escolher quem governará nossas cidades, e decidir o que pode ser feito para melhorar a tragédia que se vê em todas elas. Mas, para a maioria dos candidatos, o que interessa, mesmo, são os minutos e segundos que terão na TV e no rádio, e a traficância para comprar ou vender tempo no horário obrigatório. Milhares de candidatos espalhados Brasil afora já estão calculando quanto vão ganhar, se chegarem ao paço municipal, com a venda de certificados de habite-se ou licenças para a instalação de fornos de pizza. Traficam-se nomes para subprefeituras, secretarias e tudo o que tenha a ver com arrecadação. Os candidatos, em geral, não sabem nada ─ mas entendem tudo sobre fiscais, inspeções e assinaturas para o funcionamento de shopping centers. Gostam mesmo é de aberrações como a “Taxa de Fiscalização de Estabelecimentos” que foi inventada em São Paulo ─ um imposto que toda empresa paga para a prefeitura fiscalizar se ela está sendo fiscalizada. Estão interessados é na distribuição entre si das verbas do “Fundo Partidário”, que já estão na casa dos milhões ─ dinheiro público que é entregue aos políticos para saldarem parte de suas despesas eleitorais e que, naturalmente, sai dos impostos pagos pelo eleitor. O resultado é que se rouba a população antes mesmo da eleição ─ o que faz do Brasil um caso raro de país onde o eleitor é roubado pelos que ganham e pelos que perdem.
As eleições municipais têm 455 000 candidatos, 15 000 deles a prefeito. Será difícil, em toda essa multidão, encontrar uma única manifestação de vida inteligente. Na maioria das grandes capitais, os candidatos não conseguem demonstrar um mínimo de amor pela cidade que querem governar. Quase sempre, principalmente nas campanhas em que rola muito dinheiro, comportam-se como zumbis controlados por essa depravação da vida política brasileira que se chama “marketing eleitoral”. Têm pavor de dizer uma única palavra capaz de ofender qualquer eleitor que possa ser encontrado em alguma classe existente entre as letras A e Z. Vivem fascinados com a “formatação” dos seus programas na TV e se deslumbram, entre outras coisas, com o potencial tecnológico de uma nova câmera Arri Alexa Full HD (e não uma mera Red One 4K, coisa da remota campanha de 2010), como a que o PT está utilizando na eleição de São Paulo e que custa, a preço de mercado, 7 500 reais de aluguel por dia – o equivalente a um ano de renda para o trabalhador de salário mínino.
As coisas não poderiam ser assim. A zona metropolitana de São Paulo produz 20% do PIB brasileiro, ou cerca de 500 bilhões de dólares, pelas contas do Fundo Monetário Internacional ou do Banco Mundial. Equivale ao PIB da Suécia; é mais que o da Argentina inteira. Na verdade, é maior que o de 160 países, pelas estimativas internacionais mais recentes. O Rio de Janeiro equivale a quase metade disso. Fica evidente, então, a tragédia das eleições municipais que vêm aí ─ há um abismo entre a grandeza da tarefa a executar e a capacidade da maioria dos candidatos em executá-la. Há uma necessidade desesperada de ideias, projetos e competência nas grandes cidades; em vez disso, o que se tem é politicagem rasteira. O prefeito paulistano Gilberto Kassab, por exemplo, tornou-se uma das grandes figuras da eleição de 2012 por ter fundado um partido cuja genialidade, segundo ele próprio, é não ser nem de direita, nem de centro, nem de esquerda. Os “contas-sujas”, candidatos que até agora não tiveram aprovadas as contas das últimas eleições de que participaram, e por isso não teriam direito a se candidatar, conseguiram escapar da lei ─ e estão aí, a toda. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que vai “morder as canelas” dos adversários. Isso é tudo o que o maior líder político do Brasil tem a dizer sobre as nossas cidades.
As próximas semanas de horário eleitoral obrigatório mostrarão, outra vez, um desfile de ideias mortas e a costumeira exibição de palhaços na televisão – só que os palhaços, mesmo, são os eleitores que estão diante da tela.
fonte:http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/secao/feira-livre/
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