Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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AS COMISSÕES INTERNAS DE FÁBRICAS NA REVOLUÇÃO RUSSA

Fonte:|midiaindependente.org/pt|

Capítulo "As Comissões Internas de Fábricas" do livro “A Estrutura do Sistema Soviético”, de John Reed. Retirado de uma fotocópia antiga de uma edição portuguesa.

Quando teve lugar a Revolução de Março, os proprietários e directores de numerosos estabelecimentos industriais ou abandonaram-nos, ou foram afastados pelos operários. Este foi muito particularmente o caso das empresas do estado, entregues aos empregados irresponsáveis do czar. Encontrando-se sem dirigentes, sem fiscalização e, muitas vezes, também sem engenheiros e empregados administrativos, os operários viram-se colocados diante da alternativa de tomar nas mãos a direcção do trabalho ou morrer de fome. Uma comissão foi designada, elegendo um delegado por cada sessão da fábrica. Esta comissão procurou continuar a fazer andar a fábrica. Naturalmente que no início a coisa parecia desesperada. Certamente que, deste modo, poder-se-iam coordenar as funções das diversas sessões, não obstante a falta de uma formação técnica dos operários conduzir freqüentemente a resultados catastróficos.

Estávamos lá quando, durante uma assembléia de fábrica, se levantou um operário e disse: “Camaradas! Com que é que nos preocupamos? O problema do pessoal técnico não apresenta dificuldades. Vejamos. O patrão não era um técnico, o patrão não tinhja os conhecimentos de um engenheiro ou de um químico ou mesmo de um administrador. Todo o seu papel reduzia-se a ser o proprietário. Quando necessitava de auxílio técnico, pagava às pessoas que lho podiam fornecer. Pois bem! Agora somos nós que somos os patrões. Vamos pagar aos engenheiros e aos administradores que trabalharão para nós!”

Nas empresas do Estado, o problema era relativamente simples já que a Revolução expulsara automaticamente o “patrão” e ninguém o tinha substituído. Mas quando as comissões de fábrica se estenderam às empresas privadas foram insidiosamente combatidas pelos proprietários, a maior parte dos quais tinham cessado os acordos com as organizações.

Nas empresas privadas as comissões internas foram igualmente resultado de uma necessidade. Depois dos três meses de Revolução durante os quais a classe média e as organizações operárias trabalharam em conjunto numa atmosfera de utópica harmonia, os industriais começaram a alarmar-se com o poder e com as ambições crescentes das organizações operárias, do mesmo modo que os proprietários das terras se assustaram com as novas condições rurais, os dirigentes dos Sovietes e os comitês de soldados... Pela primeira metade de junho começou uma campanha, mais ou menos consciente, de toda a burguesia para parar a Revolução e destruir as organizações democráticas. Os industriais projectaram quebrar tudo no ovo, desde as comissões internas até aos Sovietes. O exército foi desorganizado, privado de armas, de víveres e de munições. Certas posições foram entregues aos Alemães, Riga por exemplo. Nos campos aconselharam-se os camponeses a esconder o grão, provocando tais desordens que se deu assim oportunidade aos cossacos de restabelecer a ordem.

A seguir, no sector industrial, o mais importante de todos, procedeu-se assim à sabotagem das máquinas e da produção em geral, boicotaram-se os transportes; as minas de carvão, de metais e as outras fontes de matérias primas foram prejudicadas de mil e uma maneiras. Fazem-se esforços para minar a actividade das empresas e recolocar os operários sob o jugo do antigo regime econômico.

Assim os trabalhadores viram-se forçados a defender-se.

A comissão interna de fábrica foi reorganizada. Pode-se dizer que os operários russos cometeram erros, mesmo actos ridículos, e em todo o mundo isto foi lamentado; e ; eles exigiram salários impossíveis, tentaram aplicar processos científicos de elaboração complicada sem terem experiência suficiente e mesmo, em certos casos, pediram ao patrão para voltar e assumir a administração dos seus bens. Mas estes casos foram raros. Na maioria das empresas os operários encontraram recursos suficientes para dirigirem a indústria sem patrões.

Os proprietários tentaram falsificar os livros, esconder as encomendas; a comissão interna foi obrigada a procurar tentar controlar os livros. Os proprietários procederam de maneira a que os trabalhos caminhem mal e a comissão teve que montar guarda para que nada entrasse ou saísse da empresa sem autorização.

Quando as fábricas estavam prestes a fechar por falta de combustível ou de matérias primas, etc., as comissões internas foram obrigadas a enviar emissários através da Rússia, às minas, aos poços de petróleo do Cáucaso, às plantações de algodão da Criméia. Igualmente para a venda de seus produtos, os operários tiveram que enviar delegados especials. Havendo carência nos caminhos de ferro, aqueles fizeram acordos com as federações dos ferroviários afim de obter meios de transporte. Por fim, para se defenderem dos fura-greves, a comissão encarregou-se também da contratação e do despedimento do pessoal.

Deste modo a comissão interna de fábrica, saída do caos russo, foi obrigada, por força das circunstâncias, a aprender a gerir a empresa; de maneira que, quando surgiu o momento, puderam sem inconvenientes de maior, assumir o controle da empresa.

Como exemplo da elaboração das massas podemos mencionar o facto de que os duzentos mil pouds (1) de carvão tirados em Dezembro das reservas da frota do Báltico foram destinadas, pelas comissões de marinheiros, a manter em actividade as fábricas de Petrogrado durante a falta de carvão.

Os estabelecimentos Obucov, empresas metalúrgicas que trabalhavam para a amarinha de guerra, tinham como dirigente da sua comissão interna um russo-americano chamado Petrovsky, bastante conhecido na América como anarquista. Um dia o chefe da produção dos torpedos disse a Petrovsky que aquela iria parar dada a impossibilidade, de onde estavam, encontrar certos tubos pequenos usados no seu fabrico e fornecidos por uma fábrica cujos produtos tinham sido vendidos três meses atrás. O encerramento da secção dos torpedos provocaria o desemprego de 400 operários.

“Arranjar-vos-ei os tubos” disse Petrovsky e dirigiu-se directamente à fábrica onde eles eram fabricados e onde em vez de falar com o director, procurou o dirigente da comissão interna. “Camarada, disse-lhe, se dentro de dois dias não tivermos estes tubos a nossa produção de torpedos parará e 400 operários ficarão sem trabalho”.

O chefe da comissão procurou nos seus livros e descobriu que alguns milhares de tubos tinham sido reservados por três estabelecimentos vizinhos. Dirigiu-se lá com Petrovsky e entrou em contacto com os dirigentes das comissões internas. Constatou-se que nas duas fábricas os tubos não eram imediatamente necessários; no dia seguinte a fábrica Obucov tinha à sua disposição o material necessário e a oficina de torpedos não foi encerrada.

Havia em Novgorod uma fábrica de tecidos. Quando começou a Revolução o patrão declarou: “A situação é confusa; enquanto durar a Revolução não podemos tirar nenhum lucro. Vamos pois suspender o trabalho até que as coisas se tornem mais claras”. Assim se fez e o pessoal dos escritórios, assim como os químicos, engenheiros e directores tomaram o comboio para Petrogrado. Mas no dia seguinte a fábrica foi reaberta pelos trabalhadores.

Esses trabalhadores eram talvez um pouco mais ignorantes do que a maior parte dos outros trabalhadores, não conheciam os processos técnicos da produção, da direcção e da venda. Eles nomearam uma comissão interna e, tendo descoberto uma reserva escondida de combustível e de matérias primas, recomeçaram a produzir tecidos de algodão.

Não sabendo muito bem o que fazer dos tecidos já fabricados, começaram por eles e as suas famílias, se servirem abundantemente deles; depois, como alguns dos seus teares necessitavam de reparações, enviaram uma delegação a uma oficina da vizinhança dizendo que estavam dispostos a dar tecidos em troca de auxílio técnico necessário. Depois disto fizeram um contracto com a cooperativa local, fornecendo-lhe os seus tecidos de algodão em troca de produtos alimentares, e foram ao ponto de trocar tecidos de algodão por combustível das minas de carvão de Karkof. Obtiveram meios de transporte da Federação dos Caminhos de Ferro. Acabaram por saturar o mercado local de tecidos de algodão, mas encontraram-se perante uma exigÊncia que não podiam satisfazer com seus produtos: a renda. Isto acontecia no tempo do Governo Provisório quando ainda existiam proprietários de terras. A renda devia ser paga em gêneros. Então carregaram todo um comboio com as suas mercadorias e enviaram-no para Moscovo sob a guarda de um membro da comissão.

Este deixou o comboio na estação e foi através da cidade. Entrou na loja de um alfaiate a quem perguntou se precisava de tecidos de algodão. “Que quantidade tens?” perguntou este.

- Um comboio cheio.
- A que preço?
- Eu não sei! Quanto é que paga habitualmente?

O alfaiate deu-lhe uma soma ínfima e o membro da comissão que nunca tinha visto tanto dinheiro junto, regressou a Novgorod todo contente.

Mas o problema de renda também tinha sido resolvido pela comissão interna que tinha regulado a produção de forma a que da venda resultassem excedentes que permitissem que a renda de todos os operários fosse paga.

Foi desta maneira que, em toda a Rússia, os operários adquiriram os conhecimentos necessários dos princípios fundamentais da produção industrial e também de distribuição; foi assim que aquando da Revolução de Novembro puderam ocupar o seu lugar na engrenagem do controle operário.

Em Junho de 1917 realizou-se o primeiro Congresso dos delegados das comissões internas mas, nessa altura, estas não existiam senão à volta de Petrogrado. Todavia este foi um Congresso importante. Eram delegados os que, hoje, constituem as grandes massas populares: na sua maior parte bolcheviques, assim como diversos sindicalistas e anarquistas. O acento principal das discussões foi colocado no protesto contra a táctica empregada pelas federações. No plano político, os bolcheviques iam repetindo que nenhum socialista deveria participar com a burguesia num governo de coligação. O Congresso dos delegados das comissões internas adoptou a mesma atitude no que respeita à indústria. Por outras palavras, a classe dos capitalistas e a dos trabalhadores não tinham nenhum interesse em comum; nenhum operário consciente podia ser membro dum comitê de arbitragem ou de conciliação, excepto para informar os industriais das reivindicações operárias. Nenhum acordo entre capitalistas e operários; a produção industrial devia ser completamente controlada pelos trabalhadores.

Anteriormente, as federações de profissões tinham combatido duramente as comiss~çoes internas. Mas como estas estavam aptas a implantar-se no seio da direcção de fábricas consilidaram e estenderam facilmente o seu poder. Numerosos operários não sentiam necessidade de entrar para uma federação, mas todos sentiam necessidade de participar na eleição da comissão interna que tinha o controle imediato do trabalho. Por outro lado as comissões reconheciam a importância das federações; nenhum novo operário era admitido se não possuísse o cartão das organizações sindicais. A aplicação local dos regulamentos das diversas federações cabia às comissões internas. Hoje [julho de 1918 – N. do T.] as organizações profissionais e as comissões internas trabalham em perfeita harmonia, cada uma com as suas respectivas funções.



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1. pouds: unidade de massa usada na Rússia e que é equivalente a 16.3806 kg.

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