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Até onde vai o 'desengajamento' britânico _Zona do Euro

Até onde vai o 'desengajamento' britânico

A Grã-Bretanha precisa perguntar se quer ou não ficar na UE, mas não agora quando não sabemos se a zona do euro vai sobreviver

11 de julho de 2012 | 3h 05

O Estado de S.Paulo

Artigo

Todos os partidos políticos britânicos deveriam fazer um compromisso em suas plataformas eleitorais e realizar um referendo sobre a participação da Grã-Bretanha na União Europeia (UE) durante a próxima legislatura. Esse referendo deveria fazer uma pergunta direta: você quer que a Grã-Bretanha permaneça na UE?

Seja o que for que a UE tenha se tornado a essa altura, e nos melhores termos que nosso governo foi capaz de negociar. Dentro ou fora. Sim ou não. Somente assim, nós britânicos, elaboraremos quem somos e onde queremos que nosso país esteja. Sem esse momento definidor, seguiremos desengajados para sempre.

É ridículo, contudo, perder tanto tempo no assunto agora, quando ainda não sabemos se e como a zona do euro será salva, e o que esta Europa será. Se a zona do euro desmoronar, fica o dito pelo não dito. Os eurocéticos ainda poderiam ter a Europa mais frouxa dos seus sonhos, sem levantar um dedo, e aí veremos se gostarão disso.

A zona do euro só conseguirá ser salva com um avanço para adicionar elementos importantes a uma união bancária, fiscal e, portanto, necessariamente política. Isso mudará toda a natureza da UE. Isso colocará a questão, não só para o Reino Unido, mas para os outros nove Estados-membros que hoje não fazem parte da zona do euro, de como o núcleo desse bloco se relaciona estruturalmente com a UE de 27 membros.

A economia política continua no centro do que a UE faz, e esse centro, se agir e votar unido, poderá potencialmente ditar os termos do resto, mesmo em questões como o mercado único - como a própria UE atualmente faz com países como a Noruega e a Suíça, esses pequenos paraísos dos sonhos mais radicais dos eurocéticos conservadores.

Essa negociação em potencial entre os de dentro e os de fora da zona do euro é muito distinta de qualquer tentativa britânica de renegociar sua relação com a UE, incluindo repatriação de poderes sobre questões como o capítulo social, diretrizes sobre jornada de trabalho e regulamentos ambientais. Começar essa negociação agora, como o ex-secretário da Defesa Liam Fox e muitos parlamentares conservadores estão pedindo, seria a maior das sandices. Mesmo que se compartilhe por completo seus objetivos, uma criança de cinco anos pode perceber que este é o pior momento possível.

A casa de seu vizinho, uma detonada mansão do Segundo Império, está em chamas. A dona de casa alemã - que suspeitamos que seja o homem da casa -, o volúvel marido francês, o maestro italiano residente, o espanhol - ok, basta de estereótipos étnicos - estão correndo de um lado para outro com baldes e mangueiras tentando apagar o incêndio.

Neste momento crítico, o vizinho David Cameron sai caminhando de sua sólida casa Tudor vizinha e diz: "Digam, meus camaradas, será que poderíamos trocar umas palavras sobre mover a cerca do jardim? E sobre podarem essa sua falsa acácia? Ela está soltando folhas na nossa piscina". Imaginem a resposta. "Merde" seria a mais amena.

Especialmente porque o bom vizinho Cameron já vinha gritando conselhos úteis de sua sacada: "Vamos, meus camaradas, concentrem-se e mãos à obra. Vocês precisam é de uma união fiscal. Angela pagará. Lamento não podermos contribuir com um centavo para seu fundo de emergência para o abafamento do fogo, mas somos britânicos, como sabem".

A verdade é que Cameron entende perfeitamente tudo isso. É o que ele estava dizendo até o último sábado. Agora, ele foi compelido a enfeitar um pouco pelos sopros e bufos de sua própria bancada "eurocética", e pela ameaça do Partido da Independência do Reino Unido (UKIP, na sigla em inglês) que, de acordo com as sondagens de opinião, está atraindo eleitores eurocéticos conservadores. Assim, sobre o referendo, Cameron, agora, não diz sim ou não. Ele diz sim e não. De novo, o desengajamento.

Escócia. Há uma outra boa razão para esperar até depois de 2015: a Grã-Bretanha vai ter um importante referendo nesta legislatura de toda sorte.

Em 2014, os escoceses votarão se querem a independência. Se a Escócia votar pela independência, o sujeito e o verbo da pergunta do referendo europeu continuarão os mesmos, mas o objeto - a Grã-Bretanha - terá mudado. Seria então o Reino Unido com apenas Inglaterra, País de Gales e Irlanda do Norte. E haveria necessidade de uma mudança constitucional geral, que também envolveria a participação na UE dos dois novos Estados.

Assim, elaborar quem "nós" somos é um processo de duas etapas: primeiro a Grã-Bretanha, depois, a Europa. Numa conversa comigo no começo desta semana, Nick Clegg, o vice-primeiro-ministro e líder dos liberais democratas, sugeriu que talvez devêssemos nos concentrar na união britânica nesta legislatura, e na europeia na próxima.

Evidentemente, as coisas não funcionarão de maneira tão ordeira na prática. Se Angela Merkel quiser um novo tratado para a zona do euro, os eurocéticos britânicos argumentarão que isso pede um referendo.

Há uma decisão técnica, mas importante que a Grã-Bretanha precisa tomar em 2014, sobre se um conjunto de leis de policiamento e combate ao crime deve ser submetido à aprovação final do Tribunal de Justiça Europeu.

Mas a Grã-Bretanha faria bem em gastar os próximos dois anos consertando as cercas com seus vizinhos europeus, e não tentando movê-las; cultivando amigos, que a Grã-Bretanha precisará na próxima negociação do orçamento da UE; sendo a mais prestativa possível para uma solução da zona do euro, mas também construindo parcerias com outros que não são membros da zona do euro e, portanto, enfrentam a mesma perspectiva de exclusão dos lugares onde as decisões-chave são tomadas; e, claro, pressionando por reformas que a Europa necessita.

E se os conservadores também quiserem ter uma "auditoria" de nossas relações com a UE, por que não? Vou sumir por quatro meses para escrever um livro. Desdobramentos dramáticos no continente poderão me trazer de volta; a relação da Grã-Bretanha com a Europa certamente não, porque não vai haver nada de decisivo no futuro próximo. Aliás, o debate britânico sobre a Europa fica girando em torno das mesmas velhas questões, ano após ano, como naqueles velhos discos de 78 rotações quando a agulha do gramofone enguiçava no sulco: Rule-Britannia-Britannia-rules, clique, Rule-Britânnia-Britannia-rules, clique. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNI

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