Na época em que Demi Moore e Robert Redford fizeram par “romântico” em “Proposta Indecente”, passou a circular a seguinte piada: sujeito vira para mulher e pergunta se ela aceitaria ir para cama com ele por um milhão de dólares. Ela pensa, reflete, leva em conta a escola dos filhos garantida, as dívidas quitadas, e diz finalmente que sim. Então ele pergunta se ela aceitaria por cem reais, no que ela, revoltada, diz: “O que você pensa que eu sou?” Ele retruca: “O que você é já sabemos, agora estamos apenas discutindo o preço”.
A brincadeira fez muito sucesso na época, e toca num ponto delicado da ética: o que importa é o princípio em jogo ou o motivo de seu desvio? Quem rouba uma galinha para comer ou quem desvia bilhões dos cofres públicos pratica igualmente um roubo, ou seja, ambos são ladrões. Mas há como ignorar totalmente os motivadores e a magnitude do pecado? Então matar alguém em um arroubo passional é o mesmo que ser um psicopata serial killer?
Para a Justiça certamente não. Tanto que existe a dosimetria da pena, os atenuantes, o contexto levado em conta, etc. Julgaremos moralmente iguais a moça desesperada que aceita alugar seu corpo por sexo para ter o que comer, algo muito comum em Cuba, por exemplo, e aquela que se casa com um velho rico que não suporta só para viver no luxo?
Toda essa digressão filosófica sobre ética e princípios veio à mente ao ler o editorial da Folha de hoje. O jornal é firme em suas palavras, endossando as graves acusações feitas por ministros do STJ sobre o grau absurdo que a corrupção chegou no Brasil, algo que nos envergonha mundialmente. Os bandidos perderam a noção das coisas!
Como exemplo, temos a quantia que será devolvida pela delação premiada dos envolvidos no Petrolão. Diz o jornal:
A soma, até aqui, está perto de alcançar meio bilhão de reais. É, de fato, “perder a noção das coisas”, como afirma o integrante do STJ. “Noção” que, se remontarmos ao caso do mensalão, ainda parecia estar presente: menos de R$ 10 milhões foram entregues para o antigo PL, de Valdemar Costa Neto, por exemplo.
A comparação, de todo modo, talvez não vá muito longe –uma vez que o mesmo fenômeno se verifica, nestes e nos demais casos que porventura houver. A saber, o de um brutal e desavergonhado processo de aparelhamento do Estado.
Jogar tudo na vala comum da “corrupção” é banalizar o que estamos vendo acontecer com nosso país hoje, na era do lulopetismo. As cifras estratosféricas perderam qualquer elo com a realidade. Os montantes astronômicos desviados aturdem, deixam-nos atordoados e incapazes de sequer imaginar o que significam. Não é “o que sempre tivemos”, em hipótese alguma.
Para a Folha, esses são exemplos de como “se perdem as noções” num ambiente de “banditismo generalizado”. Quando passamos a aceitar como normal o que está acontecendo, aí é que mora o perigo. À exceção dos românticos e puristas, a grande maioria compreende que a política, especialmente a brasileira, vai sempre envolver algum grau de “jogo sujo”. Mas tem limite!
O que o PT fez, em especial e de diferente, foi romper esse limite, com vontade. E pior: fez isso ao mesmo tempo em que banalizava o ato em si, justificava-o como necessário para o progresso social, chamava de “heróis injustiçados” seus bandidos. Ora, se você convence o ladrão de galinha de que não há diferença alguma entre ele e o Al Capone, que, afinal, todos são iguais, e que Al Capone ainda tem seu charme de “rebelde do bem”, então qual será o incentivo para que ele não se torne um mafioso assassino também? O editorial conclui:
Entre a prática rotineira e o assalto flagrante, entre o caixa partidário e o benefício pessoal, entre os corruptos e os que se dizem indignados com a corrupção, as distinções se diluem –e caberá à Justiça repor, o mais breve possível, cada coisa em seu devido lugar.
Espera-se que sim. E, como sabemos, o devido de lugar de muito petista é na Papuda…
Rodrigo Constantino
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Espera-se que sim. E, como sabemos, o devido de lugar de muito petista é na Papuda…
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