No momento em que completa 67 anos, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vive um período turbulento. Pela quinta vez em três anos, passará a ter um novo presidente. Gustavo Montezano, secretário-adjunto da Secretária de Desestatização, substituirá o ex-ministro da Fazenda, Joaquim Levy. E, assim como seus quatro antecessores recentes, o engenheiro de 38 anos terá como desafio imediato estabelecer o novo perfil do banco de fomento e consolidar a imagem da instituição perante a sociedade e dentro do governo. Sobre esse estratégico banco público ainda pairam dúvidas que alimentam a instabilidade e dão margem para que autoridades, como o próprio presidente Jair Bolsonaro, tirem conclusões precipitadas sobre os procedimentos e funções que o sustentam.
As trocas recentes de gestões revelam uma crise de identidade que vem de fora para dentro. Levy era um nome forte da equipe econômica. Tinha o peso de ministro, acumulava experiência no setor público e alinhamento ideológico com Paulo Guedes. Mas sua indicação foi vista com ressalva desde o início por Bolsonaro, devido aos cargos que ele ocupara nos governos de Dilma Rousseff e Sergio Cabral. O pedido de demissão foi provocado por uma declaração do presidente de que Levy estava com a cabeça a prêmeio. “Houve uma incompatibilidade de gênios, não houve sintonia”, disse o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Da parte de Bolsonaro, havia o desejo por alguém que pudesse abrir a “caixa-preta” do BNDES, referência a empréstimos suspeitos da era petista. Para o ministro da Economia, a cobrança era para acelerar a devolução de recursos ao Tesouro Nacional.
As duas expectativas recairão agora sobre o colo de Montezano. Próximo dos filhos do presidente, ele é formado pelo Instituto Militar de Engenharia (IME), pós-graduado em Finanças pelo Ibmec, e conta com 17 anos de carreira no mercado financeiro, período em que se tornou sócio do BTG Pactual. “É um profissional altamente qualificado, com uma sólida experiência, inclusive internacional”, comentou com DINHEIRO o secretário de Desestatização do Ministério da Economia, Salim Mattar, que até a semana passada era chefe de Montezano. “O BNDES vai ter um banqueiro à altura dele, comandando as operações de forma ágil e muito alinhado com as orientações de Guedes.” Mattar o descreve como um profissional que sabe cativar a equipe, educado, seguro na tomada de decisão, ágil, mas cauteloso. Faltou dizer que, às vezes, pode ser intempestivo. Em 2015, Montezano foi processado por ter arrombado os portões do prédio em que morava para dar continuidade a uma festa. Ele reconhece o erro e diz que pagou pelos danos.
Os desafios diante do novo presidente não são de fácil solução. A tal caixa-preta a que se refere Bolsonaro já foi bastante remexida. O BNDES foi alvo de três operações da Polícia Federal, duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) – uma recém-iniciada – e abriu apurações internas para averiguar suspeitas em concessões a empresas próximas às gestões petistas. Para aprofundar o debate, o economista Paulo Rabello de Castro encomendou, ao assumir o comando do BNDES, em 2017, um estudo sobre o tema. “Abri a suposta caixa-preta e o resultado [das operações] é extremamente favorável para o banco. Não vão chegar a lugar algum. É um assunto caça-fantasma”, afirma Rabello. Segundo ele, o BNDES não é impassível de erros e pode ter se excedido em riscos, mas ele descarta a tese de que havia um esquema criminoso. “São 400 advogados que estão lá dentro.”
Um dos principais alvos das críticas são os empréstimos para obras em Cuba e na Venezuela. Alguns financiamentos estão voltando agora na forma de calote, mas boa parte deles ainda é coberto pelo seguro de crédito contratado junto com a operação. Os atrasos de ambos os países provocaram uma provisão (reserva) para calotes de cerca de R$ 4 bilhões em 2018. O porta-voz da Presidência da República, Otavio Rego de Barros, confirmou, na segunda-feira 17, que Bolsonaro espera de Montezano que “abra a caixa-preta” e devolva recursos ao Tesouro, assim como priorize projetos de infraestrutura, de saneamento e as privatizações.
A devolução de recursos aos cofres da União reverteria o aparelhamento do BNDES na era PT. O processo foi iniciado em 2015 e acelerado no governo Michel Temer, com o repasse de mais de R$ 300 bilhões do BNDES ao Tesouro Nacional. Os mais de R$ 200 bilhões ainda restantes estão previstos num cronograma até 2040. São essas devoluções que o governo quer antecipar. Mas há resistência do corpo técnico. “Quando acabar de devolver, o banco estará descapitalizado em R$ 300 bilhões. Como uma instituição financeira pode sobreviver assim?”, questiona Castro. Para ele, se a conta também considerasse dividendos e impostos pagos pelo BNDES, o banco estaria positivo em mais de R$ 170 bilhões. Castro participou de um ato com outros ex-presidentes do banco contra o relatório da reforma da Previdência que redirecionou recursos do BNDES para as aposentadorias.
LONGO PRAZO Se os dois pontos apontados para a saída de Levy são fonte de instabilidade, é inequívoco um alinhamento das últimas gestões na mudança de perfil do banco, para dar maior foco em infraestrutura e em médias e pequenas empresas. “O BNDES cresceu de maneira assustadora e agora precisa desinchar, redirecionar a sua atividade”, afirma o professor de economia do Insper, Otto Nogami. “A questão é ter um plano de ação de longo prazo. A cada mudança se discute o papel do BNDES.”
O esforço é reconhecido no setor privado. Empresários destacam o lançamento de uma linha de crédito para médias empresas, mas cobram menos burocracia. “O banco está procurando sua vocação num momento em que a taxa de investimento do País está baixa”, diz Fernando Pimentel, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit). A taxa de investimento em relação ao PIB está num dos menores patamares da história e vem representando um freio para o crescimento. O BNDES é uma das fontes de fomento.
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