Nos últimos 12 meses, a agenda do presidente da americana Whirlpool na América Latina, José Drummond Jr., esteve lotada. Para um executivo de seu porte, que tem sob seu comando uma empresa com faturamento de US$ 4,7 bilhões e 14 mil funcionários na região, isso faz parte da rotina. No entanto, a movimentação no escritório central da Whirlpool, em São Paulo "leia-se a revoada de chefões da matriz", tem sido incomum.
Por lá passaram Jeff Fettig, CEO mundial da companhia, e Mike Todman, vice-presidente internacional, o que tornou a já complicada agenda de Drummond Jr. ainda mais apertada. A visita desses executivos graúdos tem um motivo. A subsidiária brasileira da Whirlpool, dona das marcas de eletrodomésticos Brastemp e Consul, e da fabricante de compressores Embraco, transformou-se na segunda maior operação da empresa no mundo. Está atrás apenas dos Estados Unidos. "Tivemos um ano melhor que o outro desde 2008", afirmou Drummond Jr. à DINHEIRO. "A trajetória de crescimento no Brasil ainda não terminou."
Drummond Jr., da Whirlpool: "Tivemos um ano melhor que o outro desde 2008.
A trajetória de crescimento no Brasil não terminou"
O exemplo da Whirlpool é ilustrativo de uma nova fase no relacionamento das multinacionais com o País. Antes, os executivos brasileiros precisavam gastar muitas milhas aéreas em visitas às suas matrizes para tentar convencer os CEOs de que era preciso investir aqui. "Perdíamos um tempo enorme discutindo com o segundo ou terceiro escalão da matriz e na maior parte das vezes voltávamos de mãos abanando", diz um CEO brasileiro que não quis se identificar.
"Acabávamos sendo preteridos, porque a economia brasileira não inspirava confiança." Todo-poderoso chefão da GE durante duas décadas, o legendário Jack Welch deixou bem claro esse tipo de postura, mais de uma vez. Perguntado por que a GE não investia mais no Brasil e na América Latina, Welch respondeu com franqueza brutal: "Como é que posso investir num lugar onde você dorme sob uma lei e acorda com outra?" Prova de que havia colocado a subsidiária na geladeira, sem trocadilho, é que de 1981, quando assumiu o comando da GE, a 2001, ano de sua saída, Welch visitou o Brasil apenas uma vez. Seu sucessor, Jeffrey Immelt, veio pelo menos uma vez por ano, entre 2006 e 2010. Neste ano, virá duas vezes.
"Nos segmentos em que atuamos, a chave é investir em novas tecnologias constantemente"
Nicolas Fischer, presidente da Nivea no Brasil
"Hoje, não só a matriz tem aprovado praticamente tudo o que pedimos como a própria matriz é que tem vindo até nós, ver o que precisamos", diz uma fonte qualificada da GE brasileira. Embora o faturamento de US$ 2,6 bilhões ainda não coloque a subsidiária no pódio da companhia americana, ela está no topo entre as de maior potencial de crescimento. "Estamos com um pacote de US$ 550 milhões para investimentos em energia e na área do pré-sal", diz o executivo.
Em outras palavras: o jogo virou. Hoje, são os presidentes mundiais que vestem a camisa do Brasil. Transformado em um dos eldorados das multinacionais, o País tornou-se gente grande e disputa centavo a centavo com os seus parceiros do Brics, como a China e a Índia, as montanhas de dólares que elas têm para investir. Graças a uma classe média emergente, à melhoria de indicadores sociais e ao crescimento de renda, o Brasil, e consequentemente as filiais locais, subiu de patamar. "O mercado brasileiro de eletrodomésticos deve ser o terceiro no ranking mundial em breve, à frente do Japão e atrás apenas dos Estados Unidos e da China", diz Drummond Jr.
"A China tem mais de um bilhão de habitantes. O Brasil conta com 200 milhões de consumidores"
Ivan Zurita, presidente da Nestlé
Assim como a Whirlpool, a lista de empresas que têm o Brasil entre seus principais mercados não para de crescer (confira infográfico na página 58). A Telefônica já tem mais clientes no País do que na sua sede na Espanha. A filial da Nestlé se tornou a segunda maior operação do grupo suíço no ano passado. A Volkswagen vendeu mais carros no Brasil do que na Alemanha em 2010. Só não superou a China. A Nivea vai ultrapassar as subsidiárias da França e Itália este ano, ficando atrás apenas da matriz alemã. A americana Monsanto encontrou um terreno fértil no País para vender suas sementes transgênicas.
O Brasil é o terceiro mercado que mais compra softwares da alemã SAP. No caso da anglo-holandesa Unilever, o País se transformou em vice-líder global, à frente da matriz, perdendo apenas para os EUA. "Diziam que o Brasil era o país do futuro", afirma o holandês Kees Kruythoff, presidente da subsidiária brasileira da Unilever. "Para nós, o futuro já chegou. "É a mesma percepção do sócio da consultoria americana Booz & Company, Ivan de Souza. "O Brasil se transformou no país das oportunidades."
"Temos o potencial de passar a espanha. Em quatro anos, vamos investir R$ 24,3 bilhões.
A maioria dos recursos será destinada a novos negócios" Antônio Carlos Valente, presidente do grupo Telefônica
Toda essa movimentação das empresas multinacionais gera um ciclo duplamente virtuoso. Por um lado, o investimento direto estrangeiro no Brasil deve atingir o volume recorde de US$ 65 bilhões em 2011, segundo estimativas da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e Globalização Econômica (Sobeet). Essa cifra coloca o País abaixo somente dos Estados Unidos e da China, como polo de atração de recursos.
Por outro, a remessa de lucros e dividendos ao Exterior também cresceu. Em 2010, foram enviados para fora US$ 30 bilhões, patamar inferior apenas a 2008, período mais agudo da crise financeira mundial. Por esse motivo, o Brasil se tornou também um provedor de recursos financeiros para os países de origem das empresas multinacionais, a maioria americanas e europeias, que ainda enfrentam uma lenta recuperação em seus mercados de origem. "As matrizes cobraram crescimento e rentabilidade do Brasil", afirma Giovanni Fiorentino, sócio da consultoria americana Bain & Company.
As companhias que souberam enxergar as oportunidades do mercado brasileiro conseguiram entregar às suas matrizes bons resultados. "A China tem mais de um bilhão de habitantes", afirma Ivan Zurita, presidente da Nestlé. "O Brasil conta com 200 milhões de consumidores."Em 2001, a filial era a sétima em faturamento no ranking global da corporação. No ano passado, fechou em segundo lugar, com um faturamento de R$ 17,3 bilhões.
Assim como a de seu colega Drummond Jr., da Whirlpool, a agenda de Zurita nunca esteve tão atribulada. "Temos muito para mostrar, para ensinar e as demais unidades da companhia querem aprender", diz Zurita. Entre as lições está a maneira de fazer marketing para uma classe de consumidores emergentes. Cinco anos antes de a baixa renda se tornar a coqueluche da economia nacional, os diretores da Nestlé já estudavam os hábitos de consumo dos que ganham menos de cinco salários mínimos por mês. E estudar, neste caso, não significou passar horas dentro do escritório lendo pesquisas e analisando relatórios. Zurita despachou um pelotão de executivos para acampar, literalmente, na casa dos consumidores de baixa renda e entender suas necessidades.
Em 2006, a empresa criou um projeto-piloto com 800 revendedoras andando pela periferia de São Paulo com carrinhos estilizados com o logo da companhia e produtos fracionados. Deu tão certo que hoje o sistema está implantado em 19 Estados, reúne mais de 8,2 mil revendedoras, e representou um acréscimo de R$ 1,3 bilhão no faturamento da empresa em 2009, último dado disponível. "Na Suíça, nos chamam de a subsidiária do marketing", diz Zurita.
Se para algumas companhias o marketing é fundamental, para outras o investimento em tecnologia é o segredo do sucesso. Desde 1998, a espanhola Telefônica já investiu R$ 57,4 bilhões na ampliação de sua rede e da oferta de serviços. Com a compra do controle da operadora de telefonia celular Vivo, por E 7,5 bilhões em 2010, a Telefônica se transformou no maior grupo do País.
Mais: sua carteira de clientes chegou a 76 milhões, número superior aos 46 milhões de habitantes da Espanha. Mesmo assim, a receita da matriz espanhola ainda é maior do que a que vem do Brasil. "Temos potencial de passar a Espanha", diz Antônio Carlos Valente, presidente do grupo Telefônica no País. É bem provável que isso ocorra em um espaço relativamente breve de tempo. No ano passado, o faturamento do Brasil cresceu 33% (o dado inclui o desempenho da Vivo). Na Espanha, caiu 5,5%. É por esse motivo que a companhia promete aplicar R$ 24,3 bilhões até 2014 nas operações locais, um aumento de 52% sobre o total investido nos quatro anos anteriores. "Cerca de 70% dos investimentos serão destinados a novos negócios neste ano", afirma Valente. Outro sinal de que o Brasil chegou a um novo patamar para os espanhóis foi o anúncio de criação de um centro de inovação, o primeiro da companhia fora da Espanha.
Ter um centro de inovação é um privilégio das subsidiárias que ganham relevância. Esse é o caso da americana Monsanto. Em 2008, o Brasil assumiu a condição de segundo mercado da companhia. Globalmente, a empresa faturou US$ 10,5 bilhões no ano passado. No período, a contribuição do País foi de R$ 2 bilhões. Esse desempenho fez a filial conquistar algumas 'regalias' da matriz. Uma delas foi a instalação de um laboratório de pesquisa em Campinas (SP), que concentra o estudo mundial na área de cana-de-açúcar. Experimentos feitos por aqui já colaboram com a empresa em nível global.
É o caso da segunda geração da soja RR, considerada um marco na história da Monsanto. Essa semente foi concebida de olho no mercado brasileiro, algo inédito na história da empresa, que sempre teve como prioridade os agricultores americanos. Tratar com tanto interesse o Brasil tem um motivo. "A meta da companhia é crescer, globalmente, entre 13% e 17% por ano na próxima década", afirma André Dias, presidente da Monsanto do Brasil. "Por ser uma região emergente, o País deverá avançar acima desse patamar." Se isso de fato acontecer, o País poderá assumir o posto de número 1 da companhia em um futuro próximo. "Estamos recuperando o atraso de quase 30 anos em relação aos Estados Unidos, que lançaram mão da biotecnologia há muito tempo para ampliar a produtividade de sua agricultura", diz Dias.
Quem não precisa recuperar o tempo perdido é a alemã Nivea. Até o final do ano, ela deve se transformar na segunda maior operação do grupo Beiersdorf, dona da marca, que faturou E 6,2 bilhões globalmente em 2010. Seus produtos são comercializados há um século no Brasil. Mas não há sinais de acomodação e envelhecimento, tanto que a estimativa é lançar 35 novos produtos em 2011.
"Nos segmentos em que atuamos, a chave é investir em novas tecnologias constantemente", diz Nicolas Fischer, presidente da Nivea no Brasil. "O consumidor está sempre em busca de novidades." Depois de sete anos de pesquisa, a companhia desenvolveu uma tecnologia para fabricar um antitranspirante que evita a formação de manchas amareladas em camisetas brancas. "Já havia produtos para evitar o problema de manchas claras em camisetas pretas, mas não o contrário", diz Fisher. "O que fizemos é inovador."
A filial da SAP, outra empresa alemã que está há menos tempo no Brasil do que a Nivea, já alcançou uma posição de destaque. Inaugurada em meados da década de 1990, ela já é o terceiro maior mercado da companhia, atrás da Alemanha e dos Estados Unidos. Em pouco mais de 15 anos, a maior desenvolvedora de softwares corporativos do mundo aproveitou-se de uma peculiaridade do mercado brasileiro para crescer: a enorme base de computadores de grande porte instalados nas empresas.
Essas máquinas, consideradas antiquadas, precisavam ser substituídas por outras mais modernas, que rodavam o software da SAP. "Há ainda muitos sistemas antigos, que precisam ser atualizados, no Brasil e na América Latina", diz Sanjay Poonen, presidente global de estratégias de mercado da SAP.
Patinho feio até pouco tempo atrás, o Brasil precisa agarrar as oportunidades trazidas pela mudança do jogo. A entrada de dinheiro novo para bancar os planos de implantação de novas empresas ou de expansão das que já estão estabelecidas deve ser saudada como uma vitória na final da Copa do Mundo. Os recursos que estão entrando vão se transformar em mais empregos e renda para os trabalhadores, garantindo sua ascensão social. Ao mesmo tempo, eles também ganham como consumidores. "Haverá melhoria da qualidade dos produtos oferecidos internamente", diz Ricardo Torres, professor de finanças da Brazilian Business School. "Isso vai obrigar as empresas brasileiras a evoluir para competir no mesmo nível."
Ao virem para cá, as multinacionais trazem consigo novos métodos de gestão e inovação tecnológica, que inevitavelmente se espraiam pela cadeia produtiva. "Esse movimento coloca o Brasil na fronteira tecnológica dos mais variados campos", afirma Fábio Silveira, economista e sócio-diretor da RC Consultores. A bola agora está na marca do pênalti. É só chutar e sair para a comemoração com a torcida.
FONTE: Isto É DINHEIRO
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