Por: Carolina Melo
A ironia é involuntária: o programa que infernizou a vida de milhares de brasileiros na semana passada chama-se Simples Doméstico. Cerca de 1 milhão de cidadãos tentaram acessar o portal eSocial para gerar um boleto com impostos e contribuições relativos ao seu empregado doméstico, mas nada foi simples. Com um software que não funciona, o eSocial tornou-se o mais recente pesadelo promovido pela burocracia nacional. Milhares de cidadãos tentaram cinco, dez, quinze vezes, e nada. Ficaram plantados na frente do computador de madrugada, e nada. Perderam horas de sono, de trabalho, de lazer, e nada. O sistema devolvia diversas gentilezas - "deu erro", "está fora do ar", "senha errada", "tente mais tarde" -, menos o maldito boleto.
O desastre do eSocial ofereceu a milhares de cidadãos uma pequena mostra do massacre diário enfrentado pelos brasileiros que dão emprego, empreendem, criam empresas, fazem negócios. Brasileiros que, de certo modo, precisam gerar um boleto do eSocial quase todos os dias. Por isso, tornou-se óbvio dizer que os empresários e empreendedores são heróis nacionais. Eles navegam diariamente num oceano de burocracia - softwares que não funcionam, leis que mudam a toda hora, tributos que têm troca de alíquota, regras que não servem para nada - e frequentam com infeliz assiduidade o templo da burocracia nacional, os cartórios. Nesse ambiente hostil, muitos ainda conseguem inovar e crescer.
Na cola da lambança do eSocial, VEJA quis saber como é a vida dos empreendedores que, apesar de tudo, têm sucesso. A revista teve acesso exclusivo a uma pesquisa inédita sobre um tipo especial de empresa. São companhias de alto crescimento ou, na expressão em inglês, scale-ups - palavra que confere um contraste com a denominação das empresas iniciantes, as start-ups. Nos últimos três anos, as scale-ups aumentaram em pelo menos 20% seu número de empregados ou sua receita, a cada ano. No Brasil, existem cerca de 35 000 scale-ups. Elas representam menos de 1% do total das companhias brasileiras, mas criaram 3,3 milhões dos 5,6 milhões de empregos gerados de 2010 a 2012. Ou seja: de cada dez novos postos de trabalho, seis foram ofertados por uma scale-up.
Para fazer a pesquisa, a Endeavor, organização de apoio ao empreendedorismo com atuação internacional, resolveu deixar de lado os conhecidos dados nacionais e desceu à realidade das cidades, que é onde as empresas efetivamente existem e atuam. Escolheu as cidades que concentram o maior número de scale-ups, excluindo as situadas em regiões metropolitanas. Com esse critério, chegou a 32 municípios em 22 estados. Além de Brasília, são 21 capitais de estado e dez cidades do interior - quatro em São Paulo, duas em Santa Catarina, duas no Paraná, uma no Rio Grande do Sul e uma em Minas Gerais.
Nelas, os pesquisadores levantaram dados sobre o tempo que se leva para abrir uma empresa, regularizar um imóvel, aprovar um projeto arquitetônico e fazer uma ligação de energia elétrica, coisas que o empreendedor tem de enfrentar em algum momento. Conferiram também a alíquota média do IPTU, a alíquota do ICMS e os incentivos fiscais concedidos, além das dificuldades práticas para recolher tributos, da frequência com que são editados novos decretos tributários e do congestionamento de processos no tribunal de Justiça do estado. Mesmo sem o tormento de gerar um boleto no eSocial, esperava-se um resultado ruim. Mas o resultado foi aterrador. A burocracia parece calibrada para punir as empresas na hora em que elas mais crescem.
O pernambucano Tiago Hurtado, 29 anos, dono da Cidiz: em busca de um imposto menor, ele mudou seu centro de distribuição do Recife para uma cidade da região metropolitana. Amarrado pela burocracia, levou inexplicáveis seis meses para trocar seu endereço tributário. Resultado: um prejuízo de 300 000 reais.
O paranaense Thiago Fiorin, 35 anos, dono das Lojas KD: quando o Paraná elevou o ICMS de 12% para 18%, ele se mudou para São Paulo, onde a alíquota se manteve em 12% e onde está a maioria dos seus concorrentes. Preso pela burocracia, resume: “Em meses, minha vida se tornou um pesadelo”
O carioca Gustavo Mota, 33 anos, criador da We Do Logos: com um modelo de negócios inovador, ele pagava imposto sobre uma receita que não era sua. De mãos amarradas pela burocracia fiscal, teve de mudar, em nove meses, todo o seu negócio, para não falir
O carioca Fernando Campos, 36 anos, da Nuuvem: como até hoje não tem certeza sobre que imposto sua empresa deve pagar, ele resolveu reduzir o risco da insegurança abrindo um braço do seu negócio em Miami. Está amarrado no Brasil, mas livre nos Estados Unidos
O gaúcho Rafael Machado, 27 anos, do restaurante de comida mexicana Oak’s: as novas regras contra incêndio, depois da tragédia na boate Kiss, em Santa Maria, criaram uma demanda excessiva pelo Corpo de Bombeiros. Paralisado na fila de espera, Machado ficou dois meses com seu estabelecimento de portas fechadas
O mineiro Gustavo Maierá, 30 anos: com a ajuda de um serviço de sincronização de dados de Minas Gerais, ele conseguiu abrir sua empresa em apenas dezesseis dias, um recorde estrondoso. Sobrou tempo até para concorrer a uma consultoria tecnológica no valor de 40 000 reais. Concorreu e ganhou
http://veja.abril.com.br/noticia/economia/burocracia-a-praga-que-at...
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