No ano passado, a companhia, dona também das marcas Ponto e Bartira, já havia encerrado 55 pontos deficitários, demitido 8.600 funcionários, o equivalente a cerca de 20% do quadro de pessoal (38.000 empregados). O grupo estimou impacto positivo no seu resultado de pelo menos R$ 540 milhões com essas medidas de seu “plano de transformação”.
Esses dados constam do relatório do balanço do quarto trimestre, divulgado na noite de segunda-feira (25). Ao auditar o resultado, a EY (Ernst & Young) chamou atenção ainda para o risco de condenações em processos judiciais (trabalhistas, cíveis e tributários) em curso que podem resultar em uma perda de até R$ 9 bilhões.
Os auditores notaram que demandas no valor de R$ 9 bilhões que correm nos tribunais não estão provisionadas no balanço devido à avaliação por parte da diretoria, apoiada por assessores jurídicos internos e externos. “O prognóstico é de perda possível”, escreveram, indicando a necessidade de complemento da provisão.
Os processos da Casas Bahia são classificados de acordo com o risco de perda (provável, possível e remoto) a partir da avaliação feita pelo departamento jurídico sobre as evidências, a hierarquia das leis, a jurisprudência disponível, as decisões mais recentes nos tribunais e sua relevância jurídica.
Os critérios e as premissas adotados pela diretoria nas estimativas para constituição das provisões para demandas judiciais trabalhistas, cíveis e tributárias foram, no entanto, considerados “aceitáveis” pela EY. No final de 2023, o grupo tinha provisão de R$ 2,4 bilhões para processos judiciais.
Em dezembro, o grupo mantinha uma provisão de R$ 1,8 bilhão para processos trabalhistas devido às demissões, situação atribuída ao “reflexo da rotatividade normal de seus negócios e das ações reestruturantes efetuadas nos últimos anos”. Em 2023, o índice de rotatividade de pessoal do grupo chegou a 30,3%, acima dos 25,8% de 2022.
Incerteza sobre compensação fiscal
Em outro ponto de atenção no balanço, os auditores trataram como “incerteza” a projeção feita pela companhia de que pode recuperar até cerca de R$ 5,1 bilhões em termos de obrigações fiscais, o que reduziria sua necessidade de pagamento de imposto de renda e contribuição social no futuro.
A EY considerou as projeções de lucros tributáveis futuros, elaboradas com base no plano de negócios da Casas Bahia, como um “principal assunto de auditoria” por serem “afetadas pela expectativa futura de mercado e condições econômicas, que não estão sob o controle da companhia”.
Para o grupo, o balanço de 2023 reflete um impacto líquido positivo dos tributos em seu resultado, além da disciplina na gestão de capital (capital de giro e capex), com a operação voltada para o fluxo de caixa livre, a recuperação da rentabilidade e da geração de caixa, com foco na maior oferta de serviços nas lojas.
O alongamento do perfil de uma dívida de R$ 1,5 bilhão com prazo de três anos, anunciado no final de fevereiro, saiu com custo de CDI + 4% ao ano e carência de 18 meses. Foi um relativo alívio já que o vencimento original era de curto prazo (2024 e 2025). Agora 69% do endividamento é de longo prazo, ante 41% anteriormente.
Bancos: riscos e reperfilamento
O risco de crédito da Casas Bahia é acompanhado de perto por algumas das maiores instituições financeiras do país, dado que grande parte das vendas da companhia é realizada por meio de cartão de crédito, cujas receitas futuras são securitizadas com as administradoras de cartões de crédito e com bancos.
As vendas financiadas da varejista por meio de operação de repasse com instituições financeiras têm linhas de crédito junto a Bradesco (BBDC4), Safra, Banco do Brasil (BBAS3), Daycoval e BTG Pactual (BPAC11), segundo o balanço. O grupo tem parceria com o Bradesco para oferta de cartões de crédito e outros produtos financeiros na rede de lojas e sites operados sob a marca Casas Bahia, com vigência até novembro de 2032.
Segundo a companhia, o reperfilamento da dívida em fevereiro reforçou “o entendimento e a confiança das instituições financeiras sobre a evolução do plano de transformação” e que os benefícios devem ser colhidos “maneira gradual ao longo de 2024″ com expectativa de crescimento “de maneira estrutural” a partir de 2025.
Em 2023, a receita bruta consolidada registrou redução de 5,5% frente a 2022, uma variação explicada principalmente pela queda nas vendas das lojas físicas e no online, em um um cenário mais restritivo de demanda e menor disponibilidade de crédito para o consumidor, apontou o relatório.
Antes considerado um dos principais anunciantes do país, a Casas Bahia cortou em 30% suas despesas com marketing em 2023 e em 42% nos cargos de alta liderança.
Os ajustes operacionais seguem na agenda. Após otimizar quatro CDs (centros de distribuição) em 2023, a empresa disse que planeja readequar mais dez neste ano, mirando ganhos de sinergias, aumento de eficiência, redução do estoque e mudança de mix de produtos e sortimento.
Por enquanto, as iniciativas de reestruturação ainda não convenceram os investidores. Até ontem, as ações da Casas Bahia acumulam uma desvalorização de 40,5% neste ano de 2024 na B3. O prejuízo de R$ 1 bilhão no quarto trimestre, divulgado ontem, superou o consenso dos analistas ouvidos pela Bloomberg (R$ 836 milhões), sendo o pior resultado trimestral de sua história.
BlackRock e família Klein como acionistas
A preocupação do mercado com a companhia se agravou desde 2021, quando ainda se apresentava como Via. Naquele ano, os investidores já expressavam preocupação com as provisões com processos trabalhistas e o impacto negativo na situação de caixa, levando a equipe de research da XP, por exemplo, a expor questionamentos de seus clientes sobre o risco de uma entrada em recuperação judicial.
O CEO da época, Roberto Fulcherberguer, substituído em maio de 2023 por Renato Franklin, explicava que a alta nas provisões se devia à prática da antiga administração de levar os casos até os tribunais de justiça superiores e tentava tranquilizar os investidores com um calendário de monetização de créditos tributários.
Entre os acionistas relevantes da companhia está a maior gestora de recursos do mundo, a norte-americana BlackRock, com 5,13% do capital, uma participação maior que a detida por Michel Klein, filho de Samuel, fundador da Casas Bahia, com fatia de 1,69%, segundo dados da B3. As ações da varejista estão nas mãos de 451,5 mil investidores pessoas físicas, 2.122 jurídicas e 857 institucionais.
O fundo GoldenTree, administrado pela BRL Trust, gestora adquirida pelo Apex Group, de Bermudas, possui 7,85% da varejista. A EK VV Limited (EK é a sigla de Eva Klein, filha de Samuel) aparece com participação de 3,45%. Desde a morte de Samuel em 2014, há uma disputa judicial em curso envolvendo os três filhos (Saul, Michel e Eva) pela partilha da herança.
Fonte: Bloomberg Linea
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