Entre os segmentos, itens duráveis, como eletrônicos e eletrodomésticos, afetados pela baixa demanda nos últimos anos, têm registrado desempenho melhor que vestuário e calçados. Nesse cenário de retomada lenta e desigual, e de mudanças de hábitos e prioridades de compra, existe um rearranjo no mapa nacional de gastos das famílias.
Mesmo populações de cidades em Estados mais ricos, com renda per capita média alta, perdem potencial de consumo, e outros municípios têm se apresentado como mais prósperos em termos de perspectivas de gastos em produtos e serviços (leia texto Cidades menores despontam no ranking).
Essas mudanças fazem parte de análises estratégicas das companhias, norteando planos de investimento de marcas e projetos de lançamento de produtos de indústrias globais.
As projeções para 2024, e o ranking geral dos gastos por município, estão no IPC Maps, e os dados foram cruzados pelo Valor com informações das regiões geográficas na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) de 2023, elaborada pelo IBGE.
Entre as 15 cidades que mais perderam posições das 50 mais prósperas para consumo em 2024, 10 são de regiões com renda por habitante acima da média nacional. Entre elas estão Caxias do Sul (RS), já abalada pela tragédia das chuvas, Aparecida de Goiânia, um dos polos industriais de Goiás, São Gonçalo (RJ) e Contagem (MG).
Alguns desses municípios até cresceram de 2023 para 2024 – como Aparecida de Goiânia e Caxias do Sul – mas menos do que a média nacional, e do que o potencial de outras cidades, a ponto de caírem no ranking geral.
Entre aqueles em posição oposta, com melhores perspectivas de consumo para o ano, e subindo na lista, estão Cuiabá (MT), Sorocaba (SP), Santo André (SP) João Pessoa (PB) e Uberlândia (MG).
Com a expectativa de alta real de 2,5%, são projetados R$ 7,3 trilhões em desembolsos pelas famílias neste ano, cerca de R$ 400 bilhões a mais que em 2023. A estimativa está um pouco acima dos números do Boletim Focus, do Banco Central, com previsões do mercado para consumo das famílias, de 2,2% em 2024, e de 2,05% para o PIB.
Mas apesar do montante maior, houve perda de vigor recente. Em 2022 e 2023, os gastos das famílias avançaram, em valores reais, 4,3% e 3,1%, respectivamente. Se a projeção de 2,5% se confirmar, a velocidade de crescimento volta a perder fôlego.
A expectativa de recuo mais lento da taxa de juros este ano, do que o previsto meses atrás, após o governo adiar a meta fiscal – aumentando a desconfiança do mercado sobre as contas públicas – tem peso na estimativa.
Na visão de Marcos Pazzini, sócio da IPC e responsável pelo levantamento, é preciso considerar o impacto negativo dos juros que foram de 2% para 13,75% ao ano no espaço de 18 meses, entre 2022 e 2023. E em 2024, apesar de a taxa ter caído, “há cenário de crédito ainda escasso, e um aumento do peso dos impostos sobre a renda da população.”
A arrecadação da União com impostos e outros receitas em abril foi a maior para o mês desde 1995, início da série histórica da Receita Federal.
Pazzini ainda cita o efeito econômico do desastre climático que assolou o Rio Grande do Sul – os Estados da região têm o segundo maior peso nos gastos em consumo de produtos e serviços, só menor que o Sudeste. O Nordeste perdeu a vice-liderança em 2021.
Há dados que merecem atenção, para entender o ambiente atual, como o desempenho no Dia das Mães, a segunda data comercial mais importante do ano para a indústria e o varejo, quando as vendas caíram 3%, segundo a Serasa.
Na verdade, ninguém está tranquilo porque há um conjunto maior de variáveis para gerenciar”
— Marcelo Forma
“O que nos deixa mais animados é que se confirmar os 2,5%, não é um desempenho irrelevante, considerando que ainda está acima do PIB projetado”, diz. “Ainda tenho a expectativa de que o Rio Grande do Sul reaja mais rapidamente com a montanha de dinheiro que estão colocando lá, e se isso acontecer, haverá um efeito benéfico ‘por tabela’ ao país.”
Outro efeito que pode ser positivo é a liberação de recursos com o maior número de obras públicas nas cidades, por conta das eleições municipais em outubro.
Para Sérgio Nóia, CEO e cofundador da Aion Assessoria e Gestão de Negócios, ainda há uma onda de reforma e conversão de lojas, mesmo nesse cenário difícil, especialmente de atacarejos, além de uma inflação de preços que pode dar um gás maior para a receita.
“Considerando esse efeito inflacionário já sentido pelo setor em 2024 [que melhora a receita nominal], a pujança maior principalmente das redes e grupos regionais, e uma possível melhora no nível de confiança da população no segundo semestre, eu arriscaria projetar crescimento real de 4% no consumo neste ano”, diz.
Segundo o diretor geral de uma grande fabricante de eletrodomésticos nacional, o mercado melhorou este ano, em parte pela base de comparação fraca de 2023, e demanda reprimida em refrigeradores, fogões e lavadoras de roupa. “O juros continua alto, mas já recuou um pouco. E esses itens são considerados essenciais, por isso, têm crescido mais desde novembro.”
Na visão de Marcelo Forma, diretor da Bemol, uma das maiores varejistas da região Norte, a rede está numa situação mais confortável por ter uma atuação em diferentes segmentos de consumo.
“Conseguimos crescer porque eu não dependo só de móveis e eletro”, diz ele. “Temos 40 farmácias que vão muito bem e ajudam a trazer tráfego para o resto do negócio. E trabalhamos com muitos produtos financeiros próprios que ‘alimentam’ a minha venda”. A empresa cresceu 14% em março, 17% em abril e 17% em maio até a semana passada.
O executivo afirma, porém, que a empresa não se sente tranquila, mesmo nesse ambiente. “Na verdade, ninguém está [tranquilo] hoje porque há um conjunto de variáveis maior para gerenciar, como clima e crise envolvendo outras empresas do setor, que podem desestabilizar o negócio de uma hora para outra”, diz o executivo, com 37 lojas físicas e 40 drogarias.
Forma também cita o fim do efeito positivo dos pagamentos de precatórios, de R$ 30 bilhões, já liberados pelo governo de forma antecipada (de julho para fevereiro), assim como a seca causada em algumas áreas agrícolas neste ano.
Sobre a metodologia da pesquisa da IPC, são considerados os mais diversos itens de consumo vendidos no país, num total de 22 categorias – de cigarro à automóveis -, incluindo despesas com habitação (como aluguel, telefone celular), saúde (remédios, tratamentos) e educação (cursos, creche).
O IPC Maps consegue levantar o detalhamento do potencial de consumo nos 5.570 municípios do Brasil, e segmenta essa análise para bairros em 221 cidades. São cruzados dados da pesquisa nacional por amostra de domicílios de 2011 a 2023, além do censo demográfico de 2010 e 2022 do IBGE, e as contas consolidadas anuais do órgão. Os dados são atualizados anualmente na base do IPC Maps.
A respeito da mobilidade de potencial de consumo entre as classes sociais, os números da IPC projetam alguma melhora neste ano, passada a crise da pandemia.
Há o impacto dos programas de apoio às família de baixa renda após 2021. Mas os números estimados ainda são piores em comparação à última fase de forte alta do consumo, em 2010. Desde então, as empresas já enfrentaram duas crises duríssimas com efeito direto em gastos: 2015, na gestão Dilma Rousseff, e em 2020, com a pandemia.
Para 2024, a expectativa é que as classes C, D e E somem 43,1% dos gastos totais da população, abaixo dos 47,9% em 2021, ano de covid-19, quando houve uma enxurrada de dinheiro na economia por parte do governo. Ao mesmo tempo, a classe B pode crescer, indicando possível migração social – passaria de 39,6% em 2021 para 42,3% neste ano. A classe A, iria de 12,5% para 14,6%.
Em 2010, porém, penúltimo ano de governo Lula, marcado por expansão sustentada, em parte, em incentivos ao consumo, havia mais ricos e uma classe média maior gastando em produtos e serviços. A classe A representava 20,1% dos desembolsos, a B, 46,6%, e os grupos C, D e E eram 33,3%
Mesmo com as empresas ainda abatidas pela manutenção dos juros altos, consultores lembram que a massa gigantesca de consumidores, num cenário de demanda reprimida, sustenta o alto potencial de crescimento do setor no curto prazo. Segundo dados do Banco Mundial, o Brasil está entre os dez maiores mercados de consumo global, ocupando a 9ª colocação.
Por Adriana Mattos
Fonte: Valor Econômico
https://sbvc.com.br/com-crescimento-fraco-mapa-do-consumo-nacional-...
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