“O cheiro era terrível. As pessoas desconfiaram do projeto. Ninguém achou que fosse dar certo”, diz Elena Chernova, gerente de Projetos Especiais da Agência de Desenvolvimento do Azerbaijão (ADEC, acrônimo em inglês).
Nas palavras do líder
A redenção do desastre ambiental seria a conversão da Black City em White City. Era o desejo de Heydar Aliyev, político azerbaijano que inaugurou uma dinastia no poder. No comando desde 1969, com uma década de exceção entre 1982 e 1992, retornou ao poder em 1993, após o colapso da União Soviética, e lá permaneceu até a morte, em 2003.
Suas palavras ainda ecoam por Baku moderna, no papel ou em pedra: “Ao longo dos séculos, a Black City vai se tornar White City, limpa, e lá crescerão flores e haverá uma visão linda do Azerbaijão.”
Coube ao filho e sucessor na presidência, Ilham Aliyev, tirar o plano do papel. O projeto urbanístico da nova zona envolveu os renomados escritórios de arquitetura Atkins (UK), Fosters and Partners (UK) e F+A (EUA). Previu-se um bairro misturando estilos arquitetônicos, como o clássico da Europa Ocidental e o contemporâneo de Dubai, entremeados por praças, jardins e um novo boulevard de 10 km ao longo da orla do mar Cáspio – que na verdade é um lago gigantesco.
“O governo entrou com o plano e a infraestrutura. Tudo mais, foi investimento privado”, explica Elena, da ADEC. O governo não revela cifras, nem de quanto desembolsou na infra, nem quanto atraiu em recursos privados.
Inspirada em design ocidental, Baku quer ser vista como capital cosmopolita
Na busca pela modernização – e ocidentalização – da capital azerbaijana, a herança soviética transparece na escala: tudo é amplo, concebido para impressionar e inserir a pouco conhecida Baku no ról de capitais cosmopolitas.
Até muito pouco tempo, ainda havia máquinas refinando óleo por ali. A limpeza começou em 2010, afastando as atividades para os arredores de Baku. A criação do novo bairro exigiu a remoção de mais de 1,5 milhão de metros cúbicos de solo contaminado por petróleo.
Alguns princípios nortearam o plano diretor da região. Um dos mais distintos é ser caminhável, o que significa calçadas largas, subidas suaves, passagens de pedestres subterrâneas e incentivos ao pedestre. Quem circula a pé cruza com dezenas de obras de arte, praças arborizadas, jardins bem cuidados e acessa todo tipo de comércio e serviços.
Em 10 distritos do novo bairro, com mais de 350 hectares de área de paisagismo, a White City ergueu 15 milhões de metros quadrados construídos, incluindo 120 mil unidades residenciais e comerciais. Segundo a ADEC, todos os projetos de edificação precisaram seguir regras de sustentabilidade, seja em eficiência energética, materiais de construção ou reuso de água.
“Os imóveis eram bem mais baratos no início, a adesão não foi imediata. Hoje, o bairro é visto com entusiasmo, como um lugar em ascensão, atraindo mais pessoas e negócios”, diz Elena. O governo estima que 280 mil pessoas morem ali e 240 mil empregos tenham sido criados na ressurreição da Black City.
Outra promessa do governo foi fazer da nova área uma referência de urbanismo sustentável. Houve aumento de oferta de ônibus, assim como bicicletas e patinetes. A expectativa é ampliar duas linhas subterrâneas para integrar a White City ao metrô de Baku.
Black City cresceu a reboque dos irmãos Nobel. Sim, do Prêmio Nobel
Não fosse o óleo de Baku, talvez o mundo não tivesse o Prêmio Nobel. Foi com a investida dos irmãos Nobel na nascente indústria de petróleo do Azerbaijão que a família fez verdadeira fortuna.
No fim da década de 1870, Robert Nobel veio ao país por outro motivo e viu oportunidades na nova atividade. Convenceu os irmãos Albert e Ludvig a comprar terras e entrar no negócio. A Nobel Brothers’ Petroleum Company foi a primeira empresa estrangeira a operar petróleo no Azerbaijão.
A companhia arrendou terrenos no que era o subúrbio de Baku para estabelecer refinarias e tanques de armazenamento. Os Nobel atraíram mão de obra qualificada da Europa, assim como outras empresas, que se instalaram na mesma região. Com tecnologia rudimentar, a atividade petroleira emitia fuligem preta. Por isso, a área ficou conhecida como Black City.
Ludvig e Robert promoveram inovações revolucionárias para a indústria de petróleo a partir de Baku. Foram os primeiros a defender o fim do uso de barris entre a extração e o armazenamento do óleo. Construíram com recursos próprios oleodutos, o que barateou e aumentou a segurança do transporte, a infraestrutura copiada e replicada mundo a fora. Também partiu deles a construção da primeira ferrovia de carga para levar combustível para a Rússia, uma das maiores clientes da empresa.
A empresa foi tão grande que chegou a responder por 9% da oferta de petróleo no mundo. O Prêmio Nobel foi financiado em grande medida pela doação de Alfred Nobel de parte de suas ações na empresa à Fundação Nobel, responsável pela concessão dos prêmios.
A família deixou o país em 1918, com a Revolução Russa, que confiscou os ativos da empresa, uma vez que o Azerbaijão integrava o território do Império Russo. Em 1920, o Exército Vermelho entrou em Baku e a família vendeu as empresas.
A Villa Petrolea, edifício residencial que serviu de moradia aos irmãos, segue de pé. Pela importância histórica, é um dos poucos remanescentes da época. Totalmente restaurado, hoje é o centro de uma praça no novo bairro da cidade.
Ainda falta um pouco de intimidade, um pouco de vida assentada ao bairro. Parece que a White City ainda não foi apropriada totalmente por Baku, apesar de tão bonita. No entanto, não há como não se impressionar com o tamanho da transformação em tão pouco tempo. Transformação que deve se estender a mais áreas no sudeste da capital. Não se passaram nem 15 anos desde que as obras começaram.
A White City parece ser a maneira de o Azerbaijão repactuar a relação com a riqueza extraída do petróleo, tão precioso e central para a economia do país, mas tão em xeque em um mundo que enfrenta o desafio urgente da descarbonização.
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