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Como debochar sem cair – de Lula para Anderson

Ninguém tinha entendido direito o significado das manifestações de rua, até sair o novo artigo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, distribuído pelo “New York Times”. No texto, ele explica ao Brasil e ao mundo, com clareza, o motivo da febre de passeatas que parou o país em junho: o sucesso “econômico, político e social” do governo popular. Quem não entendeu, é porque não fala inglês. A explicação é simples: o governo do PT melhorou a vida das pessoas, e por isso elas se tornaram mais participativas. E foram às ruas pedir à presidente Dilma Rousseff que melhore ainda mais o Brasil. Como ninguém notou que os protestos eram, no fundo, decorrência do êxito petista?

Ainda bem que Lula e Dilma foram modestos em sua genialidade administrativa. Se tivessem usado toda a sua virtude, o Brasil seria hoje uma superpotência mundial, e o povo participativo não sairia mais das ruas, pedindo ao PT a conquista do Sistema Solar. Essa gente nunca está satisfeita.

O artigo de Lula da Silva lembra a luta de Anderson Silva. Ambos chegaram ao topo e resolveram rebolar em frente aos adversários. Ambos substituíram a humildade do passado pela empáfia, lambuzados de arrogância pelo poder conquistado. Quando Luiz Inácio da Silva afirma que as multidões foram às ruas por causa do sucesso de seu governo, está dançando no octógono. Tripudia da opinião pública, diz-lhe que pode soltar o disparate mais bizarro, a fantasia mais tosca, o rebolado ideológico mais obsceno, que nada o derrubará. A diferença entre os Silvas é que Anderson tinha pela frente um punho cerrado. Lula tem pela frente uma geleia chamada Brasil.

A geleia geral brasileira produziu a revolta mais ignorante da história. Milhões de manifestantes foram às ruas empurrados pela inflação, que envenenou o tomate, os ônibus e a cesta básica da vida cotidiana. Os governos do articulista do “New York Times” e de sua sucessora dançaram diante da escalada dos preços, zombaram dela a céu aberto. Abandonaram a meta de inflação, derramaram dinheiro público em sua máquina de quatro dezenas de ministérios, esconderam déficits fraudando a contabilidade governamental – entre outros atentados à economia nacional. Avisamos aqui, algumas vezes, que a conta da orgia populista chegaria. Ela chegou, e os revoltosos saíram às ruas. Mas não tocaram um dedo nos fanfarrões do octógono.

Sobre as cabeças dos manifestantes, passaram voando, tranquilos, dois dos principais aliados de Lula e Dilma – os presidentes da Câmara e do Senado, em seus passeios à custa do contribuinte em aviões da FAB. Sempre lembrando que o uso dos aeroportos pelos cidadãos que fazem passeatas continua infernal, até porque a agência reguladora do setor foi entregue ao esquema parasitário de Rosemary Noronha. Onde anda Rosemary? Anda livre, leve e solta, protegida dos processos judiciais pelo Palácio do Planalto, assistindo às passeatas pela TV e feliz de não avistar um único cartaz de protesto com seu nome. A revolução é cega – e o crime compensa.

A farra com dinheiro público nos estádios bilionários da Copa – um dos rabos peludos da inflação que acossa os revoltosos – ficou por isso mesmo. Dilma disse que o dinheiro voltará para o governo, e os manifestantes engoliram. A revolta mais ignorante da história engole tudo. Não é capaz de ler meia dúzia de notícias e entender que os “empréstimos” do BNDES são praticamente doações, considerando os prazos e juros de pai para filho. Ou de sócio para sócio.

É muito fácil parasitar o Brasil. Milhões de indignados saem às ruas, e ninguém tem a ideia de bloquear o “Itaquerão” – estádio de abertura da Copa, arrancado na marra do contribuinte (mais de R$ 1 bilhão) pelo articulista do New York Times. Ninguém tem a ideia de bloquear o 40° ministério de Dilma, contando o do Marketing, um cabide criado em plena disparada da inflação e freada da economia – um escárnio, um rebolado no octógono. Anderson Silva para presidente.

No Planalto, o lutador debochado jamais beijará a lona. A política brasileira é muito mais generosa que o UFC. Qualquer problema, é só jogar uma proposta de plebiscito no ar, que o oponente se distrai. E depois ainda dá para se vangloriar de seu deboche, em inglês, no New York Times. Ninguém quer outra vida.

Fonte: Revista Época

Autor: Guilherme Fiuza

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