Fonte:|politicaexterna.com|
Após a confirmação de que os EUA não havia dado cumprimento às determinações do órgão de Solução de Controvérsias da OMC, foram autorizadas hoje (31/08) contramedidas que poderão vigorar enquanto eles mantiverem o atual descumprimento das regras do comércio multilateral. Não pode haver recurso ao Órgão de Apelação.
O Brasil está autorizado a tomar contramedidas em duas parcelas:
a) um valor fixo de USD 147,3 milhões por ano, relativo aos subsídios que causam graves prejuízos na forma de supressão dos preços internacionais do algodão (subsídios “acionáveis").
b) "com relação aos subsídios proibidos, um montante variável que deverá ser calculado a cada ano, atualizado com base em dados relativos a exportações norte-americanas de vários produtos que tiverem se beneficiado do programa de garantias de crédito GSM-102."
Dados de 2006 foram a base da autorização dos árbitros, colocando o valor final das contramedidas em USD 294 milhões, o segundo maior já autorizado pela OMC. A estimativa do Brasil é que, ao tomarem-se dados atualizados, as contramedidas poderão somar USD 800 milhões para o ano de 2009.
A reação não terá limitações, podendo abranger serviços e direitos de propriedade intelectual, além do comércio de bens, a chamada "retaliação cruzada". "Os árbitros determinaram que o Brasil terá o direito de aplicar a retaliação cruzada sempre que o total de contramedidas calculadas em determinado ano exceder um “gatilho” calculado com base na variação das importações brasileiras provenientes dos Estados Unidos. Utilizando dados parciais de comércio, o Brasil estima que, em 2009, esse “gatilho” deverá se situar em torno de 460 milhões de dólares, o que possibilitaria a aplicação de contramedidas em montante próximo de 340 milhões de dólares também nas áreas de serviços e direitos de propriedade intelectual."
A visão do Brasil é a de que o mecanismo de retaliação cruzada reconhece assimetrias entre desenvolvidos e em desenvolvimento, fortalecendo o mecanismo de solução de controvérsias da OMC. O Brasil fez declarações, em nota, afirmando que é lamentável a inobservância das regras pelos EUA, principalmente quando novas regras não são negociadas na Rodada de Doha. Afirmou ainda que "o pedido de autorização para suspender concessões constitui o último recurso previsto no mecanismo de solução de controvérsias da OMC e o Brasil lastima que a disputa tenha chegado até esse estágio."
Por fim: "O Brasil espera que os EUA dêem pronto e efetivo cumprimento às determinações da OMC no contencioso, de forma que não seja necessária a imposição das contramedidas hoje autorizadas."
Cronograma do Contencioso
27/Set/02 – Solicitação de Consultas do Brasil aos Estados Unidos
Out/02 a Jan/03 – Reuniões (3) para consultas entre Brasil e Estados Unidos
18/Mar/03 – Estabelecimento do Painel
22-24/Jul/03 – Primeira sessão da primeira audiência com o Painel
7-9/Out/03 – Segunda sessão da primeira audiência com o Painel
2-3/Dez/03 – Segunda audiência com o Painel
26/Abr/04 – Relatório Preliminar do Painel
8/Set/04 – Relatório Final do Painel
13/Out/04 – Apelação dos EUA
12-13/Dez/04 – Audiência com Órgão de Apelação
3/Mar/05 – Relatório do Órgão de Apelação
21/Mar/05 – Adoção do Relatório do Órgão de Apelação
1/Jul/05 – Fim do prazo concedido aos Estados Unidos para retirarem os subsídios considerados proibidos
21/Set/05 – Fim do prazo concedido aos Estados Unidos para retirarem os subsídios que causam prejuízo grave ao Brasil ou eliminar os efeitos adversos por eles causados
28/Set/06 – Estabelecimento do Painel de Implementação
27-28/Fev/07 – Audiência com o Painel de Implementação
27/Jul/07 – Relatório preliminar do Painel de Implementação
18/Dez/07 – Circulação do relatório final do Painel de Implementação
14 e 15/04/08 – Audiência com o Órgão de Apelação
2/06/08 – Circulação do relatório do Órgão de Apelação
25/08/08 – Retomada, pelo Brasil, de procedimento arbitral para estabelecer o montante e a forma de medidas de “retaliação”
2-4/3/09 – Audiência com os árbitros
31/8/09 – Divulgação da decisão arbitral sobre o montante e a forma das medidas de “retaliação” autorizadas ao Brasil
Informações de Apoio
I. Recomendações originais do Órgão de Solução de Controvérsias (março de 2005)
(A) Subsídios Proibidos
Step 2
O Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) determinou que, na parte do programa que exige a exportação de algodão para o recebimento do subsídio, o Step 2 viola os artigos 3.1(a) e 3.2 do Acordo de Subsídios (proibição de subsídios condicionados à exportação). Além disso, o Step 2 para exportadores constitui subsídio à exportação nos termos do artigo 9.1(a) do Acordo de Agricultura. Como o algodão é produto em relação ao qual os Estados Unidos não inscreveram compromisso em matéria de subsídios à exportação, qualquer concessão de pagamento a esse título para a “commodity” resulta em infração aos artigos 3.3 e 8 daquele Acordo.
Quanto ao outro ramo do programa, que vincula o subsídio ao uso do algodão norte-americano pela indústria têxtil local, o painel julgou tratar-se de subsídio proibido à luz dos artigos 3.1(b) e 3.2 do Acordo de Subsídios (proibição de subsídios condicionados ao uso de bens domésticos em detrimento de bens importados).
O OSC determinou prazo de até 1° de julho de 2005 para a retirada do subsídio, conforme o disposto no artigo 4.7 do Acordo de Subsídios.
Os EUA eliminaram o programa “Step 2” a partir de 1º de agosto de 2006.
Garantias de Crédito à Exportação
A demanda brasileira, neste tópico, não se restringiu a algodão, abarcando, na verdade, conjunto mais amplo de produtos agrícolas beneficiários de tais garantias. O Órgão de Solução de Controvérsias determinou, com base na alínea (j) do Anexo I ao Acordo de Subsídios e em seus artigos 3.1(a) e 3.2, que as garantias de crédito à exportação constituem subsídios proibidos, uma vez que os prêmios cobrados pelo Governo norte-americano para concedê-las são inadequados para cobrir os custos e perdas dos programas no longo prazo.
Além disso, as garantias de crédito à exportação oferecidas sob os programas “General Sales Manager 102”, “General Sales Manager 103” e “Supplier Credit Guarantee Program” constituem subsídios à exportação que resultam, no sentido do artigo 10.1 do Acordo de Agricultura, em tentativa por parte dos Estados Unidos de evadir-se dos compromissos relativos a subsídios à exportação, o que os torna automaticamente incompatíveis também com o artigo 8 daquele Acordo. Essa decisão é aplicável a (i) algodão, (ii) outros produtos beneficiados pelas garantias, em relação aos quais os Estados Unidos não inscreveram, ao final da Rodada Uruguai, compromissos relativos ao valor e quantidade máximos que poderiam receber subsídios à exportação (como soja e milho), e (iii) arroz (produto em relação ao qual as autoridades norte- americanas concederam subsídios à exportação em valor superior ao qual se haviam comprometido).
O OSC determinou prazo de até 1° de julho de 2005 para a retirada do subsídio, conforme o disposto no artigo 4.7 do Acordo de Subsídios.
Os EUA fizeram ajustes administrativos, insuficientes, no programa GSM-102 e pararam de conceder garantias de crédito à exportação ao amparo dos programas GSM-103 e SCGP.
(B) Subsídios Acionáveis
O Órgão de Solução de Controvérsias determinou que os subsídios “Marketing Loan”, “Step 2”, “Market Loss Assistance” e “Counter-Cyclical Payments” causam prejuízo grave ao Brasil, pelo significativo efeito depressivo sobre o preço internacional do algodão, em violação aos artigos 5 e 6.3(c) do Acordo de Subsídios. Tais programas, diretamente vinculados ao nível de preços, isolam o produtor norte-americano dos sinais de mercado e levam à produção artificial de excedentes, que, uma vez colocados no mercado mundial, provocam quedas nas cotações ou impedem que os preços subam tanto quanto deveriam. Os subsídios em questão montaram a cerca de US$12,5 bilhões entre 1999 e 2002. O valor da safra norte-americana de algodão produzida nesse mesmo período de 4 anos foi de $13,9 bilhões de dólares, o que constitui taxa média de subsídios de 89,5%.
O OSC determinou prazo de até 21 de setembro de 2005 para a retirada dos subsídios ou eliminação dos efeitos adversos por eles causados, conforme o disposto no artigo 7.8 do Acordo de Subsídios.
Além da eliminação do programa “Step 2”, conforme anteriormente mencionado, os EUA nada fizeram em relação aos demais subsídios de apoio doméstico acima indicados.
II. Pedidos de autorização para adotar contramedidas
No que se refere aos subsídios proibidos, o Brasil circulou, no dia 5 de julho de 2005, pedido de autorização para adotar contramedidas sob o Artigo 4.10 do Acordo de Subsídios e para suspender concessões e obrigações para com os Estados Unidos sob o Artigo 22.2 do Entendimento sobre Solução de Controvérsias (ESC). Segundo propôs o Brasil, com relação aos programas de garantias de crédito à exportação, o montante das contramedidas seria calculado com base nos pedidos apresentados por exportadores norte-americanos durante o ano fiscal anterior. No que tange ao “Step 2”, o valor das contramedidas seria equivalente aos desembolsos realizados sob o programa durante o ano safra encerrado mais recentemente. Para fins ilustrativos, e de modo preliminar, o valor das contramedidas relativas aos dois conjuntos de subsídios, com base em dados do ano fiscal e do ano safra de 2004, montaria a cerca de 3 bilhões de dólares.
No dia 6 de outubro de 2005, o Brasil circulou novo pedido de autorização – desta vez relativo aos subsídios acionáveis – para adotar contramedidas sob o Artigo 7.9 do Acordo de Subsídios e para suspender concessões e obrigações sob o Artigo 22.2 do ESC. Nesse segundo pedido, o montante de contramedidas proposto pelo Brasil, calculado de forma preliminar, foi de 1,037 bilhão de dólares. Esta cifra corresponde ao valor médio anual dos excedentes produzidos pelos Estados Unidos como resultado da concessão dos subsídios em tela entre os anos-safra de 1999 e 2002, e resulta da multiplicação do excedente anual médio – estimado em estudo econométrico apresentado pelo Brasil durante o contencioso – pelos preços internacionais vigentes naquele período.
Em ambos os casos, os Estados Unidos apresentaram objeções a elementos contidos nos pedidos brasileiros. Em conseqüência, o assunto foi duas vezes remetido a procedimento de arbitragem sob o Artigo 22.6 do ESC, com o objetivo de determinar o montante e a forma das contramedidas autorizadas. Essas arbitragens foram suspensas para que as medidas tomadas pelos Estados Unidos para dar cumprimento às determinações do OSC pudessem ser examinadas pelo painel de implementação, que foi estabelecido em 28/9/06.
III. Painel de implementação
Em seu relatório divulgado em 18/12/07, o painel de implementação chegou à conclusão de que os Estados Unidos não implementaram integralmente as determinações do Órgão de Solução de Controvérsias. O painel concluiu que o programa GSM-102, tal como modificado pelos EUA, ainda constituía subsídio proibido nos termos do Acordo de Subsídios. No que tange aos subsídios acionáveis, o painel de implementação considerou dados relativos ao ano-safra de 2005 e 2006 e concluiu que os dois programas remanescentes – “Marketing Loan” e “Counter-Cyclical Payments” – causavam prejuízo grave na forma de supressão dos preços internacionais do algodão.
Os Estados Unidos recorreram novamente ao Órgão de Apelação mas, em relatório divulgado em 2/6/08, este confirmou que os Estados Unidos não haviam dado cumprimento às determinações do OSC.
IV. Retomada dos procedimentos arbitrais sobre “retaliação”
Em 25/8/08, o Brasil solicitou a retomada dos procedimentos de arbitragem para determinar o montante e a forma das contramedidas autorizadas ao País. Com base em dados mais atualizados e incorporados certos ajustes metodológicos, a documentação apresentada pelo Brasil no curso dos procedimentos de arbitragem solicitou autorização de contramedidas da ordem de 2,5 bilhões de dólares, bem como a possibilidade de adotar medidas de “retaliação” não somente sobre a importação de bens, mas também nas áreas de serviços e propriedade intelectual.
Descrição dos Programas Questionados
- “Marketing Loan Program”: garante aos produtores renda de 52 centavos de dólar por libra-peso da produção de algodão. Se os preços ficarem abaixo desse nível, o Governo norte-americano completa a diferença. É o mais importante subsídio doméstico concedido pelo Governo norte-americano ao algodão;
- “Counter-Cyclical Payments” (Lei agrícola de 2002)/ “Market Loss Payments” (leis orçamentárias de 1998 a 2001): realizados tendo como parâmetro o preço de 72,4 centavos de dólar por libra-peso. Tais recursos custeiam a diferença entre os 72,4 centavos de dólar por libra-peso (“target price”) e o preço praticado no mercado ou o valor de 52 centavos de dólar por libra-peso (“loan rate”), o que for mais alto;
- “Direct Payments” (Lei agrícola de 2002)/ “Production Flexibility Contract” (Lei agrícola de 1996): garantem renda de 6,67 centavos de dólar por libra-peso para produtores com histórico de produção de algodão – produção histórica;
- “Crop Insurance”: dá garantia aos produtores norte-americanos de algodão, com prêmios subsidiados, contra perdas resultantes de condições climáticas adversas, doenças e preços baixos;
- “Step 2”: pagamentos feitos a exportadores e a consumidores (indústria têxtil) norte-americanos de algodão para cobrir a diferença entre os preços do algodão norte-americano, mais altos, e os preços do produto no mercado mundial, aumentando dessa forma a competitividade do algodão norte-americano;
- “Export Credit Guarantees”: facilitam a obtenção de crédito por importadores não-americanos, aumentando a competitividade do produto norte-americano, em detrimento dos demais competidores naquele mercado importador;
- “Cottonseed Payments”: recursos destinados a auxiliar a indústria do algodão norte-americana a cobrir os custos com o beneficiamento do algodão.
Comentário: Em termos práticos, a parte mais importante é a final, na qual o Brasil pede que os EUA corrijam a situação sem que seja necessário aplicar as contramedidas restritivas. O Brasil faz bem em reclamar seus direitos, mas bater de frente com um gigante comercial como os EUA é sempre algo que deve ser feito com cuidado. Mesmo tendo todos os direitos, ao aplicarmos tais medidas estamos nos expondo a retaliações das mais variadas, nos mais diferentes setores. Infelizmente o comércio internacional ainda não dá as garantias efetivas de justiça.
É uma situação mais ou menos assim: o valentão da turma te deu uma porrada e você foi chorar com a professora. Ela lhe dá a razão e o direito de bater de volta nele. Porém, fica a questão: será que vale à pena bater nele? Mesmo que você tenha o direito, o que será que ele pode fazer depois, na saída?
O que eu acredito que seja o ideal? Não sou especialista no assunto e também não gosto muito de questões comerciais, mas acredito que o ideal seja um sistema no qual haja uma cobrança de multa diretamente pela OMC. Nos casos parecidos com o acima, por exemplo, fixa-se uma multa em dólares que deverá ser paga em X parcelas a cada mês ou ano. A própria OMC deveria fiscalizar isso e até mesmo receber e repassar o pagamento. Em caso de não pagamento haveria punição, como perda do poder de voto, por exemplo. Assim, isola-se o conflito entre as duas partes e faz da OMC algo como um juiz do comércio, não apenas um tipo de conselheiro distante, que diz o que deve ser feito, mas sai de cena no momento crucial.
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