A realidade dramática do Nordeste retratada com brilhantismo na série de telas sobre retirantes nordestinos, produzidas por Cândido Portinari nos anos 1940, parece uma cena cada vez mais distante. A migração continua ocorrendo, mas o saldo negativo entre imigrantes e emigrantes tem sido decrescente. Numa fase mais recente, com a melhoria nas condições de vida, uma parcela crescente dos retirantes que buscaram o Sul e Sudeste, em busca de melhores oportunidades, parece tomar o caminho de volta para casa.
Na verdade, tem ocorrido uma inversão nos fluxos migratórios, aponta a economista Liédje Bettizaide Oliveira de Siqueira, professora do Departamento de Economia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) realizada em 2007 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), num trabalho que a professora pretende atualizar com bases nos dados do Censo de 2010, mostram que 408,4 mil nordestinos que estavam fora da região em 2002 decidiram retornar, representando 47,35% do total de 862,52 mil imigrantes registrados no período.
As levas de "retornados", num processo qualificado como migração começaram a ser observadas a partir de meados da década. Cerca de 60% são homens, oito em cada dez têm entre 20 e 49 anos e algo acima de 47% têm dez ou mais anos de estudo. Apesar da melhor qualificação, quando comparados aos que decidiram não migrar, esses migrantes "não conseguiram uma inserção plena no mercado de trabalho", diz a economista, ao mostrar que 52% trabalhavam por conta própria ou sem carteira assinada. "As diferenças de custo de vida e de condições de moradia, mesmo com oportunidades de empregos de menor qualidade, pode explicar o retorno."
O crescimento da economia nordestina, que conseguiu retomar sua fatia de pouco mais de 13% no Produto Interno Bruto (PIB) do país, a intensificação dos programas públicos de transferência direta de renda, a política de aumentos reais para o salário mínimo, a recomposição do valor das aposentadorias e expansão das operações de crédito explicam a mudança no cenário. "A crise de 2008 teve menor impacto na economia da região e a recuperação tem se dado de forma mais acelerada e não só por causa do Bolsa Família", analisa o economista Alexandre Rands, da Datamétrica.
A ascensão de famílias para a classe C, saídas de estratos inferiores como resultado das políticas públicas de transferência direta de renda, como o próprio Bolsa Família, que beneficia 55% das famílias nordestinas, diz Rands, abriu espaço para um forte avanço do consumo, sustentado pela ampliação do crédito ao consumidor e da renda.
Entre 2005 e 2009, segundo o Ipeadata, em torno de 6,35 milhões de nordestinos conseguiram transpor a linha de pobreza, redução de 23% no total de pobres na região, para 20,98 milhões de pessoas, 39,2% da população estimada para a região. Simultaneamente, houve redução das desigualdades. A concentração da renda, medida pelo coeficiente de Gini, recuou de de 0,605 em 1999 para 0,571 em 2005, caindo para 0,558 em 2009.
As mudanças que permitiram renovar o fôlego do consumo, anota Rands, produziram maior impacto para cidades de médio porte, com 100 mil a 1 milhão de habitantes, que ocorrem em proporção muito maior no Nordeste do que em outras regiões do país. "Houve uma dinamização da economia local, puxada pela prosperidade de pequenas empresas, que conseguiram ampliar receitas e contratar mais empregados, puxando mais gente para a classe C", afirma.
Criou-se, na definição do sócio sênior da GS&MD - Gouvêa de Souza, Alberto Serrentino, uma "espiral virtuosa, com surgimento de uma classe média emergente mais forte". Na sua visão, os dispêndios do Bolsa Família devem ser considerados como "um dos principais gatilhos" nesse processo. "No Nordeste, 41% dos assalariados formais ganham o salário mínimo e mais da metade das famílias recebem os benefícios do programa, que representou uma injeção direta de recursos no consumo."
Um dos resultados dessa ampliação do mercado consumidor foi o início de um ciclo de investimentos com características diversas dos anos 1990. "Houve um fluxo de investimentos embalado, então, por incentivos fiscais, com implantação de projetos para a produção de bens de consumo destinados ao Sul e ao Sudeste", diz Serrentino. O ciclo atual tem como foco o próprio mercado nordestino, com surgimento de novos polos voltados para a produção de têxteis, confecções e calçados, alimentos e bebidas, principalmente na Bahia, no Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte, e se caracteriza pela atração de grandes redes de varejistas.
Na visão de Serrentino, essa é a grande mudança estrutural em marcha na região. Redes como Pão de Açúcar, Walmart, Renner e C&A, que já estavam posicionadas no mercado nordestino, buscam consolidar sua presença ali. O Magazine Luíza fechou em julho a compra da Lojas Maia, com atuação em nove Estados nordestinos, enquanto a Casas Bahia instalou-se em 2009 no Estado que dá nome à rede e a Ricardo Eletro uniu-se à Insinuante para formar a Máquina de Vendas, parceria que passou a incluir a City Lar, que tem suas origens no Centro-Oeste, mas com forte presença no Norte e no Nordeste.
Valor Econômico
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