Japão e Coreia do Sul foram acusados de copiar tecnologia ocidental. Hoje, ninguém duvida da qualidade da Toyota e da Samsung, por exemplo. A China segue o mesmo caminho
Por: Raphael Coraccini - 2 dias atrás
NOVAREJO mergulhou na economia chinesa desde a Revolução Cultural de Mao Tsé-Tung até o império do Alibaba, de Jack Ma, para entender como o gigante asiático saiu de uma economia agrária ineficiente para se tornar o maior varejo do mundo. Confira o terceiro capítulo da série sobre a China.
Nas últimas décadas do século 20, Japão e depois Coreia do Sul usaram a boa relação que mantinham com o capital europeu e principalmente americano para desenvolver sua produção nacional. Na fase mais incipiente de suas indústrias, japoneses e coreanos tinham seus produtos classificados como de segunda linha pelos consumidores ocidentais. Hoje, ninguém classifica os carros da Toyota e os smartphones da Samsung como de qualidade inferior aos equivalentes ocidentais.
A indústria chinesa de alto valor agregado segue o mesmo caminho. Os smartphones chineses, por exemplo, já começam a expandir seus domínios para a Europa e para a América graças a décadas de bom relacionamento entre a China e as empresas ocidentais, que ao levarem sua produção para o País permitiram à China absorver conhecimento e tecnologia para desenvolver seus próprios produtos.
No 19º Congresso do Partido Comunista, em 2017, o presidente do País, Xi Jinping, anunciou a ambição da China em se tornar o principal polo tecnológico do mundo até o fim da próxima década, quando também deve chegar à posição de principal economia do planeta, segundo estimativas do FMI e do HSBC.
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A especialização da indústria chinesa tem sido o principal motor do crescimento das vendas cross-border. Em 1979, a China tinha apenas 1,02% do comércio internacional. Em 2008, passou a 6,9%. No âmbito de investimentos estrangeiros diretos (IED), o país somava em 1990 7,2% dos investimentos estrangeiros no mundo, e saltou para 25% já em 2000. Os dados foram compilados com base nos números oficiais chineses na obra “China: Infraestruturas e crescimento econômico”, do professor de Planejamento Econômico da FCE/UERJ, Elias Jabbour.
Nos contratos que faziam com as empresas ocidentais, o país incluía a necessidade de as estrangeiras criarem parcerias com as chinesas, o que permitiu que a indústria local absorvesse tecnologia de ponta. Além de copiar diretamente tecnologias estrangeiras, a China também comprava pacotes que envolviam o “manual técnico” de desenvolvimento da tecnologia – no modelo “faça você mesmo”.
O autor da obra coloca como um dos aspectos centrais da política econômica chinesa a transferência de tecnologia via investimentos estrangeiros diretos, mas com um diferencial: o controle absoluto do fluxo de capitais. “Ao contrário de países como o Brasil, onde o capital estrangeiro entra quase sempre sob a égide do capital especulativo ou na forma de privatização ou fusões e aquisições de empresas privadas nacionais”, afirma Jabbour.
Segundo Jabbour, são dois movimentos: “um de joint venture, de repassar tecnologia para a China; e o outro, de transformar o País em uma potência financeira capaz de oferecer 32 bilhões de dólares pelo escritório de P&D da Siemens, na Alemanha, por exemplo”, explica.
Os investimentos estrangeiros diretos (IEDs) na China correspondem a apenas 10% da formação bruta de bens de capital intensivo (relacionado a atividades que demandam mais dinheiro que mão de obra). “Na China existe um forte controle da conta de capitais. Não é qualquer capital que entra no país, apenas o capital produtivo. Na China, o capital estrangeiro é só para o chamado Greenfield, que é o investimento produtivo e para onde ele está dirigido. No Brasil, temos uma conta de capitais aberta e o dinheiro pode entrar e sair a hora que quiser”, detalha Jabbour.
O financiamento do desenvolvimento chinês está intrinsecamente ligado ao sistema financeiro estatal, que responde por 50,2% de todo o crédito voltado para formação bruta de capital intensivo (FBCI), que compõe a relação de investimento/PIB. Na China, essa relação chegou a quase 50%. “Está caindo e o consumo tem tendido a ocupar esse espaço. Mas ainda é muito alta (a taxa de investimento). O Brasil tem hoje uma taxa de 15% enquanto a China ainda está em 45%”, detalha Jabbour.
O professor de Relações Internacionais e Economia da UNIP, especialista em Ásia e doutorando sobre a economia chinesa contemporânea na UNESP, Luis Fernando Mocelin, destaca o esgotamento da política de crédito subsidiado. “É mais ou menos como o governo Dilma fez aqui e deu errado. Taxas cada vez mais baixas de crédito subsidiado para fazer frente à concorrência exterior, que está tentando entrar na China. Eles estão tentando proteger o mercado via injeção de capital. E o governo está fazendo isso tendo em vista que as exportações não estão oferecendo mais oportunidades conforme ofereceram ao longo dos últimos 40 anos”, alerta o especialista.
O principal instrumento usado para avançar no mercado internacional, segundo Jabbour, foi o câmbio. As reservas internacionais da China saltaram de US$ 2,5 bilhões em 1980 para US$ 212 bilhões em 2001, e para 2,447 trilhões em 2010, segundo o site Chinability. Jabbour afirma que essa estratégia de acúmulo de moeda estrangeira foi a principal causa de a China ter resistido às crises financeiras. Além disso, ele destaca a política do País de superávit na relação comercial com os Países ricos e déficits com a periferia, em especial, com seus países vizinhos.
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Jabbour avalia que a política cambial da China estava relacionada ao esforço do País para proteger seu mercado interno da invasão de importações ocidentais. Ele destaca o fato de que proteger a indústria local é uma estratégia socioeconômica central para o gigante asiático. “A China precisa gerar, por ano, 13 milhões de empregos urbanos”, algo que passa diretamente pela manipulação do câmbio que, segundo Jabbour, “o estado manipula para que se possa atingir seus objetivos estratégicos, seja para diminuir a pobreza, seja para alavancar exportações”.
O autor afirma que o câmbio administrado não deve ser alterado pelo menos até 2030 e que o país trabalha com o câmbio desvalorizado para, entre outras, coisas, equiparar, no longo prazo, as rendas dos chineses das diferentes regiões do País. “A estabilização da moeda significa, para os chineses, a estabilização dos níveis de renda e emprego”, afirma.
A enorme reserva cambial que a China acumulou até a crise de 2007 possibilitou que o país girasse o compasso, deixando de focar na exportação para depositar a sua sustentação no mercado interno, permitindo taxas de juros atraentes para o crédito e para o consumo no auge da crise. Além disso, o êxito rural concentrou o consumo nas cidades.
O financiamento tanto das empresas quanto do consumo na China está concentrado em um grupo de bancos estatais que se equivalem ao BNDES brasileiro. “Bancos públicos que estão desde 1992 colocando quase 100 bilhões de dólares para financiar o consumo das famílias e os investimentos dos empresários. Esse ponto está inserido na estratégia chinesa de financiamento público da economia”, explica Mocelin.
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Além da facilitação do crédito, o consumo foi impulsionado pela migração interna na China. Esse evento teve como resultado o fortalecimento do setor de serviços, que saiu de 24% de participação na economia em 1978 para 42% atualmente. “O setor de serviços explodiu e o governo passou a ter uma atenção especial para esse setor porque ele ajuda a dinamizar a economia e é fundamental para fazer com que os empresários tenham uma expectativa quanto a investimentos e consumo”, explica Mocelin.
Além dos grandes bancos estatais, a economia chinesa conta com os bancos regionais e cooperativas de crédito que estimulam o financiamento das atividades agropecuária, industrial e comercial, a um spread bancário de 3% ao ano. No Brasil, o spread bancário oscila entre 30 e 40%.
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