Cada vez mais, consumidores buscam itens personalizados e engajam com marcas com valores próximos aos seus – por isso, é essencial conhecer o cliente.
A era dos produtos, marcas e negócios massificados chegou ao fim. Para continuar vendendo, é essencial conhecer o consumidor, seus hábitos de consumo e preferências. No comércio eletrônico, toda a navegação é monitorada – até o que fica esquecido no carrinho de compras. Sistemas analisam a movimentação do cliente em uma loja, que produtos pega e quais decide levar para casa.
A análise das lojas físicas é ainda mais relevante, pois é onde ocorrem 75% das decisões de compra – mesmo que a aquisição de fato seja feita mais tarde, até em outro canal ou varejista. Há muitos dados disponíveis, mas analisar e compreender as informações disponíveis para tomar as melhores decisões é um desafio.
“Empresas enfrentam desafios para encontrar o talento certo para transformar dados em insights. As áreas de engenharia e ciência de dados necessitam de profissionais muito qualificados, por exemplo”, afirmou à EXAME Marcello Tripodo, consultor da Bain & Company e sócio do escritório de Milão. Ele é especialista em estratégia de negócios, marketing de consumo, canais de distribuição e força de vendas e já foi executivo da Procter & Gamble e da Anheuser-Busch.
Cada vez mais, consumidores buscam itens personalizados e engajam com marcas com valores próximos aos seus. A busca por personalização atinge lojas do varejo, comércio eletrônico, indústrias e campanhas de marketing.
Nesse cenário, algumas empresas de consumo com marcas tradicionais perdem espaço. É o caso da Kraft Heinz, aposta bilionária do grupo 3G que perdeu relevância no mercado de consumo e 30% em valor de mercado este ano. A AB Inbev também enfrenta cervejarias artesanais e comprou muitas marcas menores nos últimos anos, como a mineira Wäls e a paulistana Colorado. As cervejas artesanais respondem por 10% do volume total no Brasil, o triplo de dez anos atrás.
Para Tripodo, a análise correta dos dados pode ser o diferencial entre a vida e a morte das empresas. “Ainda estamos nos estágios iniciais do big data, mas essa nova revolução não vai levar 15 anos para acontecer e as empresas precisam se adaptar rapidamente”, afirmou. Confira abaixo a entrevista completa.
EXAME – Parece mais fácil coletar dados em uma loja ou empresa online, mas não em uma loja física. Quais são as possibilidades nesse segundo grupo?
Marcello Tripodo – A maioria das empresas de bens de consumo já está coletando muitos dados dentro das lojas físicas. Isso geralmente é feito por meio de suas equipes de vendas, usando uma solução portátil ou móvel. As soluções tecnológicas melhoraram significativamente nos últimos anos e empresas como a Trax (provedor de análises) ou a Planorama (empresa de reconhecimento de imagem para o varejo) estão usando softwares de reconhecimento de imagem para facilitar o processo.
Por outro lado, a maioria das empresas não está necessariamente coletando os dados certos para basear corretamente as decisões mais importantes que precisa tomar. Dessa forma, acaba não se concentrando nas poucas alavancas de vendas que realmente fazem a diferença.
Ao coletar dados como mapas de calor ou imagens da movimentação nas lojas para detectar padrões de consumo, como a empresa protege a privacidade dos consumidores? E os clientes sabem que a loja, online ou física, está coletando dados sobre eles?
Muitas informações que as empresas de bens de consumo estão coletando atualmente estão relacionadas principalmente às condições de armazenamento e não ao comportamento individual dos compradores.
No entanto, temos percebido na Bain & Company que há uma tendência de aumentar a interação direta com o consumidor final. Por exemplo, várias empresas no Brasil já estão experimentando promoções personalizadas que são recebidas pelo cliente enquanto ele faz compras em um ponto de venda específico. Nesses casos, os consumidores estão cientes da interação e precisam concordar em receber ofertas e mensagens personalizadas por aplicativos de celular.
De que maneiras a indústria pode adquirir e analisar dados, pois ela não tem acesso fácil ao consumidor final, como o varejo? Quais são as novas opções?
A adoção de ferramentas digitais e programas de fidelidade facilitou o engajamento direto das empresas de bens de consumo com os consumidores finais. No entanto, ainda estamos no estágio inicial dessa tendência em direção a uma interação mais perfeita de marcas e consumidores.
O senhor trabalhou em duas grandes indústrias de bens de consumo, a P&G e a AB Inbev. Como eles estão se adaptando a essa nova realidade?
Grandes empresas de bens de consumo em todo o mundo reconheceram o poder dos dados na tomada de melhores decisões. Nós vemos muitas delas seguindo uma abordagem de teste e aprendizado. O que temos notado nos trabalhos desenvolvidos pela Bain é que elas estão enfrentando desafios para encontrar o talento certo para transformar dados em insights e desenvolver os recursos necessários internamente. Bons exemplos são as áreas de engenharia e ciência de dados, que necessitam de profissionais muito qualificados.
Vimos grandes companhias de marcas bem estabelecidas, como Kraft Heinz e AB Inbev, lutando com novos concorrentes, empresas menores e mais inovadoras. Essas indústrias perderão relevância? Como podem evitar esse caminho?
Vemos marcas de grande porte perdendo participação para pequenas marcas insurgentes em praticamente todos os mercados de bens de consumo de rápida movimentação (FMCG). Isso ocorre em todo o mundo e o Brasil não é exceção. Várias barreiras de entrada tradicionais não protegem mais as grandes marcas estabelecidas. A mídia digital facilitou – e de forma relativamente barata – a criação de uma conscientização por meio de campanhas direcionadas de mídia.
A proliferação de canais (por exemplo, crescimento do atacarejo, formatos de lojas de vizinhança, canais online) abriu novos caminhos de crescimento para os entrantes. O excesso de capacidade existente no lado da fabricação levou a modelos de fabricação de ativos leves (por exemplo, co-manufatura) que as pequenas marcas estão alavancando.
Além disso, os consumidores mais jovens estão procurando cada vez mais uma proposta de valor “certa para mim”, que eles encontram em marcas menores com um propósito claro.
É um problema de uma ou outra marca ou trata-se de um problema de modelo de negócios, voltado a grandes marcas?
Grandes marcas continuam tendo uma grande vantagem para alavancar sua escala e ganhar dentro das lojas. É onde mais de dois terços de todas as decisões de compra são tomadas. O programa certo para fazer isso é o que nós da Bain & Company chamamos de Execução de Vendas Perfeita (PSE, em inglês), que é um programa transformacional projetado para aumentar a categoria e acelerar as vendas, melhorando sistematicamente a qualidade da execução nas lojas por parte das marcas.
Na era digital, o programa incorpora soluções analíticas e digitais avançadas para ajudar os líderes do mercado de bens de consumo a alavancar o poder das vendas direcionadas por dados.
Neste novo cenário, no qual os dados levam a grandes mudanças, quais empresas vão morrer ao longo do caminho? Quais vão prosperar?
Tudo se resume a tornar-se verdadeiramente centrado no cliente e agir rapidamente no mercado. Isso requer insights profundos oriundos dos compradores, clareza sobre a importância relativa dos drivers de vendas e uma nova maneira de trabalhar. No centro de tudo isso está o melhor uso e a correta coleta de dados. Empresas que conseguirem desenvolver essas capacidades internas, atrair os talentos certos e mudar sua cultura, provavelmente estarão entre os futuros vencedores.
Fonte: Exame
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