Delfim Netto é realmente sui generis. Dependendo do dia, não sei se aplaudo de pé seus artigos, ou se tomo um Plasil para evitar o embrulho estomacal.
Em sua coluna de hoje na Folha, por exemplo, o economista eternamente ligado ao governo condenou a “obrigação” de que o ministro da Fazenda seja um “homem do mercado”, e terminou tecendo elogios ao “ilustre” ex-ministro:
Tome seu tempo, senhora presidenta. Escolha livremente, com cuidado e segurança, na administração pública, na academia ou mesmo no mercado, o substituto do ilustre ministro Guido Mantega, que pagou um alto preço por sua fidelidade ao partido e ao seu governo.
A senha talvez esteja no uso do termo “presidenta”, mostrando qual lado assumiu o controle do indivíduo no dia. Nesse falou o “Sarney da economia”, aquele que está circulando em torno do “puder” há décadas. Notem que ele citou como virtude a fidelidade de Mantega ao partido. E eu pensei que o ministro devesse ser fiel ao país e ao cargo, controlando a inflação. Inocente, não sei de nada!
Mas vejam só: ontem, na coluna do Valor, Delfim Netto vestiu o chapéu de economista independente e elogiou o processo natural dos mercados, uma visão inspirada possivelmente no austríaco Hayek, vencedor do Prêmio Nobel de Economia e defensor da “ordem espontânea” e das instituições de mercado como “formações”, contra a ideia arrogante de “design inteligente” dos burocratas. Disse Delfim:
Já era tempo de termos aprendido alguma coisa. A construção da sociedade civilizada é um processo histórico, uma seleção quase natural, de construção, invenção ou descoberta de instituições sociais que os homens vêm escolhendo há mais de 12.000 anos, quando começaram a acomodar-se à vida urbana e a desenvolver a atividade agrícola.
Não existe o caminho privilegiado que poderia ser antecipado por um “vidente”. Ele tem que ser construído andando! O acaso é tão importante quanto na seleção biológica natural, mas ao contrário dessa, ele tem uma finalidade bem definida: a possibilidade de cada homem de libertar-se da vontade do mais forte; de escolher livremente o seu destino; de realizar-se pela sua própria atividade; de exercer o seu potencial inventivo e apropriar-se dos seus resultados e ter a mesma oportunidade de todos os outros para conquistar a sua dignidade.
[...]
Continuemos a usar a urna e o mercado para ir construindo soluções cada vez mais aceitáveis moralmente na busca da sociedade civilizada. O “emponderamento” do cidadão comum cada vez mais educado através do sufrágio universal e a promoção de boas condições de funcionamento dos mercados vão nos levar ao limite possível da compatibilização da liberdade individual com a relativa igualdade e a eficiência econômica.
Posso discordar de um ponto ou outro, recusar quando ele chama Marx de “verdadeiro gênio”, ainda que detonando seus asseclas que insistem na prática socialista até hoje, após 70 anos de sofrimento, mas é um texto sem dúvida interessante e com muitas verdades. O capitalismo é um mecanismo de “tentativa e erro” e, ainda que sujeito aos poderes da política também, não pode ser manipulado impunemente por governantes arrogantes.
Quando comparamos esse texto com o de hoje na Folha, temos a nítida impressão de se tratar de dois autores diferentes. Será que Delfim Netto é um caso de dupla personalidade, como no personagem de Roberto Louis Stevenson. Será que um dia acorda como Dr. Jekyll e escreve bons textos em defesa do capitalismo, e em outros acorda como Mr. Hyde e chama Dilma de “presidenta”, para depois elogiar o pior ministro da Fazenda de todos os tempos? Só pode ser isso…
Rodrigo Constantino
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