Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Depois da “recuperação em K”, virá a “era da punição”. Será?

O economista americano Peter Atwater, que cunhou o termo “recuperação em K”, diz que a “era da ilusão”, marcada por startups que levantaram milhões com promessas irreais, vai desaguar em um mundo de incertezas e desconfianças. Ao NeoFeed, ele também reflete sobre o cenário pós-pandemia.

Peter Atwater, economista e professor da Universidade William & Mary

Duas realidades distintas e totalmente opostas. De um lado, o otimismo daqueles para quem a pandemia trouxe poucas mudanças. Do outro, a desesperança de profissionais cujos setores foram fortemente impactados pela Covid-19.

Esse é o ponto de partida para a “recuperação em K”. Proposta pelo economista Peter Atwater, a teoria é a mais aceita para a retomada da economia americana.

Depois de constatar que existem esses dois mundos coexistindo nos Estados Unidos, como disse ao NeoFeed, Atwater, professor adjunto da Universidade de Delaware e da Universidade William&Marry, buscou no alfabeto uma nova letra que representasse essa realidade, já que ela não estava contemplada nas famosas “U”, “V” ou “L”.

Foi na divergência do “K”, com uma parcela ascendente e a outra decrescente, que o economista encontrou o simbolismo da recuperação econômica americana — e de tantos outros países. “Percebo que ressoa com o Brasil também”, contou.

Em entrevista exclusiva ao NeoFeed, Atwater, que também estuda o comportamento humano e o impacto do nosso estado de espírito nas decisões que tomamos, compartilha o que aprendeu durante essa crise, dentro e fora da sala de aula. “As perguntas dos alunos passaram a ser: ‘terei emprego quando me formar?’;  ‘como será o futuro?’”.

O economista também faz uma ampla análise sobre o papel das startups nesse novo mundo e reflete sobre a era da punição, em que promessas não cumpridas como as da WeWork, Wirecard e Theranos dão margem para comportamentos hostis. Ele também afirma que só o tempo dirá se a Tesla, de Elon Musk, não é também uma ilusão. Acompanhe a entrevista a seguir:

Como você explica o termo “recuperação em k”?
A letra K é a única possível para representar os dois mundos diferentes que coexistem nos Estados Unidos, nos dias de hoje. Em um deles, as pessoas estão muito bem e se sentem ótimas; no outro, as coisas estão péssimas, à beira de um colapso. A letra K tem uma linha ascendente e outra descendente, que ilustram bem essa discrepância.

A letra K é a única possível para representar os dois mundos que coexistem nos EUA. Em um deles, as pessoas estão muito bem e se sentem ótimas; no outro, as coisas estão péssimas, à beira de um colapso

Mas isso é algo novo? Já não existia essa percepção antes da crise?
Sim, já existia, só não era tão óbvia. A recuperação da nossa última crise financeira, em 2008, foi bastante parecida e levou muito, mas muito tempo mesmo, para a taxa de emprego se normalizar para aqueles no lado mais frágil da economia. A diferença é que, agora, o “K” está mais nítido para todos. 

Você também estuda como o estado de espírito das pessoas impacta a economia. Essa crise mexeu com o humor de todo mundo?
Perceba que, em março, a confiança de todo mundo despencou. Você quase podia sentir no ar o pânico. E esse sentimento muda nossas preferências: imediatamente, deixamos de pensar no futuro para vivermos inteiramente no presente. Com isso, as decisões financeiras mudam drasticamente e focam em coisas que sentimos ser urgentes para o momento. Daí, acontece o que chamamos de consumo do pânico, com pessoas comprando papel higiênico, água e Gatorade de uma maneira desproporcional. Tudo isso se explica pelo mindset imediatista da circunstância. Agora, vale ressaltar que, na questão do trabalho, as coisas se dividiram.

Como assim?
Muitos apenas migraram suas atividades para o trabalho remoto. Continuaram seus afazeres de uma forma bastante “normal”, só que em home office. Ao saber que você continua empregado, com salário garantido, é fácil retomar a confiança, o estado de espírito. Ao mesmo tempo, houve uma assistência do Federal Reserve e de outros bancos centrais para sustentar e apoiar os valores dos ativos financeiros. Portanto, o mercado de ações estava subindo. Para esse grupo, a economia continuava consistente com o que se via antes da crise. Eles seguiram comprando novos eletrodomésticos, novas casas e gastando fortunas com itens de luxo. Isso não mudou.

Mas é apenas uma parcela da população…
Correto. Para a maioria das pessoas, março foi o começo do fim. Profissionais que trabalhavam para companhias aéreas, bares, restaurantes, hotéis, parques de diversões e outros tantos setores perderam o emprego. Então, para esses indivíduos, o que sobra é um enorme sentimento de desesperança. E são essas vivências tão distintas que marcam o que chamamos de “recuperação em k”, com um grupo ascendendo, e outro em declínio. 

Mas não é tudo um grande efeito dominó? Pessoas desempregadas e desesperançosas deixam de gastar, então o dinheiro para de circular…
O efeito é dominó só para quem depende desse consumidor de baixa renda.  Por exemplo, alguns restaurantes e grupos de varejos de nicho. Não por acaso, esse foi o perfil de estabelecimento que mais sofreu durante a pandemia. E muitos fecharam suas portas para sempre. Mas o assunto é outro quando falamos do mercado de luxo, que continua indo muito bem. 

Enquanto vemos essas dualidades, o mercado de ações parece não ter sido tão afetado. Algumas empresas de tecnologia, inclusive, se beneficiaram…
Bem, eu não subestimaria o impacto da quarentena e o fato de que as pessoas estão passando muito mais tempo sozinhas, em casa. Isso significa que elas não estão vivendo a “economia real”, sabe? O que deixa espaço para que imaginemos como está o mundo do lado de fora. Penso que esse é um fator e tanto nessa equação. E também acho que os investidores acreditam que há sempre um forte apoio por parte do governo, especialmente do Federal Reserve, que, de uma forma ou de outra, sempre os protege. Por essas e outras, eu não acho que investir em ações seja algo de grande risco. 

Existe algo que o governo possa fazer para mudar o formato dessa recuperação para algo mais otimista, como o V ou o U?
Sim, e eu tenho falado muito sobre isso. Há anos advogo a favor do apoio às pessoas que experimentam o lado mais fraco da economia. Eles, provavelmente, serão os últimos a reconquistar uma vaga no mercado de trabalho. Portanto, precisamos reconhecer que esses indivíduos provavelmente precisarão de assistência financeira prolongada até que a economia se recupere. E essa é uma das minhas frustrações: não há nenhum progresso real nesse sentido sendo discutido seriamente em Washington.

O fato de ser um ano eleitoral nos Estados Unidos altera as coisas?
Com certeza. Tudo está tão politizado e polarizado que não existe a chance de partidos diferentes e seus apoiadores trabalharem juntos. Perdemos todos. 

Você enxerga um quadro semelhante em outros países?
Em diversas partes do mundo. Tanto na polarização, quanto na recuperação em K. Li, aliás, jornalistas do mundo todo escrevendo a respeito disso, da Índia ao Reino Unido. Também reconheço que esse momento parece ressoar no Brasil. 

Outro termo que você popularizou foi o da “era da ilusão”. O que é exatamente esse conceito?
Foi uma era que nasceu da desesperança da crise financeira. E o que se viu, na época, foi toda uma série de líderes empreendedores, especialmente no Vale do Silício, prometendo ações rápidas e grandiosas, quebrando tudo o que já se sabia para tornar as coisas melhores. 

Você critica essa prática. Mas, interrompê-la não pode marcar o início de uma era de “escuridão”, com pouca inovação e investidores céticos?
Olhando para trás, vejo que a era da ilusão nasceu da sensação de desesperança que dominava o mundo uma década atrás. Ficamos muito vulneráveis quando a confiança está em baixa e, nesse caso, a tendência é seguirmos os passos de quem parece ter tudo sob controle. Somos facilmente persuadidos nesses momentos. Daí, podemos ver casos como o WeWork, Wirecard, Theranos e, mais recentemente, o da Nikola. O problema é que, conforme “caímos na realidade”, passamos a pensar que há muito mais fraudes no mercado. Isso marca o que eu chamo de “era da punição”.

Você poderia explicar esse conceito?
A grande questão das fraudes é que, quanto mais falcatruas descobrimos, mais esperamos descobrir. Isso provoca uma quebra na confiança, o que nos deixa mais ressabiados. Então, passamos a fazer muitas perguntas, queremos saber o porquê das coisas, queremos ter certeza de que estamos colocando nossa confiança em pessoas e projetos que merecem. O problema é que, quando as pessoas sabem que estão sendo traídas, que foram enganadas, elas tendem a ser hostis. Há uma quantidade desproporcional de raiva e um desejo de fazer justiça “perseguindo” as pessoas que mentiram, punindo-as.

Algo parecido como o que aconteceu com Adam Newman, do WeWork, talvez…?
Embora o WeWork tenha sido um ponto de inflexão nessa história, acho que  Newman escapou sem grandes prejuízos. Pelo menos do ponto de vista financeiro, ele está seguro para o resto da vida. 

Como saber o que é uma ilusão ou não? Muita gente achava, por exemplo, que a Tesla seria uma dessas fantasias. E, hoje, a empresa é a fabricante de carros mais valiosa do mundo…
Então, acho que só o tempo nos dirá se a Tesla é uma ilusão ou não. Eu, pessoalmente, tendo a pensar que sim, por conta das características da empresa. Como outras companhias “proféticas”, essa também tende a ser seguida como um culto, quase religioso. Uma ilusão é basicamente isso . Alguém fazendo promessas crescentes. Com as coisas e metas tornando-se cada vez maiores e mais poderosas. 

Só o tempo nos dirá se a Tesla é uma ilusão ou não. Eu, pessoalmente, tendo a pensar que sim, por conta das características da empresa

Como controlar, então, as emoções para tomar decisões melhores?
É muito difícil resistir à pressão dos sentimentos extremos. Em março, quando as pessoas entraram em pânico, elas fizeram a pior coisa que poderiam: se entregaram a ele. Da mesma forma, em agosto, a pior coisa que você poderia fazer era entrar no frenesi de que estava tudo bem. Pelo menos de uma perspectiva de investimento, que é sempre útil, vale lembrar às pessoas que, às vezes, devemos fazer o que parece absolutamente errado: comprar quando estamos apavorados, quando sentimos que estamos queimando dinheiro. E devemos vender quando tudo parece maravilhoso e tranquilo. E isso é difícil de fazer. É muito difícil encarar um prédio em chamas com dinheiro na mão, pensando que terá sucesso, mas é isso que um investimento bem-sucedido exige.

Você deu aula no meio dessa crise toda? Se sim, as perguntas mudaram?
Sim, eu passei a primavera lecionando a distância na William & Mary e foi fascinante encontrar-me com os estudantes todas as semanas, à medida que a pandemia começava a ser levada cada vez mais a sério. O que percebi é que os alunos também passaram a ficar inquietos sobre o futuro. As perguntas mudaram para coisas como: terei um emprego quando me formar? O que vai acontecer? Mas isso era esperado, porque há uma redefinição das expectativas de prioridades que vem junto com a crise.

E como você respondia?
Tento lembrar os alunos de que o mundo não é, hoje, mais incerto do que foi no passado. O futuro sempre foi e sempre será desconhecido. Na história do mundo, houve pandemias, guerras e eras de grande incerteza. Mas esses acontecimentos tendem a ter uma vida muito curta em relação às fases de prosperidade. Não acho que devemos subestimar nossa capacidade de adaptação. E penso que, se 2020 nos ensinou algo, foi a capacidade de nos adaptarmos a cenários desconhecidos.

Quais mudanças, pessoais e profissionais, essa crise trouxe para você?
Houve um tempo em que eu achava que ter dinheiro era um propósito em si. Como muitas pessoas que trabalhavam no mercado financeiro, fiz do dólar a régua pela qual eu mensurava o meu valor. E isso não é nada saudável, sobretudo, porque alguém vai sempre ter mais dinheiro que você. E outros sempre terão menos. Precisamos reconhecer que a escassez de dinheiro tem um peso terrível para nós. Não ter dinheiro suficiente para alimentar nossa família e nos sustentar é uma experiência muito debilitante. 

E torna ainda mais evidente a tal economia em k…
Precisamente. A divisão financeira atual é muito perturbadora… 

Mas quando ela começou?
Acho que muito desse abismo social vem de mudanças feitas na década de 1980, quando o acionista foi priorizado. Para maximizar o valor dos shareholders, as corporações sacrificavam todo o resto. 

Atualmente, qual a sua maior preocupação?
Quando olho para essa comoção social no país, vejo, tanto na esquerda, quanto na direita, uma sensação de desesperança que atravessa as linhas políticas modernas. Há uma necessidade de ser ouvido, de ser visto, de ser empoderado… E acho que os governantes não estão prestando atenção suficiente a isso.

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Eloá Orazem, dos EUA

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