Os executivos das empresas, os gestores públicos e a academia devem considerar seriamente a possibilidade de milhões de pessoas no mundo estarem em risco de desemprego, caso a inteligência artificial seja amplamente adotada.
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Li com muita atenção o relatório publicado pelo FMI, chamando “Devemos temer a revolução dos robôs? (A resposta correta é sim)“. Ele coloca em debate a questão do impacto da Inteligência Artificial (IA) e robotização na sociedade. Não existem respostas prontas e temos claramente dois extremos. Um extremo pessimista, onde a IA causaria desemprego, criando distorções econômicas, sendo “boa para o crescimento e ruim para desigualdade”. E outro extremo, otimista, que embora concorde que existiria um impacto nos empregos no curto prazo, com o tempo surgiriam inúmeras outras oportunidades. Eventualmente, as máquinas poderiam fazer todas as tarefas e os humanos viveriam no lazer, como nos mostrou a animação da Pixar, Wall.E. Em tempo Wall.E significa Waste Allocation Load Lifter Earth-class.
Muitos analistas de indústria e economistas argumentam que, como as mudanças tecnológicas do passado, a atual revolução digital, fundamentada em IA, não criará desemprego em larga escala, pois o trabalho será mais cedo ou mais tarde, realocado. Assim, por esta argumentação, mesmo que a robótica tenha começado a deslocar um grande número de trabalhadores, os empregos que são dependentes de características humanas como criatividade, inteligência emocional e habilidades sociais (incluindo ensino, orientação, enfermagem e assistência social, por exemplo) podem se tornar mais numerosos.
Tenho outro ponto de vista sobre as implicações do emprego intensivo da IA. No meu entender, o potencial de disrupção simultânea e rápida, juntamente com a amplitude de funções humanas que AI pode replicar, com mais rapidez e eficiência, pode sim, ter profundas implicações para o mercado de trabalho. Os executivos das empresas, os gestores públicos e a academia devem considerar seriamente a possibilidade de milhões de pessoas no mundo todo (e aqui no Brasil!) estarem em risco de desemprego, caso essas tecnologias sejam amplamente adotadas.
Eu não creio que a revolução da IA e da robótica irá replicar o passado, simplesmente porque a rápida adoção em massa dessas tecnologias, pode eventualmente destruir muitas indústrias quase simultaneamente, sem dar tempo de recuperação à economia e a sociedade em geral. Os avanços da robótica podem ser tais que, de repente, a maioria, senão todas as funções humanas básicas envolvidas no trabalho manual poderiam ser realizadas de forma mais eficaz e mais barata por máquinas, com a vantagem dessas serem capazes de trabalhar continuamente com um custo marginal mínimo.
O que difere fundamentalmente a revolução digital impulsionada pela IA e robótica das anteriores é sua velocidade e amplitude. Na revolução industrial, o ritmo de adoção de novas tecnologias foi muito mais lento. Por exemplo, as ferrovias substituíram o cavalo como meio de transporte, com as consequentes perdas de emprego para os cocheiros, os ferreiros e os fabricantes de carruagens. Mas, sua disseminação foi lenta, levando várias décadas para ganhar tração, em parte devido às volumosas quantidades de investimento necessário em instalações, maquinário e infraestrutura. Assim, houve tempo suficiente para as economias se adaptarem, evitando assim períodos de desemprego em massa. Os automóveis, aviões e os computadores, por sua vez, criaram novas funções. Algumas já desapareceram com a evolução tecnológica, como os navegadores e engenheiros de voo nas aeronaves. Outras, como motoristas, estão em risco de extinção com a adoção dos veículos autônomos.
As tecnologias digitais se disseminam exponencialmente e não linearmente, como as das revoluções anteriores. Quanto mais rápido surgirem as novas ondas de tecnologia e quanto mais baratas elas forem para serem implementadas, mais ampla será sua difusão e mais rápida e profunda será a taxa de perda de emprego, com menos tempo de adaptação para as economias. Muitas vezes essas tecnologias passam desapercebidas, pois uma tecnologia que evolui exponencialmente, em seu início, confunde-se com uma evolução linear.
Mesmo dobrando a períodos curtos, quando começa, representa pouco. Por exemplo, quando elas têm participação de mercado de 0,1%, 0,2%, 0,4%…, nem aparecem nas estatísticas. Mesmo quando começam a chamar atenção, com 1%, 2%, 4%, ainda são vistas de forma simplista, como “menos de 10% do mercado e vai levar tempo para ser uma tecnologia disseminada”. Aí é que temos o engano. Pensamos linearmente. E somos atropelados pela exponencialidade. De 10% vai para 20% e em pouco tempo temos 60% a 80% do mercado.
Assim, não tenho dúvidas que o forte impacto da IA na sociedade, nas empresas e nas profissões é um assunto de extrema importância. O Fórum Econômico Mundial publicou, em 2016, um relatório instigante, intitulado “The Future of Jobs: Employment, Skills and Workforce Strategy for t...”, analisando os impactos da evolução tecnológica, onde a IA tem papel fundamental no cenário futuro.
Não tenho dúvidas que o forte impacto da IA na sociedade, nas empresas e nas profissões é um assunto de extrema importância
O relatório lembra que provavelmente 65% das crianças que estão nas escolas primárias hoje estarão trabalhando em funções completamente novas, que simplesmente ainda não existem. Sobre o Brasil, o relatório aponta algumas barreiras desafiadoras como a ainda grande incompreensão das disrupções que já estão surgindo (55% dos entrevistados), a falta de alinhamento da estratégia da força de trabalho das empresas (e, claro dos órgãos públicos) com as inovações disruptivas (48%), e devido à crise econômica, a pressão dos acionistas pela rentabilidade de curto prazo (48%).
Aqui no Brasil a revolução da IA apresenta um grande desafio. O país tem baixa produtividade e uma educação deficiente, o que pode acarretar em nos deixar ainda mais para trás em relação às economias mais produtivas. O nosso baixo nível educacional, por sua vez, dificulta a adaptação dos trabalhadores à nova realidade impulsionada pela IA e robotização. Um requisito para acompanharmos a revolução da IA é a capacidade da força de trabalho em se manter atualizada e, portanto, se adequar às novas tarefas, carreiras e profissões.
Muitas profissões existentes hoje deixarão de existir. A profissão de motorista, por exemplo, não será uma que sobreviverá muito mais que umas duas décadas. Sabemos que novas funções serão criadas, mas, no período de transição, será que os motoristas de caminhão, ônibus, táxis e Uber poderão migrar para outras funções, que provavelmente demandarão habilidades diferentes das que eles adquiriram na sua vida profissional?
Sem dúvidas, teremos uma mudança significativa na relação pessoas-máquinas e isso vai se refletir nas funções, na academia e nas relações trabalhistas. Recomendo a leitura de um estudo, “The Future of Work: Jobs and skills in 2030”, publicado em 2014, no Reino Unido, que é um contexto diferente do brasileiro, mas que pode nos indicar alguns caminhos. Outro estudo, este da McKinsey, mostra claramente que o uso da IA vai demandar a ênfase em skills por parte de nós, humanos, que deixamos de lado com a sociedade industrial. Ficamos muito focados em especializações operacionais e menosprezamos habilidades cognitivas como empatia, sociabilidade, criação e emocional. Vale a pena ler “Skill shift: Automation and the future of the workforce”.
Teremos uma mudança significativa na relação pessoas-máquinas e isso vai se refletir nas funções, na academia e nas relações trabalhistas
Aliás, IA e seus impactos na economia são alvo de intensos estudos por parte de governos, como o publicado em 2016 pela Casa Branca, nos EUA, “Preparing for the Future of Artificial Intelligence”, que em suas conclusões, faz 23 recomendações, onde logo a primeira destaca “Private and public institutions are encouraged to examine whether and how they can responsibly leverage AI and machine learning in ways that will benefit society.”
Posteriormente publicaram outro documento, “Artificial Intelligence, Automation, and the Economy”, que discute os impactos da IA na economia e mercado de trabalho, sugerindo uma série de medidas para que o país esteja preparado para a nova era da cognificação. Propõe três estratégias básicas, que são a) investimento em pesquisa e formação de talentos em IA; b) educação e formação de pessoas para os trabalhos e profissões do futuro, que ainda serão criados; e, essencial, c) como resolver o problema da transição do atual mercado de trabalho para um cenário AI-driven, com a automação executando grande parte das atividades que rotineiramente são feitas por pessoas.
Mais recentemente, o Reino Unido publicou estudo patrocinado pela House of Lords (A Câmara dos Lordes, que é a câmara alta do parlamento do Reino Unido. O parlamento também inclui a Coroa britânica (rei ou rainha) e a Câmara dos Comuns), chamado “AI in the UK: ready, willing and able?”, com uma análise do posicionamento atual e futuro do Reino Unido quanto a IA. Em complemento a este material, foi publicado um extenso documento de mais de 1.500 páginas, “Select Committee on Artificial Intelligence : Collated Written Evid...” , que contém o material que serviu de fundamentação para o relatório final.
O que fazer ainda gera muitos debates. Existem proponentes de uma renda mínima universal, através de tributação de uso de robôs pelas empresas, para eventualmente desacelerar o ritmo de automação e financiar outros tipos de emprego. Esta proposta foi dita por Bill Gates e sua ideia está em “The robot that takes your job should pay taxes, says Bill Gates”, mas pode levar a inibir a eficiência produtiva. A proteção artificial de empregos pode distorcer a economia. Pode até funcionar no curto prazo, mas inevitavelmente leva a sacrificar a eficiência e perda de competitividade, prejudicando toda a sociedade.
A resposta a este desafio tem que vir da educação. É absolutamente imperioso que os trabalhadores sejam preparados para esta nova era digital, onde máquinas e humanos trabalharão em conjunto. O nosso nível educacional precisa urgentemente ser melhorado, condição essencial para que uma economia seja produtiva e se insira de forma adequada na revolução da IA e robótica.
O impacto da IA na transformação da sociedade precisa começar a ser compreendido. Uma dose mínima de inteligência aplicada a um processo ou a objetos vai elevar a eficácia de qualquer sistema a outro patamar. Uma leitura atenta ao estudo “Artificial Intelligence and Life in 2030” nos mostra as imensas possibilidades que a IA nos oferece, mas que caso não estejamos adequadamente preparados, estas oportunidades se transformarão em ameaças.
Infelizmente, aqui no Brasil as discussões sobre o efeito da IA e seus impactos continuam muito distantes. Pouco se ouve sobre o assunto pelos legisladores e gestores públicos, pouco se faz nas empresas (mas, fala-se muito!), e em grande parcela da academia o assunto está restrito a poucos pesquisadores de ciência da computação. Sim, no Brasil estamos bem atrasados… Temos que correr para não perdermos mais um trem! No ritmo que estamos, corremos um imenso risco de ficarmos assistirmos à revolução da IA acontecendo lá fora, o que nos deixará ainda mais distantes dos países mais produtivos.
*Cezar Taurion é Partner e Head of Digital Transformation da Kick Corporate Ventures e presidente do i2a2 (Instituto de Inteligência Artificial Aplicada). É autor de nove livros que abordam assuntos como Transformação Digital, Inovação, Big Data e Tecnologias Emergentes. Professor convidado da Fundação Dom Cabral. Antes, foi professor do MBA em Gestão Estratégica da TI pela FGV-RJ e da cadeira de Empreendedorismo na Internet pelo MBI da NCE/UFRJ.
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