No Dia da Informática, IT Forum resgata a história de seis empesas que ajudaram na construção da indústria de tecnoloiga nacional.
O Brasil é repleto de “jabuticabas” – aqueles eventos únicos que parecem só acontecer por aqui. A história da indústria de tecnologia nacional não é diferente, e está repleta de nomes e acontecimentos peculiaridades que nos trouxeram até onde estamos hoje. Para marcar este dia 15 de agosto, data em que é celebrado o Dia da Informática, o IT Forum resgata a história de algumas das empresas que marcaram o desenvolvimento da tecnologia no país.
A história da informática no Brasil começou, assim como em diversos outros países do mundo, na década de 50. Foi em 1957 que o “Computador Automático Universal“, ou Univac 120, fabricado pelo grupo norte-americano Remington Rand, foi instalado no país e se tornou o primeiro computador em solo nacional. A máquina foi adquirida pela prefeitura de São Paulo e utilizada pelo Departamento de Águas e Esgotos (DAE), com o objetivo de modernizar os cálculos do órgão.
Ao longo dos anos seguintes, mais máquinas seriam importadas e instaladas no país, marcando um período de desenvolvimento da informática baseado em tecnologias vindas de fora. A partir da década de setenta, no entanto, durante a ditadura militar, um movimento de intervenção governamental foi iniciado na tentativa de incentivar a produção nacional de microcomputadores.
Em outubro de 1984, foi instituída a Lei Federal nº 7.232, que fixou a popularmente conhecida Reserva de Mercado de Informática, via a Política Nacional de Informática (PNI), e oficializou a reserva do mercado interno às empresas de capital nacional para diversos segmentos do mercado, inclusive o de softwares. A reserva duraria até outubro de 1991, quando o então presidente Fernando Collor encerrou o plano.
Para Pedro Bicudo Maschio, consultor e analista distinto do Information Services Group (ISG), a reserva de mercado da informática foi uma iniciativa que buscou emular o sucesso do desenvolvimento da indústria automobilística nacional – através de um forte investimento governamental – no setor de tecnologia, considerado estratégico pelo regime militar. As condições, no entanto, não eram as mesmas.
“Para geração de tecnologia, a reserva foi muito problemática. O Brasil não tinha, e ainda não tem hoje, capital suficiente para desenvolver tecnologia”, pontuou Maschio em conversa com o IT Forum. “Para a indústria automobilística, você tinha um mercado demandante muito grande – um grande número de brasileiros, uma economia crescendo –, por isso que deu certo. No mundo de TI não existia a escala de consumo.”
Ainda que do ponto de vista da criação de novas tecnologias a reserva não tenha funcionado, em outros aspectos, algum sucesso foi observado. Um deles foi o desenvolvimento de mão de obra técnica de alto nível que, nos anos seguintes, seria muito aproveitada pelo setor empresarial do país – em especial o bancário.
O mercado como um todo também se desenvolveu. No estudo “Uma avaliação da reserva de mercado na indústria brasileira de computadores”, de 1992, os pesquisadores Hubert Schmitz e Tom Hewitt narram que entre os anos de 1984 e 1987, a taxa média de crescimento anual do mercado brasileiro de microcomputadores foi de 7,4% – mais alta do mundo capitalista da época.
Entre 1984 e 1989, o Brasil também saltou de 42 mil empregos em informática e automação para 74 mil postos, segundo o Panorama do Setor de Informática de 1991. “A reserva não prejudicou os estrangeiros, mas permitiu o desenvolvimento de empresas nacionais”, ponderou Bicudo. “Naquele momento, elas foram de extrema importância porque foram elas que contratavam, que puxavam a tecnologia e que desenvolviam o uso da tecnologia.”
Fundada em 1974, a Computadores e Sistemas Brasileiros Ltda., ou COBRA, foi a primeira empresa brasileira a desenvolver, fabricar e comercializar computadores no país. A empresa surgiu a partir do tripé de uma parceria de origem privada nacional, internacional e do apoio estatal. Eram elas: a nacional EE Eletrônica, a fabricante inglesa Ferranti, responsável por computadores instalados em navios da Marinha, e o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDE).
Entre seus fundadores, estavam nomes da Pontifícia Universidade Católica (PUC/RJ) e também de envolvidos na criação do “Pato Feio”, computador desenvolvido pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), em 1972.
Ao longo dos anos setenta, a marca lançou controladores de sistemas e terminais de dados. Sua primeira fábrica foi inaugurada em 1979, em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Em 1980, a empresa lançava o Cobra 530, o primeiro computador totalmente projetado, desenvolvido e industrializado no Brasil. Ao longo da década, a companhia ganhou bastante espaço no mercado nacional e passou a ter capacidade de produzir quase todos os componentes localmente – até mesmo o sistema operacional, com o SOX, compatível com UNIX.
Com o fim da reserva de mercado, no início da década de noventa, a Cobra passou a sofrer com a concorrência estrangeira. Para se salvar, passou ao controle acionário do Banco do Brasil e mudou seu perfil de atuação, se voltando para a integração de sistemas e prestação de serviços para a área bancária. Na virada do milênio, ela se torna a Cobra Tecnologia. Em 2013, passa a ser a BB Tecnologia e Serviços (BBTS), se aproximando ainda mais de sua controladora e se consolidando como uma prestadora de serviços para o Banco do Brasil.
A Scopus Tecnologia também surgiu durante a década de setenta, na esteira da busca do Brasil pelo desenvolvimento de tecnologia nacional. A empresa foi criada pelo trio Josef Manasterski, Célio Ikeda e Edson Fregni, que também participou do projeto do Pato Feio, da USP, em 1975. Diferente da COBRA, sua ambição inicial era a prestação de serviços e manutenção de computadores.
Seus primeiros anos foram dedicados ao desenvolvimento de terminais de vídeo nacionais, como o TVA-80. Já durante a década de oitenta, a companhia entrou no mercado de de microcomputadores. Em 1983, a empresa lançou o Nexus 1600, um clone do IBM-PC que se tornou uma das suas máquinas mais populares – desenvolvido com o sistema operacional ‘SISNE’, compatível com o MS-DOS.
Nos anos noventa, a trajetória da companhia foi similar à da COBRA. Tudo começa em 1989, quando o Bradesco assume o controle acionário da Scopus. Com a abertura do mercado, a organização se moveu para a área de serviços de TI, incluindo suporte técnico, desenvolvimento e integração de sistemas. Continuou prestando serviço para organizações, incluindo agências do Bradesco, e participou do desenvolvimento do primeiro Internet Banking da América Latina.
Em julho de 2014, a IBM Brasil comprou a estrutura da área de suporte e manutenção de hardware e software da Scopus. Com isso, a IBM assumiu todos os contratos de suporte e manutenção da Scopus, inclusive do Banco Bradesco, que era então o maior cliente da companhia. No ano seguinte, a IBM transformou a companhia na Proxxi Tecnologia.
Apesar da aquisição da IBM Brasil, a área de consultoria em inovação e soluções em TI da Scopus continuou independente e propriedade do Bradesco. Em 2019, os funcionários da prestadora de serviços de tecnologia foram internalizados pelo Bradesco.
Mais um exemplo da relação próxima da indústria de tecnologia brasileira com o setor bancário, a Itaú Tecnologia S/A, ou Itautec, surgiu em 1979. Sua origem veio da necessidade de modernização do banco e de uma inspiração de Olavo Setubal, então diretor-presidente do banco Itaú, em experiências internacionais de automação bancária para demonstrações financeiras em tempo real.
Regida por Carlos Eduardo Corrêa da Fonseca, o Karman, a empresa tinha outras ambições além de implantar o sistema on-line no banco Itaú. Treinar e estimular talentos para o setor bancário brasileiro era uma delas, mas, mais adiante, a meta passou a ser também desenvolver tecnologia nacional para o mercado consumidor e corporativo.
Ao longo dos anos oitenta, a empresa lançou uma série de microcomputadores e produtos de informática e tirou proveito do PNI. Em 1982, a Itautec lança o seu primeiro microprocessador, o Itautec I-7000. No ano seguinte, estreou seu primeiro caixa eletrônico, em Campinas, São Paulo. Em 1988, lançou o IS30 Plus, que marcou um salto na capacidade produtiva da companhia.
No ano seguinte, o grupo Itaú S/A, adquire o controle da Philco Rádio e Televisão S/A no Brasil. Com isso, vê oportunidade de expandir as suas atividades para a produção de bens eletrônicos para consumidores finais – incluindo câmeras, videocassetes, rádios e televisores. Em 1994, ocorre a fusão entre as empresas Itautec S/A e a Philco S/A, o que dá origem à Itautec Philco S/A. A união durou até 2005, quando a Itautec vendeu a Philco para a Gradiente para focar apenas em informática e serviços de alta tecnologia.
A Itautec foi a última sobrevivente do período da reserva de mercado do Brasil. Sua longa vida se deu não só por fazer parte de um grupo econômico sólido, o conglomerado Itaú S/A, mas também pela promoção de joint-ventures e alianças estratégicas com empresas como Intel, IBM e Texas Instruments.
A empresa só deixou de fabricar desktops, laptops e servidores em 2013, muitos anos depois de suas concorrentes contemporâneas terem desistido do setor de computação. Naquele ano, com o fim da fabricação de computadores, o foco da Itautec passou a ser em soluções de automação e comercial, incluindo operação de caixas eletrônicos e terminais de autoatendimento. A Oki Electric Industry também comprou 70% do controle da organização, marcando o fim da Itautec e a origem da Oki Brasil.
A Comércio de Componentes Eletrônicos (CCE) foi fundada pelo empresário Isaac Sverner muito antes do início da reserva de mercado brasileira, em 1964. Originalmente, no entanto, a companhia nasceu como uma simples importadora e comerciante de aparelhos eletrônicos.
Em 1971, a empresa deu seus primeiros passos na fabricação de produtos eletrônicos. Rádios gravadores, rádio relógios e toca-discos estiveram entre os primeiros produtos portáteis produzidos pela CCE, que passou a fabricar dispositivos na Zona Franca de Manaus.
Com a transformação do mercado brasileiro e o avanço da computação pessoal, nos anos oitenta a companhia entrou no segmento da informática. O MC1000 foi o primeiro computador doméstico de fabricação própria da empresa. Já o MC4000 foi voltado para aplicações pessoais e empresariais com hardware e software compatíveis com o Apple II Plus.
A empresa segue diversificando sua atuação, e entrou em mercados com o de eletrodomésticos e até de jogos eletrônicos. Em computadores pessoais, continuou no desenvolvimento de computadores pessoais, incluindo desktops, notebooks e all-in-ones. Em 2012, a empresa era a maior fabricante do polo industrial de Manaus. Foi adquirida naquele ano pela fabricante chinesa Lenovo, por R$ 300 milhões – dois anos depois, chegou a alcançar a liderança de mercado de PCs no país dois anos depois. Em 2015, a negociação foi desfeita e o controle da empresa, devolvido à família Sverner.
A Microdigital Eletrônica Ltda. foi fundada em 1981 pelos irmãos George Kovari e Tomas Kovari. Naquele mesmo ano, a empresa começou produzir microcomputadores adaptados da fabricante inglesa Sinclair, como o TK80 – um clone do inglês ZX80. Ao longo dos anos oitenta, lançou outros dispositivos da linha TK, também clonados da Sinclair e voltados para uso pessoal ou para pequenas e médias empresas.
Com a oficialização da reserva de mercado a partir de 1984, a Microdigital ganhou mais espaço no mercado nacional e ampliou seus negócios. Chegou a operar três plantas industriais, sendo uma na Zona Franca de Manaus e duas em São Paulo. Citando o Museu da Computação e Informática, o Estado de S.Paulo aponta que a Microdigital chegou a alcançar 60% do mercado nacional de computadores.
Em 1983, a Sinclair chegou a mover um processo contra a Microdigital – e também a Prológica – na Justiça brasileira por violação de direitos autorais do firmware da companhia. O processo introduziu o Brasil ao tema de proteção de software e gerou a expectativa de que o país estabelecesse alguma legislação sobre isso. Dois anos depois, a Sinclair foi derrotada em
primeira instância.
Em 1985, a companhia atingiu o ápice de seus negócios com o TK90X, cópia do ZX Spectrum que trouxe melhorias em relação ao modelo original. Neste mesmo ano, a Microdigital chegou a comercializar modelos fora do Brasil, na Argentina e Uruguai. Com a abertura da economia brasileira no começo dos anos noventa, a empresa encerrou as atividades em 1992.
A Prológica Indústria e Comércio de Microcomputadores Ltda, ou Prológica, foi fundada em 1976 por Joseph Blumenfeld e Leonardo Bellonzi. A companhia começou sua atuação no setor de máquinas de contabilidade eletrônicas, primeiro como distribuidores, mas logo depois como produtores.
Nos anos oitenta, a companhia começou a atuar no mercado da informática. O Sistema 700 foi o primeiro modelo de microcomputador da Prológica, lançado em 1981. No ano seguinte, a linha CP 200 é lançada, um clone dispositivo ZX81, da montadora inglesa Sinclair – também copiado pela Microdigital. Nos próximos anos, a companhia lançaria uma série de outros modelos da linha CP e ganharia espaço. Segundo reportagem do Jornal do Brasil publicada em setembro de 1984, a empresa terminaria aquele ano com 84 mil computadores fabricados.
A Prológica teve uma disputa judicial com a Microsoft Corporation em 1990 por conta do SO 16, versão brasileira traduzida do sistema operacional MS-DOS. Com a abertura do mercado brasileiro para concorrentes estrangeiros, a empresa também não acompanhou a transformação do mercado nacional de informática e descontinuou seus negócios em meados dos anos noventa.
*Esta é uma das reportagens da série Especial Dia da Informática 2023, celebrado em 15 de agosto. Confira aqui o especial completo.
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