Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Em meio à pandemia, pessoas negras relatam episódios de racismo ao usar máscara

Mesmo sendo um item de uso obrigatório para conter disseminação da Covid-19, a máscara se tornou objeto de racismo contra pessoas negras. À Marie Claire, quatro delas contam suas histórias.

A fundadora do bloco de carnaval e associação Ilú Obá de Min, Beth Beli (Foto: Arquivo pessoal)

Beth Beli, fundadora do bloco de Carnaval e associação Ilú Obá de Min  (Foto: Arquivo pessoal)


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"Além da pandemia, que afeta a todos, nós negros temos que passar por situações de racismo que acabam nos deixando ainda mais fragilizados nesse momento", diz o modelo Rodrigo Somália, de 32 anos. A  frase descreve a sensação de outras pessoas negras que vivenciaram episódios de racismo ao usar o item necessário e obrigatório em meio à pandemia: a máscara.

À Marie Claire, o modelo e outras três mulheres, Nayara Barros, de 30 anos, Beth Beli, 52, e Dandara Motta, 27relatam as situações que causaram a eles a sensação de que o "racismo não entra em quarentena". Numa busca pelas palavras "sofreu", "racismo" e "máscara" no Twitter encontramos outras histórias que mostram que, infelizmente, esses relatos não são os únicos. 

Em maio deste ano, o jornalista Manoel Soares, 40, disse ao vivo no programa É De Casa, da TV Globo, que sofreu racismo nas redes sociais. Ao ter uma foto usando máscara divulgada na web, leu o comentário de um internauta dizendo: "Esse preto de máscara. Assalto?". Na época, Soares lamentou e alertou sobre racismo ser crime. 

Rodrigo Somália (Foto: Reprodução/ Instagram)

Rodrigo Somália (Foto: Reprodução/ Instagram)


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"Um mix de sentimentos"

O modelo Rodrigo Somália passou por essa situação três vezes: em um supermercado, em uma farmácia e numa perfumaria na Zona Sul de São Paulo. "Quando coloquei o pé na loja, as funcionárias, principalmente a dona, mudaram o semblante. Perguntei sobre um produto, ela me indicou onde estava e, em nenhum momento, tirou os olhos de mim", descreve. "Ela chegou a fazer um sinal, alertando a funcionária que estava no caixa. A proprietária e outras duas mulheres estavam afobadas. Certamente achavam que eu ia assaltar a loja." 

Rodrigo diz que, em situações como essa, ele tem que ser "teatral". "Faço uma cena para mostrar que não vou roubar a loja: falei que era o rapaz que ligou há pouco tempo, para mostrar que estava interessado", diz ele. "Mesmo dizendo isso, ficou um clima tenso no ar. Comprei o que eu precisava, só porque não queria perder a viagem, mas a vontade era de virar as costas e ir embora. Não tinha mais clima para ficar ali."

Isso, no entanto, não elima a sensação de frustração, diz Rodrigo. "É um mistura de sentimentos: a gente fica triste, bravo e com raiva de não ter tido uma atitude de 'bater de frente'. Eu poderia ter colocado os pingos nos 'i's', mas, ao mesmo tempo, tentei tirar isso da mente e seguir a vida. Infelizmente não será a primeira nem última vez que vou viver situações como essa." Após a experiência, Rodrigo fez um relato num post em seu Instagram.

"Não acredito que você está me seguindo"

A publicitária Nayara Barros estava em um comércio em Osasco, na grande São Paulo, quando recebeu olhares que considerou inadequados. "Já estava acostumada a comprar na loja, entrei e fui rápido para o corredor que eu precisava. Com a pandemia, não fico enrolando na loja, não pego nem a cestinha, seguro na mão e já vou pro caixa. Vi que tinham duas opções boas pra mim, mas estavam sem preço, chequei o preço de cada uma, isso tudo com muita pressa e, detalhe, a bolsa que eu estava não tinha fechamento com zíper, era aquela estilo sacola. Nessa correria, já senti que tinha alguém me seguindo. Estava com uma máscara preta e com uma jaqueta grande. Sendo preta, eram as características pro segurança pensar que eu iria roubar algo. Pensei 'não é possível que estou sendo seguida', quis fazer um teste e fui pra outro corredor, ele veio atrás de mim. Fui em outro corredor e ele veio atrás, voltei para o primeiro e ele parou atrás de mim, logo falei: 'não acredito que você está me seguindo'", lembra.

"Ele negou que estava me seguindo, mas na sequência disse 'temos que evitar perdas e furtos na loja. Não aguentei e falei pra ele: 'então você está deduzindo que eu vou roubar algo? Por que? Porque sou preta e estou com uma bolsa aberta? Não vi você seguindo mais ninguém'", contou. Nayara diz que a discussão continuou, ela pediu respeito e disse que só não chamaria a polícia pois estava cansada e com pressa.

Nayara Barros, 30 anos (Foto: Arquivo pessoal)

Nayara Barros, 30 anos (Foto: Arquivo pessoal)


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"Quem é preto sabe que atos racistas não são só verbais"

A fisioterapeuta Dandara Motta foi comprar algumas coisas que faltavam em sua casa em um mercadinho do bairro onde mora na Vila Industrial, em Campinas. "Quando cheguei na fila do caixa, a moça da minha frente escondeu o celular na bolsa. Quem é preto sabe que os atos racistas não são só verbais, eles acontecem de diversas formas. Eu vi que a mulher ficou com medo de mim e se eu estivesse sem máscara ou fosse uma mulher branca, talvez ela não faria o mesmo", conta.

Dandara, que faz parte da organização do Festival Comunitário Negro Zumbi, no interior de São Paulo, ficou calada na hora, mas levou a conversa para seu grupo de amigas e amigos. "Nem consegui dizer nada, mas agora comprei máscaras com estampa de tecido africano e vou continuar combatendo o racismo", diz.

"Atitudes racista deixam marcas profundas em nós"

A fundadora do bloco de carnaval e associação Ilú Obá de Min, Beth Beli foi vítima de racismo por um dos sócios de uma padaria no Centro de São Paulo. "Era 18 de maio e o uso da máscara já era obrigatório, então eu estava cumprindo. Estava na porta da padaria perguntado à caixa se ela tinha fermento biológico, quando ele [o sócio] começou a falar 'sai daqui, não temos nada pra te dar'. Seria impossível ele ouvir o que eu havia perguntado pois estava pelo menos a 6 ou 7 metros de distância. Ele realmente imaginou que eu era pedinte", diz.

"Em seguida, perguntei se ele estava falando comigo e ele repetiu 'saia daqui, não tenho nada pra te dar'. Minha pressão caiu e eu não conseguia respirar. Voltei para casa onde estava minha filha e amiga e comecei a chorar", lembra Beth, que denunciou o caso como racismo.

"É importante denunciar para mudar as atitudes da branquitude e também ir em frente com as nossas lutas por respeito à população negra. Somos a pilastra da economia brasileira, construímos algo de muito valor. Somos a maioria da população brasileira, então não é mais possível isso acontecer e nós pretas e pretos nos silenciarmos mais. Precisamos respirar e viver livremente, nascemos livres. O brancos tem que saber que as atitudes racistas deles  deixam marcas profundas em nós", diz Beth. Após a denúncia, ela acabou sendo acusada de calúnia, "fui ouvida esta semana e, agora, o inquérito segue os trâmites legais".

  • PRISCILLA GEREMIAS
  • DO HOME OFFICE

https://revistamarieclaire.globo.com/Comportamento/noticia/2020/06/...

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