Sem fôlego para pagar compromissos financeiros, a Máquina de Vendas, que resultou do casamento entre a Ricardo Eletro e a Insinuante, negocia diretamente com três grandes bancos — Itaú Unibanco, Bradesco e Santander — a reestruturação de sua dívida. Os débitos com esses credores já equivalem a 51% do patrimônio do terceiro maior grupo varejista no segmento de eletroeletrônicos e eletrodomésticos, afirma uma fonte próxima às negociações. E levanta questionamentos sobre o risco de perda do controle da operação para as instituições financeiras.
— Não há interesse dos bancos em tomar o controle da companhia. O que vem sendo feito é uma reestruturação da dívida, com reduções das taxas de juros, discussões sobre como melhorar a liquidez, subordinar dívidas a outras empresas ligadas ao grupo. É uma forma dos bancos receberem parte do que é devido e, se lá na frente a Máquina voltar a ser sadia, até reaver valores hoje já vistos como perdas — explicou essa fonte.
A companhia, avaliam especialistas, estaria adiando ou à beira de um inevitável pedido de recuperação judicial.
— Com o agravamento da crise econômica, os grandes bancos passaram a negociar diretamente com os devedores, principalmente em casos em que o passivo está muito concentrado em poucas instituições financeiras — explica a advogada Juliana Bumachar, especialista em recuperação de empresas.
Interessa aos bancos, continua ela, negociar antes de a empresa em dificuldades pedir proteção à Justiça:
— Na recuperação judicial, os grandes credores terão de entrar na corrida para ver quem negocia melhor e na frente, para tentar receber. Então, o melhor é negociar antes — diz ela.
TERCEIRA RODADA DE NEGOCIAÇÕES
A reengenharia das finanças da Máquina de Vendas ganhou força em 2016, baseada em redução de despesas, fechamento de lojas e renegociação de dívida. A companhia encara, atualmente, a terceira rodada de renegociação de dívidas com os grandes bancos credores.
— É um problema muito grande. Houve uma primeira negociação com foco nas dívidas de longo prazo. Na segunda, já foi preciso refinanciar, além do longo prazo, também as linhas de capital de giro. E isso está acontecendo novamente — diz Ana Paula Tozzi, da AGR Consultores.
Um dos grandes impactos no caixa veio das dificuldades em cumprir os pagamentos previstos pela emissão de debêntures no valor de R$ 874 milhões feita em 2014. A solução foi encontrada em uma nova operação, que praticamente dobra o valor da primeira emissão, para pagar dívidas e rolar os débitos para adiante, conta Ana Paula.
Em 2015, as vendas da companhia encolheram 10%. O Ebitda, indicador de caixa, despencou de R$ 461 milhões em 2014 para R$ 80 milhões no ano seguinte. Com isso, os riscos que acompanham o alongamento da dívida podem comprometer o futuro do negócio, avalia Luís Alberto Paiva, da Corporate Consulting, também de recuperação de empresas.
— Essas rolagens de dívidas por até dez anos com redução de taxa de juro têm um custo que abala o resultado da companhia no longo prazo. Mas os bancos vão negociar porque não podem ter um calote na casa da centena de milhões em seus balanços.
O pedido de recuperação poderia estar sendo adiado à sombra de uma possibilidade de venda da companhia, explica Paiva. Mas também isso deveria ocorrer sob proteção judicial, diz ele:
— Só a recuperação permitiria ajustar a estrutura financeira da empresa ao tamanho da operação e da receita. E a companhia poderia criar uma unidade produtiva independente (UPI), com o que tem de melhor. E ceder essa unidade como parte do pagamento a esses credores. Essa UPI poderia ser vendida, com a vantagem de que o comprador não herdaria os passivos.
COM RECESSÃO, DIFICULDADES AUMENTARAM
As dificuldades do grupo foram agravadas pela recessão. As vendas do comércio varejista encolheram 6,2% em 2016, segundo o IBGE. Foi o pior resultado na série iniciada em 2001, com recuo de 12,6% no segmento de móveis e eletrodomésticos.
— Os lojistas do segmento dizem que venderam acima do esperado em janeiro, pela queima de estoque de Natal, e março, efeito do saque das contas inativas do FGTS. Mas a retomada só é esperada para o segundo semestre, quando o mercado de trabalho deve melhorar — diz Maria Paula Cantusio, analista do segmento de varejo da BB Investimentos.
Nesse cenário, vêm ocorrendo mudanças no setor:
— O Magazine Luiza ganhando mercado desde 2014, com expansão em vendas pela internet e nas operações regionais. A Via Varejo (que reúne Ponto Frio e Casas Bahia) vem atraindo investidores interessados em comprar a fatia do Grupo Pão de Açúcar na empresa. Esses investidores poderiam, eventualmente, se interessar pela Máquina de Vendas — diz Maria Paula, que destaca que o grupo da Ricardo Eletro sofre com a ampla rede de lojas físicas, que tem custo fixo alto.
A Máquina de Vendas foi criada a partir da união de Insinuante e Ricardo Eletro em 2010. Entre o surgimento da companhia e 2012, o grupo adquiriu outras três varejistas: City Lar, Eletro Shopping e Salfer. Desde o ano passado, colocou todas as marcas sob a bandeira Ricardo Eletro. Atualmente, tem 800 lojas em 23 estados, além do Distrito Federal, tendo fechado mais de uma centena ao longo de 2016, segundo fontes de mercado. Ao todo, são mais de 17 mil funcionários diretos.
A operação do terceiro maior grupo do segmento — atrás de Via Varejo e Magazine Luiza — está de pé, mas reflete a fragilidade do caixa. O portfólio de produtos e a composição de preços dos itens que a companhia vendeu no último Natal, por exemplo, destaca Ana Paula, já refletiam o ciclo de endividamento crescente:
— Eles entraram no Natal com estoque de produtos menos atualizados, que foram repassados a eles pela indústria com preços mais competitivos e que eles venderam com preços ainda menores.
Procurados, Bradesco, Santander e Itaú Unibanco não comentaram. A Máquina de Vendas não respondeu.
Fonte: O Globo
http://sbvc.com.br/ricardo-eletro-negocia-bancos/
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