A Folha publica nesta segunda uma entrevista concedida pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso a Fernando Rodrigues. Reputo o tucano, todo mundo sabe, o governante mais importante do Brasil em muitas décadas. Em razão de valores que nem são os dele, mas são os meus, ele ocupa um lugar superior na minha galeria ao de Getúlio Vargas. Não aplaudo políticos que põem o país em risco quando matam ou quando se matam. Não tolero nem ditadores nem mártires porque as instituições sempre pagam o pato. O grande valor de FHC foi ter deixado instituições melhores do que encontrou. E há, claro!, o Plano Real, que teria naufragado sem a sua habilidade política.
Não gosto da obra de alguns políticos, mas gosto de sua visão de futuro e de suas prefigurações. De FHC, prefiro a obra. Ainda que seja notavelmente inteligente – e é, como poucos –, acho que erra bastante quando faz análise de conjuntura e quando pensa os próximos passos da oposição. É um erro pessoal que reflete as indecisões e indefinições do seu partido, o PSDB. Vai aqui uma constatação e uma mirada de futuro: ou esse partido se dá conta das suas dificuldades e de seus erros (que não são, a meu ver, os que ele aponta) e cria um fato político novo – QUAL??? –-, que corresponda uma real mudança interna, ou as coisas ficarão muito difíceis.
Deu-se de barato, até as eleições presidenciais de 2010, que é o PSDB a alternativa de poder ao PT. Não são poucos os que consideram, e essa questão começa a tomar corpo também para mim, que a chance de o PT ser apeado do poder está não numa candidatura tucana, mas num racha do bloco hoje governista. E a entrevista de FHC explica por que, a cada dia, menos gente aposta que os tucanos terão condições de desalojar os petistas do poder. Comento em azul alguns trechos de sua entrevista, que seguem em vermelho. No fim, volto para arrematar.
Folha/UOL – A crise econômico-financeira internacional colocou na defensiva as ideias liberais. Essa onda muda a abordagem de partidos como o PSDB?
Fernando Henrique Cardoso - Os que estão no governo passaram a ter uma espécie de perdão para utilizar recursos públicos para reativar a economia.
O PSDB nunca foi um partido que tivesse muito amor pelo mercado. Como todos os partidos brasileiros, as pessoas gostam mesmo é de governo, é de Estado. Isso desde Portugal, da Península Ibérica. O grande ator, querido, é o governo.
Estamos de volta a “Os Donos do Poder”, de Raymundo Faoro, e a “Raízes do Brasil”, de Sérgio Buarque de Holanda. O “amor” dos brasileiros pelo estado teria sido herdado. É inegável, mas incompleto. Acho que FHC deveria ter sido mais explícito, deixando claro que os tucanos nunca foram (e aqui digo eu: infelizmente!) liberais. Nem ele próprio. A privatização de algumas estatais nunca significou opção pelo neoliberalismo. O ex-presidente perdeu a chance de apontar a grande fraude intelectual petista. Cumpria destacar ainda as privatizações recentemente feitas por Dilma, não é? São diferentes daquelas do passado num única aspecto: o improviso.
(…)
O PSDB nasceu de centro-esquerda. Em eleições recentes, abordou temas morais e religiosos. Deslocou-se para a centro-direita. Por quê?
Por engano eleitoral. Esses temas são delicados. Acho que você tem que manter a convicção. Você pode ganhar, pode perder. Em termos de comportamento e de valores morais, o PSDB tem que se manter progressista. Quando não se mantém, não tem o meu apoio. Eu não vou nessa direção.
Há vários equívocos aí, a começar da pergunta. Se eu pedir a Fernando Rodrigues que aponte uma só peça de propaganda eleitoral do PSDB que toque nos tais problemas morais e religiosos, ele não conseguirá apontar. Não existe. Em 2010 e neste 2012, quem primeiro se ocupou dessas questões, e de maneira preventiva, foi o PT. Isso é apenas um fato. A tática é quase infantil, mas dá certo, como se nota.
FHC endossa a inverdade e segue adiante com esta formulação que dá pano pra manga: “Em termos de comportamento e de valores morais, o PSDB tem que se manter progressista”. É mesmo? E em que o partido poderia ser, sei lá, “conservador”? Em economia?
O ex-presidente não se dá conta de que tenta a quadratura do círculo – ele e os tucanos todos. Foi Dilma quem primeiro levou a questão do aborto para a disputa em 2010. Foi Fernando Haddad quem primeiro levou a questão do kit gay para a eleição neste 2012. O ERRO DO PSDB, NOS DOIS CASOS, FOI TER FUGIDO DO DEBATE.
Questões chamadas nesta entrevista de “morais e religiosas” são tema de disputa eleitoral em todo o mundo democrático – ou será que minto, presidente? E jamais ocorreria a alguém tentar deslegitimá-las. Uma das perdições dos tucanos está, justamente, em tentar fazer um campeonato de “progressismo” com o PT.
O sr. tem dito que o PSDB tem que se aproximar mais “do povo”. Como fará isso?
Os partidos, por causa de uma mudança tão rápida no Brasil, ainda continuam com uma visão de sociedade anterior à atual. A atual é essa do UOL, da pessoa que fica aí navegando o tempo todo, que tem informação fragmentada. Minha tese é a seguinte: é preciso ouvir. Não é pregar. É ouvir. É reconectar com o que está acontecendo com o país.
Não entendi nada! Na entrevista, o ex-presidente cita até a novela Avenida Brasil, a tal nova classe média, o Elio Gaspari, o andar de baixo, o andar de cima… Fiquei com a impressão de que o ex-presidente está tateando a escuridão.
(…)
Como é a capacidade gerencial do atual governo?
Alguém me perguntou a respeito de o PIB ter crescido pouco: ‘Isso quer dizer que a presidente Dilma é má administradora?’. Não. O PIB cresceu pouco por mil razões. O erro, que eu acho que houve, é que o governo se colou ao PIB. Não precisava. Não acho que se deva colar na presidente Dilma [a queda do PIB]. Ela é que pode se colar nisso. Aí fica mal para ela.
Como se cantaria em Avenida Brasil, “Oi, oi, oi…” Se vocês notarem bem, FHC fala como conselheiro de Dilma, não como representante da oposição. Nem mesmo admite que ela é uma má administradora. Bem, se não é, então tudo bem! Trocar pra quê? Na sequência, o entrevistador indaga se a crítica à incompetência gerencial do governo é um bom discurso para a oposição. FHC responde: “A governança está falha. Mas campanha é outra coisa. Isso [falar da governança] pega quem? Por enquanto, não pega o povo.”
(…)
O sr. conviveu com alguns dos réus que foram condenados no mensalão. José Genoino, José Dirceu. O que o sr. achou dessas condenações?
Eles não foram condenados pelo que eles são. Mas pelo que eles fizeram. Uma coisa é você ser um bom homem. De repente, eu fico com raiva, dei um tiro e matei alguém. O que eu vou fazer? Vou para a cadeia.
Nunca vi nada do Genoino. É uma pessoa bastante razoável. O José Dirceu é um quadro. Eu respeito as pessoas que têm qualidade de quadro. Acho um episódio triste. Porque essa gente ajudou muito o Brasil no passado.
Taí! Dirceu estava esculhambando FHC ontem em seu site, mandando, na prática, o tucano ficar calado. Notem: nessa resposta e naquela sobre costumes e religião, quem fala é sociólogo que já foi de esquerda e que, em muitos aspectos, continua a sê-lo, ainda que os anos de governo o tenham empurrado para o pragmatismo. Dirceu e Genoino movem campanhas públicas contra o STF, como todo mundo sabe. O que quer dizer o trecho “José Dirceu é um quadro, e eu respeito pessoas que têm qualidades de quadro?” É próprio de um quadro se reunir com autoridades do governo em quartos de hotel? É próprio de um quadro articular uma CPI para perseguir jornalistas e o procurador-geral da República?
O PSDB está com o discurso afinado para 2014?
Não. Falta o que na esquerda costuma-se dizer “fazer a autocrítica”.
***Xiii, Marquim!!! Autocrítica? Talvez falte. Mas falta mesmo é fazer oposição. O PSDB entrou em greve em 2005, quando decidiu recuar e não articular o impeachment de Lula – estratégia que contou com o apoio de FHC – e não voltou mais ao trabalho.
(…)
Aécio deveria acelerar a busca do discurso? Está na hora?
Acho. [Deve] assumir mais publicamente posições. Falar, fazer conferência, viajar. Nossos políticos precisam voltar a tomar partido em bola dividida. A busca das coisas consensuais mata a política. E mesmo se for o caso de ser candidato, que diga que é. Acho que ele deve assumir.
Pois é… Com isso, concordo. Se Aécio será o candidato, tem de ir já à luta já. Com efeito, “a busca das coisas consensuais mata a política”, mas o que vi nessa entrevista foi um FHC em busca das… coisas consensuais!!!
Cadê a polarização?
Em praticamente todas as democracias do mundo, tem-se, na prática, o bipartidarismo. “Progressistas” disputam as eleições com “conservadores”, em confrontos realmente polarizados. Também o Brasil da redemocratização foi assim. Se o PSDB, em 1994 e 1998, não vestia o figurino conservador – ainda que contasse com o apoio do então PFL –, o PT se encarregava de falar a língua das esquerdas, e o confronto seguia, vamos dizer, o molde corriqueiro dos demais regimes democráticos.
A partir de 2002 (e com mais ênfase de 2006 para cá), o petismo renunciou à cascata socialista, associou o estado às demandas do grande capital – daí que seja hoje o preferido dos potentados da indústria e da área financeira – e acelerou os tais “programas sociais”, que se transformaram em verdadeiras máquinas caça-votos. Atenção! Não há grande novidade nisso, não! Os partidos ditos “progressistas” fazem escolhas semelhantes no mundo inteiro. A rigor, poderíamos dizer que o próprio PT jogou a pá de cal naquele antigo partido de esquerda!
A jabuticaba brasileira é outra. O “partido progressista” está aí. Mas pergunto: onde está o partido conservador? A entrevista de FHC deixa claro, mais uma vez, que não é e que não será o PSDB. Existem conservadores no Chile, na França, na Alemanha, no Reino Unido, nos EUA, na Colômbia, na Índia… Até na Venezuela, no Equador e na Bolívia eles disputam eleições – por enquanto… No Brasil, todo mundo, inclusive o PSDB, é, como se nota, “progressista”… No Brasil, até Paulo Maluf canta “Lu-lá; Lu-lá” em festas do PT!
Caminhando para a conclusão
A quem fala o PSDB e em nome de quais valores? Hoje, pensando no partido em escala nacional, não dá para saber. Eis um erro brutal de FHC: a maioria da população brasileira, em costumes, é conservadora. Se um dos principais formuladores dos tucanos acredita que se deve fugir desse debate como o diabo, da Cruz, então esqueçam. Os republicanos chegaram perto, sim, de fazer de Barack Obama um dos poucos presidentes da história americana a não ser reeleito – a chance de um republicano suceder o democrata é gigantesca. Por lá, conservadores falam com clareza.
A inexistência de uma alternativa conservadora no Brasil – infelizmente, o PSDB ocupa esse lugar estrutural, mas que não lhe pertence – está começando a pôr em risco a própria ideia de alternância de poder. É claro que é ruim para a democracia. Até porque o PT não é mais socialista, mas está longe de ter se convertido à democracia, como estamos cansados de saber.
Conclusão
A única chance de o PSDB se tornar viável eleitoralmente, com Aécio Neves ou outro qualquer, é mandar uma mensagem nova ao eleitorado brasileiro. Que novidade seria essa? Entendo que ela deveria ter dois pilares: a) o primeiro é a efetiva unidade, o que não se tem, é evidente, desde 2002; quais autores se apresentam para construí-la?; b) o segundo pilar é a crítica organizada, estruturada e clara às disfunções do modelo petista de gestão. Sem o primeiro, não se tem o segundo; sem o segundo, pra que o primeiro? Eu me atreveria a sugerir ainda um terceiro, com chances reduzidíssimas de ser erigido: c) o PSDB não deveria ter medo dos eleitores conservadores, mas tem. Afinal, como é mesmo?, os tucanos “têm que se manter progressistas”…
Fonte:http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/
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