Estridência, verborragia e histrionismo nunca forma marcas registradas do Instituto Blinder & Blainder. Raras vezes ele parte para a ignorância ou apela para o tom do denuncismo lacerdista (coisa de corvo). A opção preferencial é o bom senso, o ceticismo e até uma dose de otimismo (mesmo sobre o Brasil). Assim, a escolha de um primeiro texto da imprensa internacional para falar do novo/velho Brasil de Dilma Rousseff foi o confiável El País. Para quem acompanha a coluna, é fato sabido que o jornal espanhol é um dos favoritos. É de centro-esquerda, mas aqui não há filtro ideológico. Outro favorito é o conservador The Wall Street Journal. Para facilitar a minha vida e a dos leitores, selecionei um texto da edição em português do espanhol confiável, escrito por Carla Jimenez. Boa leitura.
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El País
Logo após receber a ligação do seu médico para avisá-la que o exame de biópsia constatara um câncer nos gânglios, a então ministra Dilma Rousseff soltou um longo suspiro e desabafou com seu secretário particular – “A vida não é fácil. Nunca foi.” A frase, proferida no dia 17 de abril de 2009, fazia todo sentido para uma mulher que viveu provações que poucas pessoas já tiveram de enfrentar. Sobreviveu às torturas da ditadura militar, e superou o câncer antes mesmo de se tornar a primeira presidenta eleita do Brasil, em 2010. Agora, Dilma assume o segundo mandato presidencial, ciente de que novamente a vida não está sendo fácil, como nunca foi.
Diferente de outros percalços que a vida lhe impôs, algumas das dificuldades atuais são consequências de erros cometidos por ela ao longo destes quatro anos, que vão exigir uma capacidade de renovação e de jogo de cintura muito mais árdua do que em 2011. Naquele ano, Dilma, que nunca havia disputado um cargo eletivo, saía de uma campanha vitoriosa, depois de percorrer o país, onde constatou um clima de “otimismo e confiança”’, como relatou o jornalista Ricardo Amaral, no livro A vida quer é coragem, a trajetória de Dilma Rousseff, a primeira presidenta do Brasil. O país queria continuidade das conquistas de Lula, e sua sucessora prometia que assim seria.
Ao se despedir de 2014, o Brasil não exalava o mesmo sentimento de quatro anos atrás, quando ela foi eleita com 55,7 milhões de votos, 12 milhões a mais do que o seu principal rival, o tucano José Serra. Na noite do dia 26 de outubro deste ano, quando os brasileiros votaram no segundo turno, ela ainda não tinha certeza se estenderia sua jornada no Palácio da Alvorada ou se seria derrotada por Aécio Neves, que capitalizou como nunca a torcida anti-PT. As patinadas na economia, a inflação persistente, as denúncias de corrupção na Petrobras, a negação da crise, os gastos excessivos na preparação da Copa do Mundo, a catarse dos protestos em 2013… As urnas já não seriam as mesmas para Dilma, e ela acabou vencendo por uma diferença de apenas 3,4 milhões de votos. Desde que a sua reeleição foi confirmada, Dilma ainda teve de enfrentar protestos e gritos de impeachment nas ruas dos mais exaltados, que inclusive diziam preferir a ditadura militar à ditadura bolivariana de Dilma.
Quando se faz a avaliação individual do estilo da presidenta, há uma lista de críticas para justificar as resistências ao nome de Dilma. Entre elas, a dificuldade em reconhecer seus erros, o estilo centralizador de governar, o discurso de otimismo com a situação econômica quando os números mostram outra realidade, e a tentativa de assumir que mudanças mais importantes para o país só aconteceram depois dos anos do PT no poder. Ao menos dois desses defeitos já estariam começando a ser corrigidos com a nomeação do novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, cuja missão inclui consertar os desvios praticados na política econômica, que exigiram manobras contábeis indigestas para que o país não fechasse o ano com as contas públicas no vermelho.
Ao nomeá-lo, ela estaria baixando a guarda para um estilo diferente do seu, mas necessário para avançar. Essa leitura teria sido confirmada pelo ex-ministro Antônio Palocci em conversa com interlocutores do mundo empresarial. “A presidenta Dilma conhece muito bem o Levy. Se o escolheu é porque está consciente da necessidade de uma nova abordagem”, teria dito Palocci, uma das pessoas que mais conhecem Dilma – foi coordenador da campanha da primeira eleição dela e foi seu primeiro ministro da Casa Civil – e que melhor conhecem Levy. O novo ministro da Fazenda trabalhou como chefe do Tesouro na equipe de Palocci no primeiro governo Lula. Assim, sai de cena o otimismo exagerado de Guido Mantega, entra o realismo seco de Joaquim Levy, que já deixou claro que práticas insustentáveis na economia estão descartadas.
Essa capacidade de delegar, porém, ainda será testada. Dilma chega ao final do primeiro mandato – e início do segundo – com a credibilidade desgastada, embora a última pesquisa de opinião sobre o seu Governo tenha marcado que 52% dos entrevistados aprovam sua maneira de governar. Isso antes de que ela escolhesse nomes impopulares para seu ministério, como o de Katia Abreu, para a Agricultura, de Helder Barbalho, para a Pesca, ou de Gilberto Kassab, para Cidades. Os três, que representam partidos aliados, gozam de uma impopularidade. De processos por improbidade administrativa, no caso de Barbalho, ao pouco caso com o meio ambiente, no caso de Abreu, até a falta de tato com a gestão urbana, de Kassab. Mas, Dilma 2.0 estaria, com esse staff, assegurando sua base de sustentação para garantir os próximos quatro anos.
Dilma também se confirma no poder com um PT dividido, nocauteado pelas denúncias na Petrobras. A suspeita de que o esquema de corrupção teria beneficiado a eleição de muitos nomes do partido vai persegui-la até 2018, quando deve deixar o Governo. Em tese, ela precisa chegar ao final do segundo mandato com um desempenho acima da média para não frustrar o projeto político dos petistas de reeleger Lula, seu padrinho político, que teria engolido seco quando sua sucessora pediu para concorrer à reeleição, contrariando o projeto inicial de que ele voltasse ao poder agora e não ela. Verdade ou não, o fato é que o sucesso do seu Governo é condição sine qua non para que o partido encontre uma saída para sua própria crise de identidade e assim estenda sua permanência.
Até lá, há muitos cômodos para arrumar nessa casa, que conta com 39 ministérios. Um dos mais urgentes é o de Relações Exteriores e o de Desenvolvimento, para injetar doses cavalares de ousadia em sua política externa, que ficou em segundo plano enquanto as commodities perderam valor no mercado internacional, e deixaram de patrocinar os robustos resultados da balança comercial. Reforçar as relações com os Estados Unidos, avançar num acordo com a União Europeia, estreitar laços com os países da Aliança do Pacífico, aumentar a exposição do Brasil lá fora não se torna somente um passo importante do ponto de vista diplomático mas fundamental para ampliar o comércio brasileiro com o resto do mundo.
A reinvenção de Dilma neste segundo mandato pode ser uma ilusão ou um fato concreto que venha a surpreender o mundo, se seguir o mito da jornada do herói, que supera as piores provações depois de corrigir suas fraquezas. A areia já começou a escorrer na ampulheta para conhecer o veredito final.
http://veja.abril.com.br/blog/nova-york/dilma-rousseff/a-espera-da-...
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