Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Estado de direito em transe: a gravata de Barroso, a foice do MST e as espingardas dos índios. Com que armas se ataca a legalidade?

Publico, abaixo, um post dando conta de como a propriedade está sendo tratada no campo por lideranças indígenas industriadas por ONGs e padres de tacape e pelo MST. O alvo não é só a propriedade privada, porque esta é apenas a dimensão material da questão conceitual, que é mais ampla. O alvo é o estado de direito; o alvo é o regime de leis; o alvo é, em última instância, a ordem jurídica que temos, considerada, como veremos, “reacionária”, razão por que teria de ser mudada pelos iluministas de plantão. O que a muitos escapa é que essas agressões contínuas, permanentes, à legalidade são só a manifestação concreta, material, de uma revolução, esta sim, de natureza conceitual. E ela está em curso menos nas tribos do que nos palácios de Justiça; menos nos acampamentos e invasões do MST do que em ambientes engravatados e eventualmente acadêmicos.

Ontem, a CCJ do Senado sabatinou Luís Roberto Barroso, já ministro do Supremo (só falta a posse), que teve o nome aprovado, em seguida, pelo plenário da Casa. Oposição e situação se uniram num exercício constrangedor de rapapés, a confundir boa educação e lhaneza com subserviência. Ali, o que menos importava era o sentido das palavras. Sim, senhores! Mais de uma vez, nas respostas de Barroso, o que ouvimos foi a metafísica da física das invasões de terras; a metafísica da física, lamento ter de escrever isso (e lamento pelo Brasil, não pelo ministro), da agressão à ordem legal.

Barroso deu a sua versão do que se poderia chamar o bom e necessário ativismo judicial. Como destacou, o Supremo atua quando os demais Poderes deixam de cumprir o seu papel. Entendo. Transcrevo um trecho da reportagem da VEJA.com (em azul):
“Onde faltar uma norma, mas houver um direito fundamental a ser tutelado, o Judiciário deve atuar”, diz. “Quando há manifestação política do Congresso ou do Executivo, o Judiciário não deve ser ativista, deve respeitar a posição política.” Ele também chamou atenção para a culpa dos parlamentares no problema: “A questão da maior ou menor judicialização, no fundo está nas mãos do Congresso”.

Parece tudo bem, mas não está. O aborto de anencéfalos e a união civil homossexual foram usados como exemplos de “falta de norma”. Trata-se de um escândalo intelectual, para dizer pouco. Nesses dois casos, faltava “a norma”??? O artigo da Constituição que trata da união civil — e a estabelece como a celebrada entre homem e mulher — é o quê? O artigo do Código Penal que especifica as possibilidades do aborto legal — e não prevê o de anencéfalos — é norma ou ausência de norma? Gostaria agora de ver Barroso tentar provar que união civil e aborto constituem “direitos fundamentais” — neste segundo caso, diga-se, o direito fundamental que a Constituição protege é o direito à vida. Trata-se de um questionamento de lógica elementar, que não precisaria — e até nem deveria — ficar restrito aos parlamentares cristãos.

Não passaria
O que se ouviu ontem na CCJ foi a fala de um militante político. Transcrevo mais um trecho de reportagem da VEJA.com:
Luís Roberto Barroso também enfatizou aquilo que, para ele, é um dos principais papéis do Supremo: a defesa de grupos minoritários: “As minorias precisam de tribunais, porque o Congresso é a Casa das maiorias”, afirmou o advogado.
O jurista defendeu uma atuação do estado na redução das desigualdades sociais, afirmou que o debate religioso deve se manter na esfera privada e insinuou ser contra a redução da maioridade penal: “Reduzir maioridade penal aumenta pressão sobre o sistema prisional. É preciso medir as consequências”, disse ele.

Pois é…

Torça, leitor, para que, eventualmente pertencendo a algum grupo que o já ministro Barroso considera “maioria”, não ter de enfrentar no tribunal Sua Excelência a Minoria. Aí você estará lascado de saída. Ele o mandará bater às portas do Congresso: “É lá que você está representado”.

Trata-se de uma concepção torta de direito, que não encontra acolhida em lugar nenhum do mundo democrático. Com uma resposta como essa, um candidato à Suprema Corte americana ficaria em casa, chupando o dedo. Pra começo de conversa, Congresso não representa nem maioria nem minoria. Representa apenas.

Que tal a gente aplicar essa concepção de mundo aos conflitos agora em curso no campo? Suponho que o doutor considere que “a minoria” que invade as propriedades no Mato Grosso do Sul são os índios. Suponho que o doutor considere que a minoria que toma na porrada a fazenda da Cutrale e depreda o que encontra pela frente é o MST. Então cabe a constatação óbvia: o novo ministro do Supremo tem uma CAUSA ABSTRATA que está acima da causa concreta; o doutor tem um compromisso que está acima da norma; o doutor tem — e continuará a ter como juiz — uma missão que está acima da lei: fazer justiça com a própria toga, a despeito dos códigos que organizam a sociedade, das garantias que nos unem como nação, dos pactos que estabelecemos como civilização.

Visão escandalosa
Querem ficar derramando elogios a essa visão torta de direito? À vontade! Neste bloguezinho, não cola, não! “Você é irrelevante, Reinaldo”, grita o petralha. Tudo bem! Mas sou, então, um irrelevante que diz “não”. Se a Corte Máxima do país é o Poder das minorias, dado que o Judiciário também tem, em certa medida, o papel de Poder dos Poderes; dado que lhe cabe a função, no mais das vezes, de definir a última palavra, seja como corte constitucional, seja como corte suprema, então só nos resta constatar que, na concepção de doutor Barroso, uma das mais nobres missões do Supremo é ser injusto — desempatando as causas em favor dos “oprimidos” de sempre — para que possa… fazer justiça!!!

As coisas que o doutor disse na CCJ a uma maioria de deslumbrados seriam de pronto rejeitadas mesmo nas sociedades mais igualitaristas — desde que mantidas no escopo da ordem democrática. Isso é o que costumo chamar de “direito criativo”, de feitiçaria legal e constitucional. A cada fala do novo ministro em sua sabatina, abre-se uma fresta para o “tudo é permitido” se for para fazer a sociedade avançar. Não por acaso, em seu livro, ele já havia considerado, em tom de exaltação, que o Supremo Tribunal Federal está mais à esquerda do que o Congresso. E ele acha que estar “mais à esquerda” é, então, uma coisa boa. Vai ver coleciona exemplos, que desconhecemos, do bem que as esquerdas fizeram ao mundo.

Fez outras considerações que merecem reparo. Ainda vou transcrever a sua fala sobre o mensalão e o rigor maior ou menor do STF. Dado que as palavras fazem sentido, o texto é incompreensível. Buscou agradar ao Supremo, mas, pareceu-me, sem se descuidar dos mensaleiros, tratados como aqueles que teriam sido objetos de uma dureza inédita do tribunal, que, não obstante, não teria mudado a sua jurisprudência. Se não mudou, mas houve mais dureza, está se referindo a quê? Às figuras de linguagem adotadas na Corte?

Vamos ver
Barroso pode se tornar um ministro exemplar, e virei aqui para dizer: “Eis um ministro exemplar!”. Pode se mostrar um exímio aplicador da lei e da ordem constitucional, e não terei nenhuma dificuldade em aplaudi-lo. Mas não é essa a minha expectativa — de jeito nenhum! Reconheço, não obstante, que tem estilo, formação intelectual e experiência. Ocorre que consegue afetar um ar de sabedoria distante e superior ainda maior do que essas notórias competências, como se suas ideias transitassem num plano empíreo, inalcançável para aquele que o indagavam da planície.

Fosse assim, por exemplo, que pontificou que a religião, como é mesmo?, é algo que deve ficar na esfera privada, como se esta também não reunisse saberes, experiências e valores que estão na raiz da nossa organização. Se é certo que, numa democracia, não se pode impor a ninguém uma crença coletiva ou de estado, não é menos certo que essa mesma democracia pode ter nas religiões um conjunto de conteúdos que, ao não se submeter à lógica de estado nem ao pragmatismo da política — ou do direito, né, doutor?—, constitui uma reserva de humanismo e de ética que ilumina em vez de obscurecer o debate. E isso significa o óbvio: a crença de cada homem é matéria individual, mas a religião é uma experiência social e está na raiz das culturas.

Eu torço muito para que ele me decepcione. Para o bem do Brasil e da ordem jurídica.

Por Reinaldo Azevedo

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