Especialistas criticam opções do Planalto para incentivar a indústria no país e alertam para o risco de um retorno a políticas malsucedidas do passado
Plano Brasil Maior: detalhamento do projeto desagrada especialistas
Quando a presidente Dilma Rousseff anunciou o plano Brasil Maior em agosto, acenando com uma redução de 25 bilhões de reais em impostos à indústria, economistas avaliaram como benéficas algumas das medidas nele contempladas. Afinal de contas, o Planalto havia finalmente prestado atenção a uma antiga reivindicação do setor privado: diminuir a pesadíssima carga tributária que onera a produção. O plano incluía ainda incentivos para aumentar a competitividade nacional e uma proposta de defesa comercial por meio de uma fiscalização mais rigorosa, a ser executada pelo Inmetro, da qualidade dos produtos que entrariam no país. Mais que as ações, os sinais eram positivos, pois mostravam uma legítima preocupação do Executivo com a necessidade de ampliar a oferta de bens e serviços no país.
Não foi o que aconteceu. À medida que tem sido colocada em prática, a política industrial do governo Dilma – apoiada pelos ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Desenvolvimento, Fernando Pimentel – tem se revelado um amontoado de medidas desconexas. A depender do setor envolvido, há clara movimentação protecionista. Para outros, a palavra de ordem é atrair as empresas estrangeiras. Contudo, alertam os especialistas, o que predomina é a tendência de, em vez de criar condições para uma competição justa, proteger a todo o custo a indústria nacional, numa reedição das políticas dos anos 70. (Veja quadro com os problemas da política industrial)
O exemplo mais escandaloso de fechamento de mercado foram as mudanças de regra, sem aviso prévio, no setor automotivo. A súbita elevação da carga tributária praticamente inviabilizou a atuação dos concorrentes asiáticos no país. Outro expediente para “reservar mercado” aos produtos nacionais é o oferecimento de garantia de compras governamentais, além de condições especiais para participar de licitações públicas, como o que se verificou no setor de Defesa.
IPI dos automóveis – A ampliação em 30 pontos porcentuais do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) das importadoras de veículos – equivalente a um acréscimo de 50 pontos porcentuais sobre o imposto de importação – passou a dificultar enormemente sua operação no mercado doméstico. Atrapalhou ainda os planos de algumas destas empresas de começar a produzir no país. As únicas beneficiadas pela política, até o momento, foram as montadoras já instaladas no Brasil, que, a despeito do interesse dos consumidores, contarão com um mercado menos competitivo para atuar.
Para se ter ideia do quão bizarra é a situação, o governo não conseguiu nem fazer valer aquela que foi sua motivação inicial: forçar as empresas a investir muitos milhões de reais em desenvolvimento de tecnologia no país. O próprio ministro Fernando Pimentel revelou que o Planalto tentou, sem sucesso, obrigar as montadoras “ditas nacionais” a aplicar ao menos 1% de seu faturamento em inovação. Elas bateram o pé e o governo conseguiu extrair, no máximo, 0,5%. Tal recusa, aliás, é sintomática do risco que o país corre de não conseguir tornar essa indústria mais competitiva. Afinal, nenhuma empresa se sente motivada a investir em meio a tantas facilidades e poucas contrapartidas. “São medidas que ferem o princípio de isonomia tributária”, apontou Fábio da Silva, professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper).
Outras medidas anunciadas no “Brasil Maior” incluem vantagens para as indústrias têxtil e calçadista – o governo deve regulamentar em breve esses pontos. A ideia é que, em licitações públicas para compra de uniformes e calçados, os produtos nacionais poderão ser até 8% mais caros que os estrangeiros, e ainda assim poderão ser escolhidos. No setor de Defesa, a presidente Dilma já assinou Medida Provisória que garante compras governamentais às empresas brasileiras no setor, além de desoneração fiscal. Nesta empreitada, Embraer e Odebrecht devem levar vantagem. Os próximos setores a receberem benefícios serão os de saúde e softwares.
Dois pesos e duas medidas – Enquanto nestes setores a palavra de ordem é reduzir ou eliminar a concorrência internacional no mercado interno, em outros o objetivo é atrair as empresas estrangerias. Essa inconsistência é bastante criticada pelos especialistas, pois seria reveladora do fato de que nem o governo tem clareza de suas próprias medidas.
Incentivos à produção de tablets, por exemplo, tornaram-se a principal política da pasta da Ciência e Tecnologia, comandada pelo ministro Aloizio Mercadante. O objetivo, de acordo com o ministério, é colocar o Brasil em patamar tecnológico compatível com a evolução da indústria no resto do mundo. Graças aos incentivos fiscais e à pujança do mercado interno, 26 empresas já entraram com pedidos para a fabricação do produto no país. “Estes planos vão favorecer nossa empresa de forma direta. Haverá ganho em toda a cadeia”, comemorou Eliandro Ávila, presidente da filial da chinesa ZTE, gigante asiática das telecomunicações, que investirá 200 milhões de dólares para abrir uma fábrica na cidade de Hortolândia.
“O governo Lula preocupou-se muito em criar uma parceria com a China. Mesmo a presidente Dilma foi ao país e fez um apelo para que fábricas se instalassem no Brasil”, disse Charles Tang, presidente da Câmara de Comércio Brasil China. “É preciso mudar a mentalidade. Se o Brasil está querendo erradicar a pobreza, não pode se dar ao luxo, à beira de uma recessão mundial, de negar empregos e geração de riquezas que as empresas internacionais trazem”, emendou.
Eis o dilema do governo: abrir o mercado ou não aos chineses. Na dúvida, a abertura é feita conforme o que, no entendimento do Planalto, convém. Para carros, a resposta é não. Para a tecnologia da informação, é sim. “A questão não pode ser vista fora do contexto da valorização do real e da situação hoje existente, de completa anarquia e ausência de regras a respeito de câmbio, o que deixa países como o nosso muito vulneráveis aos asiáticos, capazes de controlar o valor de suas moedas e de não permitir que se apreciem”, disse Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda. O problema é que esta falta de definição acaba deixando de lado o consumidor, que deve ter direito a produtos de qualidade a preços não abusivos.
Complexidade – Além de almejar ora um mercado mais fechado, ora mais aberto, a política industrial do governo Dilma mostra-se inconsistente por diversos outros motivos (veja quadro). Em resumo, fica evidente que o governo está voltando sua munição para pontos que não necessariamente vão se traduzir em melhoria da competitividade. Não são atacadas as grandes deficiências da economia brasileira que infernizam a vida de empresários e cidadãos, além de onerar os custos: a carga tributária pesada, a burocracia crônica, a falta de infraestrutura, a escassez de financiamento de longo prazo, etc. Melhorar estes pontos promoveria ganhos de eficiência a todos os setores, potencializando os efeitos benéficos sobre o PIB. Contudo, resolver estes problemas requer um esforço político muito maior e seus efeitos não surgem de uma hora para outra. Aparecer sorridente com uma bela tela do “Plano Brasil Maior” ao fundo é mais fácil e, possivelmente, traz mais votos.
Os problemas da política industrial
Em vista da crise internacional, a resposta do governo Dilma tem sido, com poucas exceções, a busca de proteção à indústria em uma tentativa de criar mais empregos e manter a balança comercial positiva. Lembrando que o mercado brasileiro ficou fechado durante anos, com poucos resultados para o país, esta opção não é digna de comemoração. A nova política industrial do Planalto, além disso, tem vários problemas. Veja as principais críticas dos especialistas em relação às medidas anunciadas recentemente pelo governo para alavancar as indústrias de veículos, da defesa, calçadista, têxtil e de softwares.
Falta planejamento, especialmente no longo prazo
Os especialistas ouvidos por VEJA caracterizaram a política industrial do governo como uma série de medidas atabalhoadas e que não miram o longo prazo. “As medidas anunciadas têm cara de improvisação generalizada. O governo cede a pressões da indústria, mas expande a base industrial de forma ineficiente, induzindo a acomodação do empresário”, critica Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda e atual sócio da consultoria Tendências. “Estamos reintroduzindo as políticas públicas dos anos 70, que atendem os interesses da indústria em detrimento do consumidor e do contribuinte”, emendou. Decorrente da falta de planejamento vem a inexistência de uma política única. Em resumo, na lógica do governo, cada setor recebe uma política diferenciada. É por isso que, enquanto montadoras estrangeiras que traziam carros para o Brasil – muitas com planos concretos para começar a produzir localmente – sofreram um aumento abusivo de impostos, outras empresas (tão estrangeiras quanto) tiveram redução da carga tributária, como é o caso do setor de tablets.
Setores beneficiados não são estratégicos
O Plano Brasil Maior foca num conjunto limitado de setores, com destaque para automotivo, saúde, defesa, têxtil, moveleira, calçados e tecnologia da informação e comunicação. Para muitos destes segmentos, o argumento do governo para conceder benefícios é a suposta concorrência desleal dos importados. Em primeiro lugar, se há irregularidades no comércio internacional, há órgãos específicos para lidar com a questão, como a Organização Mundial do Comércio. Além disso, há setores que geram mais empregos e trariam maior impacto para a economia. É o caso da construção civil, por exemplo, que movimenta muitos outros segmentos e emprega milhares de trabalhadores; o turismo, em que o Brasil tem grande potencial; e o de infraestrutura, cujas deficiências nacionais são vergonhosamente bastante conhecidas. Aumentar os gastos em educação básica também contribuiria para um país melhor no longo prazo. Ao optar por setores não estratégicos, por fim, o governo transmite a ideia de que é suscetível aos lobbies corporativos.
Medidas de proteção podem não ter data de saída
Incentivar a indústria nacional é bem-vindo com duas condições. A primeira é que a empresa beneficiada aproveite as vantagens para investir e se tornar mais competitiva. A segunda é que haja uma data, mesmo que no longo prazo, para o fim das medidas. “A proteção comercial só tem sentido se houver data de entrada e de saída; senão, corre-se o risco de oferecer ao consumidor brasileiro um produto de qualidade inferior e mais caro que o internacional”, alerta Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos, diretor da faculdade de administração da FAAP, em São Paulo. A maioria das medidas de política industrial, até o momento, é válida até 2012. Contudo, com o cenário internacional conturbado, os especialistas temem que o governo relaxe no comprometimento com este ponto. O risco é que os setores beneficiados acomodem-se com as vantagens e não invistam em inovação. Outro perigo é político. Numa eventual troca de governo, poucos são os que se arriscam a cortar os benefícios promovidos pelos antecessores, por medo de perder eleitores.
Regras podem mudar a qualquer momento
Apesar de a balança comercial brasileira estar positiva no acumulado do ano em 23 bilhões de dólares, o governo Dilma insiste em apontar o produto importado como vilão. Em vista disso, importadores ficam vulneráveis a aumentos de tributos ou outros obstáculos para entrar com seus produtos no Brasil, sem qualquer aviso prévio. Foi o que aconteceu com os automóveis importados que, recentemente, passaram a pagar um IPI 30 pontos porcentuais maior. Outro exemplo foi a retaliação aos carros argentinos, lançada em maio deste ano, em resposta às barreiras comerciais de Buenos Aires. “Medidas do gênero geram instabilidade, insegurança jurídica e afugentam investimentos. É ruim em todos os aspectos”, explicou Alcides Leite, professor de economia na Escola Trevisan de Negócios.
Fonte:|http://veja.abril.com.br/noticia/economia/falta-coerencia-na-politi...
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Em minha opinião a Veja perdeu a maior característica que uma revista deve ter: a imparcialidade! Portanto, todas as matérias publicadas por ela merecem um pouco de "ceticismo". Sou apartidário e valorizo a independência de opinião sem tendência petista, tucana ou de qualquer outra vertente partidária. Por essa razão deixei de assinar a Veja há muitos anos atrás.
Considero que o que deve ser valorizado são as boas ações ou práticas, independentes de serem adotadas por governos de partido A ou B.
Ouvi da boca de Fernando Pimentel da ABIT que um dos maiores avanços que inclusive propiciaram o lançamento do Plano Brasil Maior foi o governo dar maior ouvido aos empresários inclusive revelando uma tendência mais desenvolvimentatista (valor a indústria) do que financista, algo que antes não ocorria.
Creio que é preciso um tempo para avaliar se as medidas adotadas serão benéficas ou não ao nosso setor. Se não atender essas necessidades serão necessárias outras medidas e nesse caso a mobilização de todos os envolvidos da cadeia têxtil é de fundamental importância.
Por favor, gostaria de saber quem escreveu esse artigo.
Depois de saber vou emitir minha opinião.
Grato
Victor Misquey
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