Fonte:|oglobo.globo.com/cultura|
SÃO PAULO - O organizador da São Paulo Fashion Week (SPFW), Paulo Borges, completou 15 anos à frente do evento - e também do Fashion Rio desde o ano passado - comemorando um feito indiscutível: com seus 39 desfiles, centenas de profissionais envolvidos e cerca de 120 mil visitantes nesta edição primavera-verão 2010-11, a semana de moda de São Paulo é hoje o mais importante evento do setor no Brasil, ponto de partida para a movimentação de uma indústria que faturou, em 2009, US$ 47 bilhões, segundo a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecções.
A SPFW cresceu e apareceu, dizem os especialistas, pela visão de Borges e pela magnitude dos números de um segmento que mexe profundamente com os egos e os desejos de seus variados públicos. Mas é exatamente aí - na administração de egos - que reside a principal fraqueza da SPFW.
- Não há nada mais complicado do que administrar egos descontrolados num lugar onde todos se acham mais importantes que os outros. - diz a produtora Priscila Borgonovi, responsável pela comunicação de um dos lounges.
- Já fiz tanto inimigo que meu sonho é organizar um desfile na Avenida Paulista composto somente de primeira fila, ondo todos querem estar - diz a consultora de estilo Fabiana Kherlakian, sócia de Priscila.
Com poucas exceções, a semana de moda paulista se transformou num circo histérico onde importa mais glamourizar o meio do que elaborar a mensagem. Onde criadores se prestam a bate-bocas virtuais com gente desimportante por conta de críticas anônimas. E onde grifes se valem de subcelebridades - na passarela e na plateia - para chamar a atenção para coleções pouco inspiradas. Nada novo, mas tudo amplificado pelos alto-falantes da internet até ficar ensurdecedor.
Para se ter uma ideia, nos primeiros dias do evento, enquanto Gisele Bündchen não chegava, os dois assuntos que dominavam a imprensa especializada e os corredores da Bienal eram a presença da socialite Paris Hilton e uma inusitada discussão no Twitter envolvendo o estilista Alexandre Herchcovitch, o amigo Fabio Souza e um grupo de quatro parajornalistas autointitulado "Menino do Cafezin", um Twitter tolo e raso onde se liam análises dos desfiles tão elaboradas como "Não comento moda praia". A baixaria virtual impressiona por envolver um estilista talentoso que, ao menos em tese, deveria estar mais focado nos três desfiles sob seu comando (Rosa Chá e as linhas masculina e feminina que levam o seu nome).
"Toma um litro de vinagre, filho da p...", escreveu Herchcovitch depois que "Menino do Cafezin" tuitou "Achei Rosa Chá um pouco parecido com o inverno". "Não precisa ofender, nobre estilista. Se eu falasse bem você iria gostar?", replicou o grupo. "Nessa época todo boy quer ser o Dunga e todo gay quer ser a Érika!!!", disparou o estilista, referindo-se à editora de moda Érika Palomino.
Tirando a manifestação explícita de preconceito, Herchcovitch quase acertou o alvo. A popularização da semana de moda (e a glamourização da própria indústria) e das publicações especializadas, aliada à multiplicação de blogs sobre o tema na rede, acabaram criando um ambiente onde o jornalismo de moda se transformou em gritaria de frases de efeito. Vence quem chamar mais atenção. E onde a própria imprensa de moda lança mão de gente engraçada de fora do meio para guindar audiências de blogs, sites e publicações, transformando a semana numa pouco consistente stand-up comedy. Sem falar no compadrio entre patotas que torna o desfile de amigos "incrível" e o desfile de desconhecidos "repetitivo".
Em ensaio sobre a hipervalorização das artes em detrimento de ciências mais exatas, publicado no jornal "Folha de S. Paulo", o documentarista João Moreira Salles observa que o Brasil formou em 2008 1.114 físicos, 1.972 matemáticos e 2.066 profissionais de moda graduados em 128 cursos superiores espalhados pelo país. "Alimento o pesadelo de que, em alguns anos, os aviões não decolarão, mas todos nós seremos muito elegantes", escreveu Salles.
Paulo Borges anunciou um fim de ciclo e prometeu mudanças radicais no futuro.
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