Consagrado o mais ousado e oportuno ciclo de redução da taxa de juros no país, já é possível extrair dos fatos e dos sinais emitidos as mudanças estruturais produzidas na economia brasileira nos 20 meses do governo Dilma Rousseff.
A queda de 5 pontos percentuais na taxa Selic - que em 12 meses saiu de 12,5% para 7,5% ao ano -, foi precedida de uma garantia de solidez fiscal que, a despeito de heterodoxias praticadas no meio do caminho, reduziu a relação dívida/Produto Interno Bruto (PIB), removendo do horizonte o receio de insolvência.
O governo cumpriu o compromisso assumido no ano passado, de dar sustentação ao Comitê de Política Monetária (Copom) para que ele pudesse, aproveitando a oportunidade aberta pela crise externa, reduzir a taxa básica. Na quarta-feira, ao decidir por um corte de 0,5 ponto percentual, o Copom avisou que essa tarefa está praticamente concluída e que, a partir de agora, qualquer nova redução obedecerá ao critério de "máxima parcimônia".
As mudanças estruturais do governo Dilma
Hoje dois dos mais importantes preços da economia estão, se não no lugar certo, melhor situados: juros reais em torno de 2% e a taxa de câmbio mais desvalorizada. Na avaliação do governo, o corte da Selic não foi um movimento transitório nem um ato de "voluntarismo", como disse a presidente em discurso ontem. Ao contrário, o que se quer é que o novo patamar de juros seja uma conquista permanente do país, embora isso não signifique que a Selic terá comportamento linear.
A área técnica do governo trabalha, agora, na elaboração de propostas para o novo momento do mercado de capitais. Serão criados incentivos para o alongamento das aplicações financeiras e punições para os investimentos com liquidez diária, além de uma série de iniciativas de lançamento de novos produtos para o desenvolvimento do mercado de dívida privada.
Recentemente, a presidente Dilma enfrentou um forte movimento grevista no funcionalismo público por aumentos salariais. Endureceu, ofereceu para todos um reajuste de 15,8% a ser pago em três anos - já aceito por 90% das categorias - e estabeleceu novos padrões para a evolução da folha de pagamentos que é, após a Previdência Social, a segunda maior despesa da União: haverá previsibilidade de três anos para a despesa com salários do servidor e os reajustes serão pautados pela inflação esperada (no caso, a meta de 4,5%) mais um ganho real.
Com juros mais baixos e folha de salários do funcionalismo em queda como proporção do PIB, o governo conseguiu obter, mais cedo do que imaginava, uma margem de liberdade orçamentária que poderá resultar numa política fiscal mais flexível, conforme chamou a atenção neste mesmo espaço, ontem, o jornalista Ribamar Oliveira.
Ao divulgar o projeto de lei orçamentária para 2013, ontem, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, sempre afirmativo no propósito de cumprir a meta fiscal, relativizou o superávit cheio de 3,1% do PIB de agora em diante. "Vamos procurar cumprir", disse, anunciando que sua atenção se voltará para o déficit nominal. Não será surpresa se, além da antecipação dos juros reais em torno de 2% que Dilma aspirava só para o fim do seu mandato, ela venha a encerrar sua gestão, em 2014, com um déficit nominal de praticamente zero.
Nesses 20 meses o governo criou o fundo de previdência complementar do funcionalismo público, acabando com o privilégio da aposentadoria integral bancada pelo Tesouro Nacional; mudou a regra de correção da caderneta de poupança - para permitir a redução dos juros básicos; e retomou as concessões de serviços públicos para o setor privado, rompendo com o tabu das privatizações, para viabilizar novos investimentos, dentre outras medidas.
Na próxima semana deverá anunciar a redução do custo da energia para os consumidores industriais e residenciais de cerca de 10% e 20%, respectivamente. Isso vai diminuir o custo de produção da indústria e dar uma contribuição importante para o controle da inflação de 2013.
Na área tributária também deverá haver mudanças expressivas, além da ampliação das desonerações da folha de salário das empresas. O Ministério da Fazenda está concluindo tanto a reforma do ICMS quanto a do PIS/Cofins. Soma-se a isso o que pode ser visto como os últimos suspiros finais da guerra fiscal entre os Estados, na medida que o Supremo Tribunal Federal (STF) ameaça derrubar os incentivos concedidos sem prévia aprovação do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).
Tão ou mais importante do que esse arco de ações é a mudança do discurso e do foco da política econômica, do estímulo à demanda para o incentivo ao investimento e à competitividade. Não haverá crescimento se não houver investimentos públicos e privados. "Neste momento, uma das nossas maiores preocupações é ampliar o nível de investimento do nosso país, principalmente em logística e energia, ou seja, infraestrutura", disse Dilma.
Para depois das eleições municipais, o Palácio do Planalto estabeleceu uma agenda que deve contemplar duas reformas, a da Previdência - em substituição ao fim do fator previdenciário - e a do mercado de trabalho.
A proposta da Previdência é a da fórmula 85/95, que obedecerá a uma progressividade: os trabalhadores hoje na ativa terão o direito de se aposentar quando a soma do tempo de contribuição e da idade atingir 85 anos para as mulheres e 95 anos para os homens.
Do lado do mercado de trabalho, pretende-se introduzir o Acordo Coletivo de Trabalho com Propósito Específico (ACE), que dará segurança jurídica às negociações sindicais com a direção das empresas.
Ontem, no mesmo discurso, a presidente Dilma disse que há coerência e lógica nas ações do seu governo e que elas formam "um conjunto de políticas para elevar a competitividade da economia brasileira e o padrão de vida da população".
Não está no horizonte do governo assumir o desafio de reduzir a meta e a inflação efetiva. Essa é uma tarefa que muito provavelmente ficará para o sucessor.
Está longe de ser um trabalho completo e de agradar a todos. Mas não se pode dizer que não há um senso de direção.
fonte:Autor(es): Claudia Safatle Valor Econômico.
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