Jorge Hage, ministro da CGU (DL Photo/VEJA)
Há mais de oito anos no comando da Controladoria-Geral da União (CGU), órgão responsável pelo controle e transparência do uso de recursos públicos, o ex-juiz Jorge Hage deparou-se, após a Operação Lava Jato da Polícia Federal, com o maior esquema de desvio de dinheiro de que ele próprio se recorda. Nos próximos dias, Hage pretende abrir processos administrativos contra as nove grandes empreiteiras suspeitas de assaltar os cofres da Petrobras e distribuir propina a políticos e ex-executivos da estatal. O ministro projeta que, sem um acordo de leniência com cada uma delas, o caminho inevitável será proibi-las de firmar contratos futuros com a administração pública. E avisa: “Não será o fim do mundo de jeito nenhum as grandes empreiteiras serem declaradas inidôneas”.
Qual papel a CGU pode desempenhar nas investigações sobre empreiteiras suspeitas de fraudar contratos com a Petrobras? Há várias frentes de investigação sobre a Petrobras, não apenas envolvendo as empreiteiras citadas na Lava Jato, como também a empresa holandesa SBM, caso em que já instauramos processo de inidoneidade. Se não chegarmos a um acordo, o processo prossegue. Qual é a opção mais vantajosa? O acordo de leniência, que funciona como uma delação premiada para as empresas. Ao firmar acordo de leniência, a empresa se dispõe a repor todo o prejuízo causado, devolver todas as parcelas de sobrepreço que recebeu, repactuar o contrato para colocá-lo nos níveis legítimos de preço, além de revelar o nome de quem recebeu as propinas e o modus operandi do esquema. Enfim, revelar tudo o que interessa a uma investigação e que demoraria muito mais tempo para se descobrir. Mas isso só se faz quando há essas vantagens e contrapartidas para o Estado e o interesse público.
O senhor defende a repactuação de contratos das empreiteiras suspeitas e que as obras sob responsabilidade delas continuem, em prol do interesse público. Banir tais empresas não é uma alternativa? Em tese, a declaração de inidoneidade não implica necessariamente interrupção de nenhuma obra em andamento. O que digo desde sempre é que a declaração de inidoneidade não tem o efeito de rescindir os contratos em curso. Ela veta a participação em novas licitações e a celebração de novos contratos. No caso dos contratos em curso, nós da CGU entendemos que se deve recomendar aos gestores e órgãos contratantes que avaliem cada caso, porque haverá casos em que é mais vantajoso rescindir o contrato e abrir uma nova licitação. Mas, se ficar comprovado que há sobrepreço, entendemos que a obra só deve continuar se houver uma repactuação, exatamente para excluir do preço o que está embutido ilegalmente.
Na hipótese de as empreiteiras serem declaradas inidôneas, construtoras estrangeiras ou que não estejam sob suspeita poderiam assumir as obras atuais? Independentemente de abertura do mercado brasileiro para empresas estrangeiras, acredito que aqui mesmo outras empresas se qualificariam para isso, inclusive algumas grandes empresas que estão fora da Operação Lava Jato. Acredito que há empresas que têm dimensão, porte e expertise suficiente para tocar obras nesse nível.
Então, se elas forem declaradas inidôneas, não será o fim do mundo. Para mim não será o fim do mundo de jeito nenhum as grandes empreiteiras serem declaradas inidôneas. Seguramente dizer que é o fim do mundo interessa muito a essas empresas. Estamos aqui na CGU concluindo a análise de todas as provas já disponíveis que recebemos da Justiça Federal, mediante o compartilhamento de informações que foi autorizado pelo juiz Sergio Moro. E nos próximos dias vamos instaurar os processos. Sem dúvida nenhuma até a primeira quinzena de dezembro teremos os processos.
Nos EUA, analistas projetam que até 95% dos casos dessa natureza terminam em acordo. Os acordos são o caminho mais eficiente? No sistema jurídico brasileiro não existe a tradição de resolver os casos mediante acordo, mas isso é absoluta rotina em outros países, como Estados Unidos e Inglaterra. Diria que mais de 80% dos casos se resolvem com os settlements, os acordos. E não só no caso de empresas, mas no caso de pessoas físicas. Os acordos têm muito a ver com o espírito prático. No caso do Brasil, tendo em vista o clima que vivemos, não há dúvida de que há uma cobrança pelo sangue, pela pena máxima, a pena de morte, se possível, para a empresa corrupta. Mas a questão é que as instituições não podem funcionar por esse tipo de raciocínio, mas sim levando em conta o que for de maior interesse público.
Diante dos sucessivos aditivos em obras como a da refinaria Abreu e Lima, não era possível que a CGU tivesse desconfiado de que havia algo errado nas obras da Petrobras? Vínhamos monitorando os julgamentos sucessivos, pelo Tribunal de Contas da União, do caso da refinaria Abreu e Lima. O TCU já publicou 33 acórdãos relativos a essas obras entre 2008 e 2014, mas ainda não chegou a uma decisão final de mérito. Tem mantido o procedimento de contraditório e ampla defesa com a Petrobras. Nós da CGU não podíamos ter tomado a iniciativa de nos antecipar àquilo que está sub judice no TCU, que é quem dá a última palavra no campo do controle. Se o TCU não chegou a uma solução final condenatória, não tínhamos outra coisa a fazer a não ser acompanhar as providências tomadas pela Petrobras. É meio frustrante, mas é o chamado devido processo legal, que existe para o bem e para o mal.
Com a vigência da nova Lei Anticorrupção, qual pode ser o caminho para a punição das empreiteiras suspeitas de irregularidade? Além da reintegração completa ao Erário e da multa, a empresa pode receber uma multa sancionatória. E a Lei Anticorrupção também prevê a medida extrema de dissolução compulsória da pessoa jurídica, a ‘pena de morte’ da empresa, se ela foi utilizada de forma habitual para facilitar ou promover a prática de atos ilícitos ou se foi constituída para ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a identidade dos beneficiários. Mas essa pena só é aplicável pela via judicial. Ou seja, o Poder Executivo não pode aplicá-la.
Com a conhecida morosidade do Poder Judiciário e a atual quantidade de recursos, não é muito factível que se decida fechar uma empreiteira corrupta. Concordo. Eu gostaria que a lei tivesse autorizado a CGU a fazer isso, mas não autorizou. A extinção da empresa só pode ser perseguida pelo Ministério Público pela via judicial.
Isso significa que, no final, uma empresa corrupta pode, mesmo depois de acordos administrativos, continuar tocando obras e lucrando. Não voltamos à sensação de impunidade? É verdadeira essa sensação de que não se dá uma satisfação à opinião pública, que gostaria de ver uma pena mais grave aplicada, embora no plano racional se reconheça que outro caminho pode ser mais útil ao interesse público. Mas isso ocorre sempre e muito no campo penal. Muita gente está achando ruim o Ministério Público ter celebrado acordos de delação premiada com o Paulo Roberto Costa, com o Alberto Youssef e com alguns executivos. Essas pessoas acham que eles tinham mesmo que ficar 40 anos na cadeia.
Por bem menos a construtora Delta, suspeita de fazer transações com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, foi declarada inidônea. Não é um paradoxo defender agora acordos com empresas maiores e com mais indícios de irregularidades? Não tem paradoxo nenhum. Na época da Delta não havia uma lei que permitisse um acordo de leniência. Não havia possibilidade jurídica, o que só foi permitido com a Lei Anticorrupção. Estamos fazendo com essas empresas, em termos de processo, exatamente o que fizemos com a Delta. Mas hoje elas têm a possibilidade de propor acordo, o que antes não era permitido. Mas se não houver acordo, o desfecho vai ser o mesmo. O processo vai até o fim e, com as provas que já se tem, não tenho maiores dúvidas de que o resultado será a inidoneidade.
O Tribunal de Contas da União (TCU) recebeu pedido para que ele próprio declare a inidoneidade das empresas envolvidas na Lava Jato. Em caso de acordo com a CGU, as mesmas empreiteiras podem ser declaradas inidôneas por outros órgãos? As pessoas físicas certamente estão tratando de fazer seus acordos de delação premiada com o Ministério Público e as pessoas jurídicas aqui conosco, eventualmente. A empresa e seus dirigentes certamente levam em conta as várias instâncias punitivas existentes: CGU, Ministério Público pela via judicial, Cade pela questão do cartel e Tribunal de Contas da União. São várias as instâncias com as quais as empresas se preocupam. Se elas se ajustam com uma dessas instâncias, ainda assim podem ser punida pela outra. As empresas, em tese, têm que fazer acordos em todas as instâncias porque senão elas sempre deixarão uma brecha de punibilidade.
Se as empresas aceitarem os acordos de leniência e se livrarem da inidoneidade, podem ser penalizadas em alguma medida? Pela Lei Anticorrupção, a empresa não pode se livrar integralmente da multa. No acordo, a multa, calculada sobre o faturamento ou no intervalo de 6.000 reais a 60 milhões de reais, pode ser reduzida em até dois terços. A empresa também não se exime, nunca, jamais, de reparar integralmente o dano causado. Portanto, ela tem que repor os cofres públicos, devolver os valores superfaturados, pagar multa e ainda terminar a obra.
Recentemente o ministro Felix Fischer, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao analisar um habeas corpus de um dos suspeitos da Lava Jato disse que “nenhum outro país viveu tamanha roubalheira”. O senhor concorda? Não tenho condições de afirmar que nenhum país viveu tanta roubalheira. Não concordo com essa comparação já de saída desfavorável ao nosso país. Temos visto, sim, escândalos absurdos em países considerados de ponta, como Estados Unidos, Reino Unido, França, Itália. Não compartilho dessa postura negativa ou dessa visão tão depreciativa do nosso país. O Brasil está vivendo um momento muito interessante, em que as coisas começam a ser de fato escancaradas, investigadas, punidas. É isso que importa. A verdade é que a corrupção existe em todos os países do mundo e sempre existiu. É um mal da humanidade.
http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/jorge-hage-ha-cobranca-por-...
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