Confesso: morro de medo de sermos daqui a pouco como a Argentina.
Primeira página em branco: protesto contra boicote que impediu a distribuição "Clarín" em março do ano passado.
“Vendeme un diario con noticas, canillita, / Clarín o Crónica, La Prensa o La Razón. / Si el mundo fue ya no será una porquería, / porque en el mundo vivimos vos y yo.” (“Preludio para un canillita”, Astor Piazzola e Horacio Ferrer.
Não sei se Crónica, La Prensa e La Razón sobrevivem. Os jornais morrem, como morreu, poucos dias atrás, o Jornal da Tarde, em que comecei no jornalismo, em que tive o privilégio de trabalhar ao longo de 14 anos, de 1970 a 1984.
O que sei é que, se depender de Cristina Kirchner, o Clarín vai desaparecer.
Por uma coincidência grande, como tantas que acontecem na vida, li hoje a entrevista do diretor do La Nación à revista VEJA. La Nación está para o Clarín mais ou menos como O Estado de S. Paulo está para a Folha de S. Paulo. São competidores, rivais.
Me lembro, embora vagamente, de ter lido muitos anos atrás uma entrevista com o Otavinho, Otávio Frias Filho, hoje, e já há algum tempo, diretor editorial da Folha, dizendo que na cidade de São Paulo não cabem dois grandes jornais, e que só um sobreviveria – o dele, é claro.
Acho estranho um dono de jornal torcer pelo fechamento de um jornal. Acho estranho jornalistas detestarem a existência de jornais, como se vê nas redes sociais tantos jornalistas – lulo-petistas, é claro – vociferando contra a existência de jornais e revistas, a tal da grande imprensa, como eles chamam. Mas tudo bem. A vida é cheia de coisas estranhas.
Na entrevista à VEJA, o diretor do La Nación, Bartolomé Mitre, trineto do fundador do jornal, que foi também presidente da Argentina entre 1862 e 1868, faz veemente defesa de seu concorrente direto, o Clarín. Ao contrário do Otavinho, que expressava seu desejo de que o concorrente morresse, desaparecesse, Bartolomé Mitre entende que ele e seu rival estão no mesmo barco.
Os jornais independentes dos governos, os jornais que irritam o governante de plantão, estão no mesmo barco. Eles são a garantia da democracia.
A grande diferença entre um regime democrático e um regime totalitário, ou filo-totalitário, está na existência, ou não, de uma imprensa livre, independente.
Ou, para citar pela milionésima vez a frase brilhante, genial, do editorial de Millôr Fernandes na edição de número 300 do Pasquim, “imprensa é oposição, o resto é armazém de secos e molhados”.
Os jornais e revistas que sobrevivem à custa de anúncios do governo e suas empresas – Caixa, Petrobrás, Banco do Brasil, Correios, etc, etc -, tipo Carta Capital, Caros Amigos, Brasileiros – são armazém de secos e molhados. Não são imprensa.
“Cerca de 80% dos canais de televisão, dos jornais e das rádios já estão a mando do governo”, diz Bartolomé Mitre na entrevista à VEJA. “Hoje, apenas o La Nación e o Clarín e uns poucos jornais podem dizer o que querem. Os veículos do interior, menores, não têm mais essa mesma capacidade. Eles não conseguem, como nós, sobreviver apenas com os anunciantes privados. Nós temos zero de publicidade oficial. Somos independentes. No interior, infelizmente, os jornais agora são todos bancados por anúncios do Estado. Não podem escrever sobre uma série de temas. Servem como meros porta-vozes do governo.”
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No auge da mais recente ditadura brasileira, a dos milicos de 1964 a 1986, o então vice-rei da Bahia, Antônio Carlos Magalhães, fez com um jornal que lhe fazia oposição o mesmo que a horrenda Cristina Kirchner está fazendo agora com o Clarín. Acho que era o Jornal da Bahia, mas já não tenho certeza do nome, e uma busca rápida no Google não me deu garantias. ACM, governador indicado pelos milicos, depois ministro dos milicos, asfixiou o jornal que fazia oposição a ele. Cortou toda a publicidade do Estado, das estatais, e usou mafiosamente sua influência sobre as grandes empresas para que elas não anunciassem mais no jornal.
O jornal fechou.
(Parênteses: na época, o Estadão fazia a defesa firme, rija, do Jornal da Bahia. A Folha dava ajuda aos milicos, aos torturadores, como bem mostra o documentário Cidadão Boilesen. Seu jornal popular, a Folha da Tarde, era assim uma espécie de Diário Oficial do Doi-Codi.)
Os métodos são parecidos. Cristina, tida como “de esquerda” (na verdade uma populista idiota, como todos os populistas, de Vargas a Lula, de Perón ao falecido Néstor Kirchner), faz tudo igualzinho a ACM ou Hugo Chávez. São todos iguais nesta noite latino-americana.
“Direita” e “esquerda” são conceitos antigos, velhos, caquéticos. Muitas vezes gente de “direita” e “esquerda” parecem gêmeos univitelinos – basta lembrar do pacto entre Hitler e Stálin pouco antes da eclosão da Segunda Guerra.
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Os lulo-petistaas devem, com toda razão, sentir imensa inveja do que a horrenda Cristina está fazendo.
Ah, que maravilha los Hermanos argentinos que estão destruindo a Grande Imprensa! Que maravilha isso de sindicalistas impedirem que cheguem às ruas La Nación e Clarín! Já pensou, meu, um país sem VEJA, O Globo, Rede Globo, Estadão!!!
Ah, como seria maravilhoso este país só com a Carta Capital, Caros Amigos, Brasileiros, mais a TV Lula! Bem, pode até ter a Record e o SBT, que esses mamam nas nossas tetas!
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Estamos cercados por governos populistas ditos “de esquerda” por todos lados. Venezuela, Equador, Bolívia, Argentina.
Muitas vezes me pergunto por que, raios, nuestra América Latina virou o lixo da História, o único lugar do mundo onde países ainda teoricamente democráticos namoram tanto essa coisa defunta que é o comunismo.
Mas isso não importa.
O que de fato assusta é pensar que pode acontecer também aqui.
Por que não?
Se está acontecendo na civilizadíssima Argentina, o país da classe média forte, do povo educado, leitor de jornais, por que não poderia amanhã acontecer aqui também, neste paisão em que só 1% lêem jornais?
Por que não?
O que faz uma pessoa como Dilma Rousseff fingir que esqueceu seu passado de luta pela implementação de um regime comunista e dizer, fingindo que candidamente, que a melhor censura é o zapeador do controle remoto?
Falava-se do Efeito Orloff: o que acontecia lá, acontecia depois aqui.
Olha, é o seguinte: eu tenho um imenso medo do que pode acontecer a este país.
Fonte:http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/
Autor:Por Sérgio Vaz.
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O que de fato assusta é pensar que pode acontecer também aqui.
Por que não?
Se está acontecendo na civilizadíssima Argentina, o país da classe média forte, do povo educado, leitor de jornais, por que não poderia amanhã acontecer aqui também, neste paisão em que só 1% lêem jornais?
Por que não?
Quanto mais a vida vai me dando alguma maturidade, mais percebo que estamos cercados de lobos de todos os lados.
Não há ovelhas nessa história. Só interesses, e os mais escusos possíveis.
Pouquíssimos se salvam e mantém alguma altivez. Da imprensa, inclusive. Essa só consegue enganar os bobinhos, ou ingênuos.
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