BRASÍLIA (Reuters) - São 9h e a correria já é grande no maior comércio popular de Brasília.
Em uma loja de bolsas, duas senhoras conversam enquanto analisam um modelo. "Como é que pode ser tão barato?", pergunta uma delas. "Eles trazem da China", diz a outra.
Na loja de eletrônicos vizinha, a música alta dos aparelhos MP3 atrai um grupo de amigos, que tenta resistir à oferta de um celular com acesso à TV. O barulho parece não incomodar um senhor que acaba de comprar um barbeador elétrico. Entre todos, a marca "made in China" em comum.
Eles podem nem imaginar, mas o barato nas lojas custa caro ao Brasil.
Escorado basicamente num salto nas exportações de produtos básicos, como commodities, e na importação de manufaturados, o comércio com a China aumentou 17 vezes entre 2001 e 2010.
Com o real valorizado frente o dólar, o que favorece as importações, os produtos chineses tornaram-se ainda mais baratos em relação aos fabricados aqui e invadiram o mercado local.
Descompasso que causa calafrios na indústria nacional e é apenas um dos temas na agenda da presidente Dilma Rousseff ao desembarcar na China, na próxima semana.
"O momento é seríssimo", disse Vera Helena Thorstensen, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, e ex-assessora econômica do Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC), durante evento em Brasília.
"As indústrias estão vendendo produtos chineses. Antes, elas importavam peças. Estamos num momento importante para definir o que queremos da China. O Brasil pode se dar ao luxo de não ter indústria?", questiona.
Das importações brasileiras em 2010, 97 por cento foram de manufaturados, como as bolsas e os eletrônicos que seduzem consumidores no mercadão de Brasília e em todo o país.
Por outro lado, o apetite chinês por matérias-primas é tão grande quanto o seu crescimento. Cerca de 80 por cento das exportações brasileiras à China no ano passado foram de produtos básicos, como commodities. De tudo o que foi vendido àquele país, 66 por cento foi apenas em minério de ferro e soja triturada.
"A China quer comprar matéria-prima sem nenhum valor agregado, agregar todo o valor em seu país e exportar para nós produtos manufaturados. Essa relação é intolerável", disse Roberto Giannetti, diretor de Relações Internacionais da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), uma das mais ferrenhas críticas da qualidade do comércio com a China.
O descompasso na relação com a China já foi detectado pelo radar do governo, e a própria presidente prometeu, desde que tomou posse, uma postura mais rígida com comércio.
"Cada vez mais o Brasil precisa conhecer a estrutura econômica chinesa para a gente ter melhores resultados. Não é só atrair investimento, é ampliar as exportações", destacou o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Alessandro Teixeira.
É essa mensagem que a delegação brasileira, que terá 250 empresários, tentará transmitir aos chineses: ampliar o mercado para produtos brasileiros, e convencê-los a comprar além de minério e soja.
"A (solução é a) China abrir o mercado para produtos manufaturados, o que ela não faz. Com a China nós já estamos em uma commoditização (das exportações). A China está tratando o Brasil como se fosse um país colonial", reclamou Giannetti, da Fiesp. "Dilma está com o discurso certo, vamos ver se a prática será igual".
ECONOMIA DE MERCADO, SERÁ?
Em 2004, o Brasil declarou reconhecer a China como economia de mercado, mas a decisão ainda não foi formalizada pelo governo.
Sem o reconhecimento formal, o Brasil pode usar um terceiro país como referência diante de suspeitas de existência de dumping. Ao reconhecê-la, os processos ficarão sujeitos às regras da OMC, órgão no qual a China entrou em 2001, com auxílio do Brasil.
A declaração de economia de mercado à China é fortemente criticada por entidades empresariais e da indústria, que acusam exportadores chineses de práticas desleais, como dumping, e denunciam a entrada ilegal dos produtos, com fraudes tarifárias e subfaturamento.
"A China não é economia de mercado e reconhecer a China como economia de mercado trata-se de um grave engano que tem que ser evitado para não ter as consequências de enfraquecimento da defesa comercial do Brasil", disse Giannetti.
A falta de competitividade das mercadorias nacionais prejudica a indústria local, submetida a onerosa carga tributária e gargalos na infraestrutura brasileira.
A consequência: redução de investimentos e na criação de empregos. Segundo a Fiesp, 300 mil vagas teriam deixado de ser abertas em um ano na indústria brasileira devido à elevada importação de manufaturados e a baixa exportação de produtos deste segmento à China.
O dano em certas áreas é tão grande que a Confederação Nacional da Indústria (CNI) alertou para o risco de "desindustrialização" de determinados setores, como o de têxteis e calçados.
"Nós temos que defender a indústria brasileira, temos que defender o emprego que a indústria gera no Brasil, o desenvolvimento de tecnologia no Brasil. Não podemos deixar que setores sejam fechados ou desapareçam", afirmou Robson Andrade, presidente da CNI, chefe da delegação de empresários brasileiros que viaja à China.
Apesar de tudo, o Brasil ainda conseguiu uma boa vantagem no comércio com a China: superávit de 5,2 bilhões de dólares em 2010. A batalha agora é pela melhora da qualidade desse saldo.
Por Hugo Bachega © Thomson Reuters 2011 All rights reserved
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