De tintas de parede, bebidas e cosméticos a cursos online, roupas, acessórios de decoração e brinquedos, cresce o número de influenciadores que lançam produtos.
Por cerca de dois anos, a criadora de conteúdo e influenciadora digital Sarah Fonseca trabalhou em segredo, em parceria com o namorado, Valentim Aigner. Nem mesmo os amigos conheciam seus planos. Mas, em março deste ano, depois de usar todo o dinheiro economizado desde o primeiro trabalho com publicidade, em 2018, ela finalmente colocou no mercado sua marca própria, a Skin Quer, de produtos para cuidados com a pele. “Estou muito feliz, as vendas têm sido um sucesso”, afirma a influenciadora.
Empreender e ganhar dinheiro não só divulgando, mas também vendendo produtos, tem sido cada vez mais comum na trajetória de criadores de conteúdo e influenciadores digitais brasileiros. Assim como Sarah, centenas de outros profissionais do ramo vêm se envolvendo no desenvolvimento de marcas e produtos próprios, de forma independente ou em parceria com empresas. Em muitos casos, às custas de grandes contratos de publicidade.
É um movimento que tem em sua raiz mudanças profundas na forma de comunicação com a expansão da economia digital, mas que vem ganhando mais força desde a pandemia e reflete também pragmatismo e ambições pessoais dos influencers.
Segundo a pesquisa Marcas de Celebridade, realizada pela empresa de inteligência de mercado Circana (junção da NPD e da IRI), apenas no setor de beleza, o número de produtos assinados e lançados por celebridades, entre elas as digitais, aumentou de 1.313, em 2020, para 2.092, em 2022, alta de quase 60%.
Mas é um mercado que não se restringe ao universo das fragrâncias, maquiagens, produtos para os cabelos e pele, estudado pela Circana. Há oportunidades nos mais diferentes segmentos da economia, diz a publicitária Rafaela Lotto, head de planejamento e sócia da consultoria para negócios na creator economy, YouPix. Lá fora, cita ela, há casos até de influenciadoras de moda que criaram o próprio programa de afiliados, como Amber Venz Box, que atende a cerca de seis mil varejistas.
A demanda tem crescido de forma tão expressiva que, no ano passado, foi lançada na Alemanha uma plataforma dedicada a facilitar a relação com fabricantes de produtos white label. A plataforma, chamada Wonnda, permite a qualquer influenciador, ou empresa, encomendar produtos com marca própria de seis categorias: cosméticos, suplementos, moda e acessórios, cuidados com animais de estimação, casa e decoração, além de alimentos e bebidas.
O Brasil, mesmo atrasado em relação a mercados como China e Estados Unidos, tem exemplos que vão de tintas de parede, redes de fast-food, bebidas e franquias de açougue, até jogos digitais e cursos online, roupas, acessórios de decoração e brinquedos. E, ainda que não haja um estudo mais amplo sobre o número de influencers donos de marcas próprias no Brasil, apenas com a coleta de casos soltos é possível perceber que eles não são mais contados às dezenas, mas às centenas, diz Rafaela, da YouPix.
“Começamos a ver essa movimentação de produtos, primeiro com collabs, quando os influenciadores são amparados por grandes empresas para lançarem os seus primeiros produtos no mercado e, depois, consequentemente, abrindo suas próprias empresas”, afirma Fátima Pissarra, fundadora e CEO da Mynd, uma das maiores agências de marketing de influência e entretenimento do País. “É um movimento que tende a acelerar cada vez mais. O Brasil ainda está engatinhando nesse universo”, diz Flávio Santos, CEO da MField, agência de produção de conteúdo a partir de influencers, e autor do livro Economia da Influência.
Usar a própria imagem para ganhar dinheiro com a venda de produtos não é novidade. Em décadas recentes, porém, o movimento capitaneado agora por influenciadores digitais tinha outra roupagem. Era comum grandes celebridades da TV aberta, como o apresentador Gugu Liberato e as apresentadoras de programas infantis Xuxa Meneghel, Angélica e Eliana, ou ainda atrizes, como Giovanna Antonelli, assinarem contratos de licenciamento e emprestarem o nome a produtos como sandálias, roupas, brinquedos e perfumes. Para Santos, as marcas nativas digitais de agora são uma versão 2.0 da prática.
O cenário atual, no entanto, tem uma série de peculiaridades. Com a transformação digital, as empresas passaram a ser obrigadas a desenvolver estratégias de comunicação dirigida para falar com grupos específicos, afirma Iara Silva, professora de marketing e branding da ESPM. A personalização passou a ser cada vez mais importante e os influenciadores ganharam espaço por humanizar e tornar a comunicação mais concreta. “Com eles, as marcas ficam mais humanas”, afirma.
A possibilidade de estabelecimento de uma conversa e de venda imediata também é nova. “A gente consegue se conectar mais. As celebridades da TV não estavam em contato direto com o público como hoje a internet e as redes sociais permitem”, diz Dafne Guimarães, gerente comercial da Época Cosméticos, site de vendas online do Grupo Magalu. Além disso, afirma ela, a possibilidade de vender na hora é o grande diferencial: “Você consegue levar o cliente imediatamente para comprar o produto e ter um feedback, que é superimportante e antes demorava”.
Durante a pandemia, a migração foi aprofundada ainda mais. Com as pessoas isoladas dentro de casa, a limitação da realização de eventos e outros tipos de ações promocionais na rua, os influenciadores se tornaram, praticamente, os únicos elos de ligação entre as marcas e os consumidores, avalia Iara, da ESPM. “A pandemia acelerou enormemente a relevância da comunicação através dos influenciadores”, diz a acadêmica.
O período viu surgir novos influenciadores, a consolidação e a expansão de outros, a adesão de patrocinadores ao modelo e a proliferação de marcas próprias em diversos setores.
Entre as novidades recentes no mercado nacional, estão lançamentos como o da marca de maquiagens Vic Beauté, de Vic Ceridono; a linha de batons de Marília Miranda; e os info cursos de Gil do Vigor. Outros exemplos são o boneco, os games e sandálias do youtuber Enaldinho; os perfumes Hasta La Vista, de Luísa Sonza e Xamã; e a linha Lune, com perfume e creme hidratante, de Cleo (Cleo Pires), que, além de produtos de beleza, lançou uma collab com a hamburgueria No Name, conhecida também por ter sanduíches assinados por João Guilherme e Lucas Guedez. Há, ainda, a rede de fast-food Rezendog, de Pedro Rezende, dono de um dos maiores canais de jogos do Youtube.
Agora, Letticia Munniz, Camilla de Lucas, Maju de Araújo e Barbara Heck, entre outros, também estão trabalhando para lançar collabs com grandes marcas em breve, afirma Fátima, da Mynd, que criou uma área para dar suporte a influenciadores interessados em criar as próprias marcas.
“Os influenciadores entenderam que têm na mão o controle sobre uma audiência potente, fiel, engajada e que compra os produtos de outras marcas que eram contratados para divulgar”, diz Santos, da MField. “Então, por que anunciar o produto de outra marca se podem criar e vender os próprios?”
Para Rafaela, da YouPix, em muitos casos, a decisão é também uma questão pragmática. Como o País tem mais de 500 mil influenciadores, com mais de dez mil seguidores (dado da Nielsen Media Research), é improvável que a publicidade seja suficiente para atender a todo mercado, em todos os segmentos. Assim, muitos vão em busca de alternativas para explorar a audiência cativa, ou diversificar as fontes de receita.
A transformação de criador de conteúdo e influencer em empresário, porém, nem sempre é rápida e sem percalços. Alguns influencers demoram anos até se sentirem confortáveis para dar um passo em direção à marca própria. E o processo costuma exigir um relacionamento sólido com seguidores, disposição para encarar novas tarefas, estudo, pesquisa de mercado e planejamento para colocar de pé o projeto.
Um dos exemplos mais bem sucedidos do mercado é o de Mari Maria. Seu primeiro grande sucesso veio com o lançamento de um pincel para aplicação de maquiagem, em 2017. A partir daí, conta, decidiu dar um passo adiante e lançar a própria marca de maquiagem, a Mari Maria Makeup. Para isso, porém, se envolveu em todas as etapas do processo, da concepção dos produtos até a embalagem. “Precisei adquirir conhecimentos técnicos sobre a indústria de beleza e desenvolvimento de produtos”, conta.
Foi o que fez também Sarah Fonseca, da Skin Quer. Ela diz que os seguidores sempre elogiaram muito sua pele e que sentia que as pessoas tinham dificuldade de montar uma rotina de cuidados, usando diferentes marcas. “Juntando a procura das pessoas à questão de simplificar uma rotina de skincare, decidi criar a Skin Quer com meu namorado, que viu a oportunidade comigo, trabalha com supply chain e super me incentivou”, afirma.
O processo de criação do produto e da marca envolveu o mapeamento de laboratórios, reuniões para a definição da linha de produtos e seleção de referências, entre outras etapas. Com os protótipos dos produtos em mãos, a dupla fez testes cegos com pessoas com diferentes tipos de pele, com idades de 20 anos a 40 anos, e usou as informações para os ajustes finais, enquanto desenvolvia a identidade visual da marca e o site, em paralelo. “Com uma equipe, seria mais rápido. Mas queríamos botar a mão na massa para garantir a qualidade”, afirma a influenciadora.
É uma história parecida com a do casal Eliezer e Viih Tube, que anunciou o lançamento de uma marca de brinquedos infantis, a Baby Tube, um mês após o nascimento da primeira filha, Lua, em abril. Designer, Eliezer conta que sempre quis ter a própria marca. Mas a iniciativa concreta de lançar uma só veio durante as pesquisas para a montagem do enxoval da bebê.
Além do aprendizado sobre maternidade, o processo incluiu estudos sobre o mercado de brinquedos, viagens ao exterior para visitar fornecedores, pesquisa de materiais, produtos e tendências, conta o influenciador digital. “Até na produção dos moldes, na fábrica, estivemos presentes”, diz Eliezer.
A veterana da TV, Sabrina Sato, destaca, ainda, a importância da afinidade com os produtos no processo de criação. Ela conta que sempre se exercitou. Fez ginástica olímpica, balé, lutas. E sempre transmitiu esses momentos para as pessoas que a acompanham. “Fazendo isso, criei ali o interesse e uma oportunidade de ter uma marca me acompanhando. É algo genuíno, por isso deu tão certo”, afirma ela, que tem uma parceria de quase dez anos com a Alto Giro, de roupas fitness, por exemplo.
O que costuma mudar, em casos de cocriação com empresas, é que parte dos processos de desenvolvimento pode ser feita a quatro mãos com as empresas. Segundo Mariana Moraes, diretora de marketing da C&A, marca com histórico de mais de 70 collabs, das quais cerca de 15 estão atualmente na grade de produtos, alguns criadores são mais ativos e gostam de se envolver na criação. Outros, se envolvem menos.
Ela conta que já houve casos em que foi preciso a equipe da empresa ir à casa do influenciador olhar o guarda-roupas para ajudá-lo a identificar o próprio estilo e criar uma coleção. Em outros casos, diz Mariana, como na criação de uma coleção em parceria com Juliette Freire, então no BBB, o isolamento durante o programa obrigou a empresa a se adiantar pesquisando no histórico de publicações da influencer e buscando referências nas roupas usadas por ela no programa. Mas, em muitas iniciativas do tipo, o envolvimento da empresa fica mais limitado à curadoria de influencers e ao alinhamento prévio do posicionamento e dos valores das marcas na ação desenvolvida em conjunto.
Os cuidados com a elaboração dos produtos se justificam. Na era das redes sociais e das celebridades digitais, a audiência conta, para o bem e para o mal. Em caso de deslize, ou algo visto pelo público como tal, a imagem do influenciador pode sair arranhada.
Um dos casos mais recentes e emblemáticos é o da influenciadora Virgínia Fonseca. Em março, ela lançou uma base de sua marca, a WePink, e passou a receber críticas nas redes sociais de outras influenciadoras, que questionaram o preço e a qualidade do produto. Virgínia respondeu às críticas em uma live, dizendo que fez um produto que usa e do qual gosta. “A melhor do mercado”, afirmou. Mas a polêmica seguiu e a resposta, arrogante na visão de parte do público, gerou ainda mais críticas à influencer.
“Em uma marca autoral, há uma relação intrínseca entre o criador e a marca em si. Eles se confundem. Todas as atitudes que ele tomar em público vão ter impacto na sua marca. Não tem como separar a marca da pessoa”, diz Iara, da ESPM. “Você acaba se expondo dos dois lados”, afirma Flávio Santos, da MField.
Existe também o risco de se indispor com marcas anunciantes. Alguns deles encaram a entrada de influencers no mercado de modo natural e buscam participar da tendência através de collabs. Outros veem com mais desconfiança o movimento.
Alguns números da Circana sugerem o porquê. Ao menos no segmento de cosméticos. Segundo a empresa, cerca de um quarto das vendas da categoria no País são de marcas de influencers ou collabs. Nos últimos 12 meses, enquanto o mercado de maquiagem, em geral, cresceu 2%, as marcas de celebridades, no mesmo universo, se expandiram 22%.
Evitar conflitos é um dos motivos que faz com que influencers como Bruna Tavares se posicionem no mercado buscando novos nichos, e não como concorrentes diretas de marcas tradicionais (leia entrevista abaixo). Foi também o que levou Sarah Fonseca a começar a recusar anúncios de produtos da mesma categoria da Skin Quer seis meses antes de lançá-la.
Dafne, da Época Cosméticos, diz que a empresa demorou um pouco para embarcar na tendência do marketing de influência porque queria entrar com um formato em que ficasse à vontade no relacionamento que tem com a indústria há mais de 30 anos. “Somos um site multimarcas e não está na nossa estratégia ter uma marca própria que vai competir com marcas com as quais a gente trabalha”, diz.
Por isso, o formato escolhido, segundo a executiva, foi o das collabs, com foco e duração bem definidas, “cuidando sempre para não conflitar”. “Assim, não ficamos presos a uma marca só nossa e conseguimos agilidade para acompanhar uma tendência ou atender a necessidades pontuais dos clientes”, diz a executiva da empresa, que já fez parcerias com Anitta e Boca Rosa.
Apesar de parte da indústria ver com desconfiança os novos competidores, há também muitos influencers que não encaram o lançamento de produtos próprios como potencial fonte de conflitos com os anunciantes parceiros.
O ator, cantor e influencer de moda João Guilherme, que anunciou recentemente uma associação com a Filadelfio e o desenvolvimento de uma colaboração com a Another Place, é um exemplo. “O fato de eu ser sócio de uma marca de roupas não significa que eu ache que as pessoas tenham que usar só ela. Sigo trabalhando com marcas que eu acredito, que tenham sinergia com o que eu comunico, e ser sócio de uma delas só ampliou minha visão para entender mais profundamente como eu posso trabalhar com fashion no geral”, afirma.
Como lembra Rafaela, do YouPix, na era digital, é preciso considerar que as relações de poder estão se invertendo e talvez passe a ser desinteressante não para o anunciante, mas para o influencer aceitar um convite de associação.
“As marcas que não virarem creators competirão em desvantagem com os creators que virarem marcas”, afirma Rafaela, citando Gian Martinez, fundador da Winnin, que analisa grandes tendências nas redes sociais. “Esse é o pensamento para as marcas navegarem nesse momento novo”, diz.
Dubes Sônego
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