Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Morre Oscar Niemeyer, metade gênio e metade idiota

Morreu o arquiteto Oscar Niemeyer, aos 104 anos. Pensava e escrevia coisas detestáveis. Dele se pode dizer o que disse Millôr Fernandes sobre um colega seu de Pasquim: “Metade é gênio, e metade é idiota”.

Não tenho nada a acrescentar ao que escrevi sobre ele, neste blog, quando fez 99 anos – teve tempo de escrever e de dizer muitas tolices depois. Mas nada disso, acho, macula a sua obra. Reproduzo aquele texto. Volto para encerrar.
*
Um homem não é sua obra. Céline — Louis-Ferdinand Céline — era um idiota político e um antissemita delirante. E, no entanto, escrevia como um príncipe. Cumpre não usar o seu belo texto para justificar seu cretinismo. Ezra Pound era um fascistoide do miolo mole, mas um poeta admirável (embora não do meu gosto pessoal) e um homem de cultura. Os textos sobre política de Fernando Pessoa não servem nem para catar cocô. E foi, a meu ver, um dos maiores poetas de todos os tempos em qualquer língua. A lista seria gigantesca. Há cretinos políticos de esquerda também. O meu romancista predileto no Brasil, Graciliano Ramos, era comunista, mas São BernardoAngústiaVidas Secas ou mesmo Memórias do Cárcere — relato de quando foi preso pela ditadura de Getúlio justamente porque era comunista — não são.

Os meus amigos sabem o que penso: artistas jamais deveriam se ocupar de política — não em sua arte. Não acredito em obra engajada, a não ser naquela que expressa melancolia, desespero e saudosismo. A boa arte política é sempre reacionária, voltada para o passado. Artistas que se dobram a utopias finalistas se transformam em prosélitos. Desconheço se Churchill escreveu algum verso ou disse algo relevante sobre a condição humana. Mas, em política, foi o maior entre os, chamemo-lo ainda assim, contemporâneos. Cada coisa em seu lugar. É típico do obscurantismo e da burrice — fascista ou leninista — satanizar a obra deixada por um artista por conta do seu alinhamento ideológico. Seria como censurar Churchill porque mau poeta.

Respeito, como quase sempre, opiniões contrárias e até entendo a natureza da crítica. Pessoalmente, no entanto, acho Oscar Niemeyer um gênio, embora deplore as suas escolhas políticas e enxergue em sua trajetória de vida o principal desvio de caráter dos comunistas: o oportunismo nos meios com o totalitarismo no fim. Mas e daí? Vou dizer, por isso, que não vislumbro no seu trabalho a centelha do gênio? Vislumbro. Não sei quanto tempo ainda dura esta nossa aventura. Pelo tempo que durar, o seu trabalho restará como bom exemplo do que pode produzir o gênio humano.

Assim como, sei lá eu, o gótico foi a expressão material do espírito de um tempo, acho que Niemeyer conseguiu dar forma à cultura moderna, com a leveza do seu concreto, o que já é quase um clichê. A Catedral de Brasília, templo de oração projetado por um ateu militante, consegue a síntese perfeita entre o mundo horizontal e igualitário — o espírito do tempo moderno — e o apelo ao divino, a memória cultural que uma igreja, qualquer uma, evoca. Acho descabidas as críticas a seus prédios brasilienses — “desconfortáveis”, “ignoram a natureza”, sei lá o quê… Mas tudo bem: essa crítica é pertinente e aceitável.

O que censuro mais em Juscelino Kubitschek do que nele, aí, sim, é a vocação para achar que a sociedade obedece a regras que cabem num projeto. Brasília foi, em muitos aspectos, um delírio caro, desnecessário e megalômano, que, ademais, afastou a política da vida dos cidadãos comuns. A concepção, em si, é autoritária, menos pelo que possa haver de “comunismo” embutido do que de descolamento de certa elite da realidade do país. Cidades só nasciam por atos administrativos na vontade de imperadores e déspotas. Elas são construções coletivas, como, aliás, a Brasília cheia de defeitos de hoje prova à farta.

Voltei
A estupidez política de Niemeyer, que defendia regimes homicidas, não condena a sua obra. Mas a sua obra também não absolve a sua estupidez política.

 

Fonte: http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/

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Comentário de Z em 8 dezembro 2012 às 4:36

Edson e Pedro, concordo com ambos.

Somos - ou nos supomos - seres inteligentes.

Se a concordância total e a unanimidade é "burra", a discordância serve para pensarmos, mudarmos  e separar o que nos interessa, dar credibilidade a alguns e colocar no esquecimento a outros.

Nunca desista de participar e brigar pela sua opnião.

Siga o enterro.

Comentário de Pedro Paulo Andriani em 7 dezembro 2012 às 12:28

Edson Baron, parabéns pelo seu comentário brilhante abaixo. Discordo totalmente de algumas pessoas que postaram alguns comentários aqui. Muitas vezes é melhor não escrever nada .....

Comentário de Edson Baron em 7 dezembro 2012 às 8:14

Reinaldo Azevedo demonstra há muito tempo certo traço de insanidade. Ativista de ultra-direita  esquece-se do quanto esse regime também é homicida. Só que para ele os homicídios dessa parte são justificáveis (na cabeça dele, claro!), pois sempre são cometidos em "prol de um bem maior".

Tratar Niemeyer como metade gênio e metade idiota significa demonstrar para a sociedade que ele, Reinaldo Azevedo, deve ser 99% idiota e 1% medíocre. Não coloca corretamente na balança o tanto de gênio, amplamente reconhecido pelo mundo, e o pouco de ativista político com impactos insignificantes. Simplesmente dividiu 50% a 50%.

Para Reinaldo Azevedo, todos que pensam diferente de sua cabeça doentia de ultra-direita deve ser ridicularizado, defenestrado, jogado nas trevas. Ele já perdeu a capacidade de enxergar seu próprio obscurantismo. Se conheço um mínimo o Fabio Barbosa (CEO da Ed. Abril), imagino que ele já deva estar com esse cidadão atravessado. Fabio demonstra ser de uma casta bem mais tolerante e democrática e deverá aos poucos reconduzir Veja para o lugar da qual ela saiu há muito tempo (antes até dessa perseguição implacável ao grupo atualmente no poder central). Veja desrespeita o leitor e Reinaldo Azevedo representa a essência desse desrespeito.

Permita-me, Silvia, democraticamente discordar de você. Esse é mais um texto medíocre e desrespeitoso do Reinaldo que, ao contrário do que você pensa, é 100% envolvido de forma narcisista e desequilibrada com a política, porque abomina todos os que pensam diferente dele. Exala muito da política já condenada do passado, ainda que a atual deixe muito a desejar para qualquer cidadão de bem. Mas esta, com todos os seus males - e não são poucos - ainda permite algo que não tem preço: Liberdade de expressão.

Niemeyer pode ser 90%... ou mais... ou menos... mas 90% de talento absoluto, um desbravador, respeitado no mundo todo e com um restante em % de humanidade, que aceita os erros e defeitos que qualquer humano virtuoso possui.

Fará companhia ao Joelmir Beting - esse sim, um Jornalista com J maiúsculo - na imensidão dos grandes.

Comentário de djalma pereira dias em 7 dezembro 2012 às 7:08

O projeto de uma vida vem de ideias e inovações!...Eu vi isto em Niemeyer sempre buscando o diferente ante o fem do seui tempo.

Comentário de Romildo de Paula Leite em 6 dezembro 2012 às 22:38

A estupidez política de Niemeyer, que defendia regimes homicidas, não condena a sua obra. Mas a sua obra também não absolve a sua estupidez política.

 

Comentário de Z em 6 dezembro 2012 às 20:05

Vou tirando o chapéu aos comentários alinhavados do Luiz Bento Pereira e costurado brilhantemente pelo Edson Baron.

ON é o segundo brasileiro mais conhecido no mundo - Pelé é hors concours.

Silvia, é isso, Brasilia foi projetada para X pessoas; agora temos lá milhares de ladrões, isso faz muita diferença.

Comentário de silvia borges em 6 dezembro 2012 às 18:42

Morte do O.N. é notícia internacional: acabei de ouvir uma longa entrevista na N.P.R. (National Public Radio) com o autor de um livro eescrito sobre "capitais mundiais desenvolvidas por decreto, e não por evolução histórica" e, quanto à Brasília e O.N. ele diz que depois de a ter visitado em Julho, o planejamento que outrora havia sido feito para 100.000 pessoas perdeu totalmente sua relevância diante de 2.000.000 de habitantes, e que o O.N foi muito inocente ao pensar que os ricos morariam nos mesmos prédios que os pobres, sendo que estes nunca foram bem-vindos nos bairros adjacentes ao lago. Laudeou os desenhos audaciosos e mencionou o prédio das Nações Unidas e o de Washington, DC.

Também vi comentários que o Sr. Lucio Costa foi o urbanista - - -

Obituário:

http://www.npr.org/blogs/thetwo-way/2012/12/05/166613886/architect-...

Comentário de Edson Baron em 6 dezembro 2012 às 18:26

Sem a intenção de desagradar qualquer que seja, endosso totalmente o comentário do Luiz Bento.

Matérias envolvendo o segmento têxtil e de confecções, em todos os seus aspectos, mesmo o político, surtiriam melhor efeito e tornaria esse espaço mais focado naquilo que realmente interessa a nossa cadeia.

Mesmo porque a maioria certamente está enfastiada da sujeira política, e a própria revista Veja deve satisfação à sociedade brasileira de bem por um envolvimento totalmente nefasto com um grupo corruptor.

Sei que o Erivaldo jamais fará qualquer tipo de censura e isso cabe ao bom senso de todos os integrantes desse espaço fantástico de discussões e disseminação de conhecimento.

Comentário de silvia borges em 6 dezembro 2012 às 14:58

Reinaldo, que texto bem escrito! Espero que você não se envolva com a política - kkkkkkkk - seu gênio está nas letras, amigo. Nossa, 104 anos, caramba!

Eu não sabia nada sobre as inclinações ideológicas do ON - aliás, nem sabia que ele ainda vivia - e esse post erreverente me elucidou. Pelo visto, não perdi nada!

Há 3 anos atrás visitei Brasília pela primeira vez. Andei tudo a pé e de ônibus. Cheguei na Catedral vindo por de trás do prédio: o lado de fora me deu uma impressão de ser impenetrável, à prova do Juizo Final.

Por dentro é outra coisa, só visitando para entender: aquela parede altíssima, coroada com espinhos metálicos e coberta em mármore branco não termina, ela simplesmente se curva e vira o chão. "Ensimesmante"!

Eu ouvia uma missa sendo celebrada ao meu redor, mas não havia absolutamente ninguém na nave! Não se via caixas acústicas - - - um mistério. Caminhei em direção ao altar e descobri que, nas laterais, haviam degraus descendo à capela, aonde realmente tinha gente orando. É que a acústica do prédio é tal que o som emana-se das profundezas e enche o ambiente!

(incongruentemente, vi uma loja de souvenirs dentro da igreja)

Silvia

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