Pouco antes do fim do ano passado, a jornalista Claudia Safatle, no “Valor Econômico”, relatou conversa com fonte na área econômica tratando, entre outras coisas, da percepção do governo acerca de suas relações com o setor privado.
O tema foi a mudança de orientação do governo Dilma Rousseff, que teria dado uma “guinada no estatismo” típico do Programa de Aceleração de Crescimento em prol de uma orientação mais empresarial.
Segundo a fonte: “A Dilma ministra-chefe da Casa Civil do governo Lula acreditava que o Estado, com seus investimentos, faria o país crescer. A Dilma presidente da República entendeu que há limitações e que é preciso trazer a iniciativa privada para o crescimento econômico”.
Parece boa notícia, mas desconfio de que nem a fonte nem a presidente entenderam muito bem o que significa “trazer a iniciativa privada para o crescimento econômico”.
Para usar categorias empregadas pelo economista Luigi Zingales, o governo parece confundir uma política pró-negócio com uma orientação pró-mercado.
A primeira consagra vencedores em setores eleitos a dedo, sem que saibamos ao certo os critérios de escolha.
A segunda buscar criar condições para que empresas possam florescer em um ambiente competitivo, abstendo-se de eleger a priori os campeões nacionais.
Os resultados dessas abordagens não poderiam ser mais distintos, como expresso, por exemplo, no indispensável “Why Nations Fail” (Por que nações fracassam?), de Daron Acemoglu e James Robinson.
Como argumentado por esses economistas, políticas pró-negócio tipicamente levam a lucros de monopólio, beneficiando uns poucos setores à custa do resto da sociedade.
Com lucros garantidos (o chamado “capitalismo de compadres”), reduz-se o incentivo à atividade inovadora e assim o impulso ao crescimento de longo prazo, sustentável apenas pela expansão persistente da produtividade.
Políticas pró-mercado, em contraste, não se ocupam da eleição de vencedores, mas, sim, em forjar um ambiente econômico que facilite a proliferação de inovadores para que da quantidade surja a qualidade.
Tributos mais baixos (e, principalmente, mais simples), agilidade na criação (e destruição) de empresas, respeito aos direitos de propriedade são medidas, entre outras, que fazem parte desse ambiente, cujo sucesso é fartamente documentado na literatura econômica, inclusive no livro citado.
Não é preciso clarividência para perceber que a orientação governamental aproxima-se do primeiro caso, sem muito parentesco com o segundo grupo de políticas.
O governo crê que sua ação, seja por meio de políticas setoriais, seja pela manipulação da política tributária ou creditícia, criaria os “incentivos corretos” (segundo seus próprios e inescrutáveis critérios) para o investimento empresarial e é nesse sentido que acredita ter se aproximado do setor privado.
O viés intervencionista, porém, não se esgota nisso. Por coincidência (ou não), na mesma coluna, ao discorrer sobre o pacote de concessões (privatização permanece como palavra tabu no dicionário governista), faz-se menção explícita aos limites impostos sobre o retorno do capital investido nesses projetos.
Assim, ao mesmo tempo em que oferece lucros extraordinários a setores eleitos, o governo arbitra o retorno em outros segmentos e ainda se ofende quando os prejudicados reclamam.
Não é assim que uma economia capitalista prospera. Sob um regime como o que vigora no Brasil, há mais a ganhar tentando influenciar decisões de política do que na atividade empresarial propriamente dita. É de esperar, portanto, que empresas reajam racionalmente a isso, direcionando seus recursos para o lobby em vez de ao investimento produtivo e à inovação.
Num momento em que o esgotamento da mão de obra ociosa deixa claros os limites ao modelo de crescimento do país, investimento e produtividade são as saídas possíveis, mas, sob o regime pró-negócio, cada dia mais remotas.
Fonte: Folha de S. Paulo,
Autor: Alexandre Schwartsman
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