"Considerar um sucesso a capacidade de colocar obrigações a dez anos a uma taxa de juro de 6,7% diz alguma coisa do profundo desespero europeu" EPA
José Sócrates considerava ontem que a colocação de dívida nos mercados era um “sucesso” fosse qual fosse “o parâmetro pelo qual se analise”. Ainda na quarta-feira, dia desse leilão da dívida soberana portuguesa, o Prémio Nobel da Economia Paul Krugman considerava a taxa de juro da operação (6,716%) “pouco menos que ruinosa”, advertindo que com mais sucessos destes e estaremos a trilhar o caminho da destruição da periferia europeia.
A ironia da meia dúzia de linhas no blogue do The New York Times com que Krugman faz a sua análise à operação portuguesa vai até ao osso da situação quando diz compreender o facto de – face à atual situação - terem sido muitos a celebrar os números desta colocação de dívida.
"Considerar um sucesso a capacidade de Portugal colocar obrigações a dez anos a uma taxa de juro de 'apenas' 6,7 por cento diz alguma coisa do profundo desespero da situação europeia", anota o Nobel da Economia, a quem são atribuídos os primeiros avisos de que vinha aí uma crise internacional sem precedentes.
Opinião diferente foi ontem veiculada pelos governantes nacionais, aliás secundados pelas várias autoridades europeias. O primeiro-ministro considerava a partir da Alemanha, onde se encontra numa feira têxtil, que o sucesso da operação era o reflexo de que Portugal está a fazer aquilo que deve, e que os mercados estão a reagir positivamente.
Um sucesso em todos os apectos, disse Sócrates
A colocação da dívida foi "um sucesso, qualquer que seja o parâmetro pelo qual se analise", fez notar José Sócrates, para acrescentar perante a imprensa internacional que foi "um sucesso na procura e um sucesso no preço e isso é a melhor demonstração de confiança na economia portuguesa por parte dos mercados".
Para o primeiro-ministro, os resultados da operação de ontem são a prova do "reconhecimento por parte dos mercados de que Portugal está a fazer o que deve" e a colocação de dívida a juros inferiores ao leilão anterior é "a reação dos mercados à boa conduta do Governo português de reduzir o défice e pôr as contas em ordem".
Horas antes, também o ministro das Finanças puxava da mesma repetição terminológica para reagir com satisfação à elevada procura e face a taxas de juro abaixo dos valores exigidos no mercado secundário. Teixeira dos Santos chamou os jornalistas ao Terreiro do Paço para falar de “um claro sucesso": "O conjunto destas duas operações foi claramente um sucesso. Foi um sucesso porque a procura triplicou o montante emitido, o que é um recorde nos tempos mais recentes, em termos de procura de emissões de dívida pública portuguesa. Por outro lado as taxas a que as operações se realizaram são taxas claramente inferiores às do mercado secundário e, inclusivamente, a taxa da obrigação a dez anos foi inferior à taxa da última emissão".
Correu muito bem, admite chanceler alemã
Mas houve outras vozes do panorama europeu a aplaudir a operação nacional. Duas a reter, as duas em alemão: circunstancialmente importante, a de Wolf Klinz, presidente da Comissão do Parlamento Europeu para a Crise, que está a realizar um périplo pelos países com mais dificuldades, e, inevitavelmente vital para Portugal, a da chanceler Angela Merkel.
Face aos resultados deste leilão do Tesouro português, Wolf Klinz afirmava a partir de São Bento, a meio de uma ronda de encontros, que havia então "forte suporte à posição de que Portugal não precisa por agora do apoio internacional".
Angela Merkel, por seu lado, elogiava as medidas de austeridade do Governo português, para dizer: "Do que sei, correu muito bem. Penso que são notícias decentes. De forma geral, Portugal adotou diversas medidas extra. Ambos consideramos que estas medidas são impressivas".
De facto, a ideia que passou durante o dia de ontem era a de que Portugal tinha passado no teste - o Estado conseguiu financiar-se em 1250 milhões de euros a juros mais baixos, afastando o fantasma do FMI - o que servira para acalmar os mercados.
De sucesso em sucesso até à derrota final, adverte Krugman
A voz dissonante ao laudatório que parecia geral foi a de Paul Krugman, que também não foi levado a sério quando anteviu o alcance da atual crise mundial. E o professor norte-americano Nobel da Economia cava fundo e, tendo em conta as circunstâncias, avisa para os perigos de um aplauso tão generalizado.
"Se pensarmos sobre a dinâmica da dívida, uma taxa de juro tão alta é pouco menos que ruinosa. Mas não é, de facto, tão má quanto as pessoas estavam à espera na semana passada; daí o sucesso", escreve Krugman para lançar um alerta que fica a pairar como uma sombra: “Mais alguns sucessos e a periferia europeia será destruída".
Em Portugal, o deputado comunista Agostinho Lopes alinha pelo radicalismo dos termos e aponta “estas taxas de juro" como um "suicídio" do país.
Ouvido durante a tarde de ontem pela Agência Lusa, Agostinho Lopes considerou que "esta via de emissão da dívida a estas taxas de juro corresponde ao suicídio do país através da dívida pública".
As taxas "continuam manifestamente insustentáveis face à situação económica do país", sublinha o parlamentar do PCP, acrescentando que não percebe a "euforia do Governo".
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