Nova York — O advogado Joel Klein foi o mais longevo secretário de Educação da cidade de Nova York — de 2002 a 2011. E provavelmente também o mais controverso. Quando convidado pelo ex-prefeito Michael Bloomberg, Klein tinha adquirido uma reputação de ser implacável com grandes corporações na divisão antitruste da Procuradoria-Geral da República.
Sua maior vitória havia sido um processo contra a Microsoft, que se viu forçada a mudar sua estratégia de venda do Internet Explorer. Mas seu trabalho mais complicado ainda estava por vir. Bloomberg queria que Klein revolucionasse as escolas da maior rede pública do país.
O resultado de seus quase dez anos à frente da Secretaria de Educação está no livro Lessons of Hope (“Lições de esperança”, numa tradução livre). Lançado no ano passado, figurou na lista dos mais vendidos do jornal The New York Times e foi eleito um dos melhores livros do ano pela revista The Economist.
Nele, o ex-secretário conta como levou princípios da iniciativa privada para as escolas públicas. Uma das decisões mais controversas de Klein foi ordenar o fechamento de escolas com baixo desempenho. De seu escritório, Klein deu a seguinte entrevista a EXAME.
Exame – O senhor tinha dúvidas se era possível alcançar excelência em educação em uma rede escolar tão grande e cheia de desigualdades como a de Nova York. Hoje o senhor diria que é possível?
Joel Klein – Obter um nível de excelência por toda a rede é impossível. As escolas enfrentam muitos desafios que não estão sob controle de uma Secretaria de Educação. A pobreza impacta muito no aprendizado. Mas é, sim, possível manter um ritmo constante de melhoria.
Exame – Quais foram os resultados que o senhor alcançou em Nova York que mais lhe orgulham?
Joel Klein – Aumentamos cerca de 50% o percentual de estudantes que terminam o ensino médio. Os cinco distritos da cidade de Nova York (Bronx, Queens, Staten Island, Brooklyn e Manhattan) saíram das últimas posições no teste estadual e foram para o meio ou para o topo do ranking de melhores regiões. Os resultados em matemática passaram da média do país, ainda que Nova York atenda uma população mais desfavorecida.
Exame – Como foi a reforma que permitiu essa mudança?
Joel Klein – Nosso projeto pode ser dividido em três partes. Primeiro, a disposição de fechar 150 das piores escolas e substituí-las por 600 novas unidades, a maioria de menor porte e no modelo charter, administradas por organizações privadas. Depois demos mais poder e autonomia aos diretores. Por fim, fizemos um esforço para levar inovação para dentro das escolas, com programas que mudaram o jeito de ensinar.
Exame – Por que a decisão de fechar escolas?
Joel Klein – Escolhemos unidades grandes, em regiões mais pobres da cidade, como o Bronx, e que obtinham um desempenho muito ruim em diversos indicadores, sem nenhum sinal de progresso. Eram escolas violentas, com alunos que mal aprendiam a ler e a escrever. Calculamos que seria mais fácil começar do zero. E foi.
Exame – Mas a maioria dessas novas escolas foi construída nos mesmos terrenos das que foram fechadas, não?
Joel Klein – Sim, mas com uma equipe totalmente nova. Dividimos, por exemplo, uma grande escola, de 3 000 alunos, em seis outras com 500 estudantes cada uma. E demos aos pais e aos estudantes a opção de escolher. A Fundação Bill & Melinda Gates se entusiasmou por esse processo quando fizeram uma avaliação nacional de programas para resgatar as piores escolas e viram que nossa estratégia era a que funcionava melhor.
Exame – Por que o tamanho da escola é tão importante?
Joel Klein – O tamanho importa, mas não é determinante. Há escolas com 2 500 alunos que vão muito bem. Isso costuma acontecer em bairros onde as famílias mais ricas moram. Em bairros desfavorecidos, o tamanho ideal é de cerca de 450 estudantes. Com um número menor de alunos, a equipe da escola consegue ter uma proximidade maior com os alunos e também com os pais.
Exame – Bill Gates, da Microsoft, e Jack Welch, ex-presidente da GE, colaboraram com sua gestão. Como foi a ajuda deles?
Joel Klein – Gates e sua fundação foram fundamentais na doação de recursos a muitos dos programas que tocamos. Fundações frequentemente trazem boas ideias com base em experiências de outros lugares. Mas acho que, antes de convidar entidades filantrópicas para participar, o governo deve decidir quais políticas vai priorizar. Assim, é mais fácil arrecadar os recursos.
Sem falar que aumentam as chances de acertar. O dinheiro da filantropia também foi muito útil para que conseguíssemos levantar e divulgar dados preciosos sobre cada escola. Criamos uma plataforma com a qual era possível acompanhar o progresso de cada estudante da rede. Era possível ver as áreas em que uma escola é mais forte e aquelas nas quais não vai tão bem.
A participação de Jack Welch foi diferente. Ele ajudou a desenvolver nosso plano de formação de líderes escolares. Discutimos muito como melhorar os diretores, um problema gigantesco. Depois, ele esteve em vários encontros com gestores escolares. É impossível ter uma boa escola sem um bom diretor.
Exame – Qual foi o papel da empresa de tecnologia IBM?
Joel Klien – Criamos vários modelos inovadores de escola, mas a que mais se expandiu até agora foi a P-Tech, uma parceria com a IBM. Lá, em vez de o aluno fazer o ensino médio em quatro anos, ele leva seis anos e termina com um diploma técnico em ciência da computação.
As aulas práticas começam já no primeiro ano. A IBM moldou o currículo para adequá-lo às necessidades de empresas de tecnologia e certifica os estudantes no final. Quase metade dos formandos acaba sendo contratada pela empresa. Esse modelo está se replicando pelo mundo. Já são mais de 60 escolas nos Estados Unidos e um total de 150 no planeta. Elas são, geralmente, fruto de parcerias com companhias locais.
Exame – Algumas das mudanças em seu período como secretário foram desfeitas pela atual administração, do prefeito democrata Bill de Blasio. Qual é sua avaliação?
Joel Klein – Uma mudança de paradigma que aposto que permanecerá são as escolas charter, administradas por uma entidade privada. Essas escolas dão às famílias mais pobres a possibilidade de escolher se querem matricular seus filhos numa escola pública tradicional do bairro ou num colégio público sob concessão privada. Essa liberdade de escolha tira o monopólio do governo.
Pelo que conseguimos medir, os pais gostaram muito de ter essa opção, tanto que há mais inscritos do que vagas nas unidades charter. Caso as empresas que tenham a concessão não apresentem um bom desempenho, perdem o direito de administrar aquela unidade.
Por isso, geralmente os resultados são bem satisfatórios. Quando assumi a secretaria, havia apenas 2 000 alunos nessas escolas. Hoje são 100 000. E nenhum governo ousará mudar. Por quê? Porque elas dão certo.
Fonte: Exame,
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