Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

O POVO – Qual o balanço que você faz desta edição do Fashion Rio?
Paulo Borges – O que eu sinto cada vez mais da moda? Maturidade, expressão, inteligência – no sentido de adequação do momento da moda. A moda, no mundo todo, vive um momento mais objetivo, momento de resultado rápido, por todo o processo de mudança da moda como um todo. Do fast fashion, da internet, a globalização comercial e de informação. Tudo isso mexe com o sistema da moda no mundo inteiro e, consequentemente com a moda no Brasil. Então tudo acaba acarretando um grande risco, você fazer rápido, bem feito, com identidade, com expressão, com criatividade... são ingredientes de uma balança que nem sempre tudo isso cabe no mesmo lugar. O que eu tenho sentido das coleções é esse equilíbrio maduro, ao qual o sistema produtivo está imposto pelo sistema econômico. A gente vê coleções predominantemente com uma brasilidade inteligente. Eu até falei no começo da temporada, no São Paulo Fashion, que a gente tem que defender muito a maneira como o mundo nos vê, porque a maneira fácil que o mundo nos vê é cheia de papagaios, de bananeiras, de abacaxis, como estereótipo. A gente viu, por exemplo, na terça-feira, uma coleção de praia da Osklen estupenda, cheia de iconografia brasileira, mas contemporânea, moderna, arrojada, de design. Você vê o Brasil, você vê o tropical brasileiro, mas é novo. Não é uma caricatura dos anos 40, 50, não é a caricatura da Carmen Miranda, da Bossa Nova, não é nada disso. É um momento moderno, é olhar pra frente, é muito bom isso.

OP – Sobre as redes de fast fashion, há estilistas que fazem parcerias e quem condene o sistema. Como você vê a inserção do modelo de fast fashion na moda? É positivo ou negativo?
Paulo – A questão não é se é positivo ou negativo, porque ela está imposta. Ela é vigente. O fast fashion começou no mundo como uma fórmula específica de uma marca, a Zara, que copiou, pirateou e transformou isso num processo de negócio, de tal forma que foi contaminando os seus pares, os seus concorrentes. E isso foi contaminado o processo da moda como um todo, de forma global. E isso é a economia, a economia inclusive em processo sistêmico, de forma encadeada, em que uma coisa está ligada na outra. Então se você tem um negocio dentro desse segmento e está vendo as coisas acontecerem, você ter de se organizar em função do que está acontecendo. O fast fashion virou um estilo de moda quando na verdade é começou como um processo de uma empresa. Ele está aí. Se é positivo ou negativo, acho que não vem ao caso. Você tem trabalhar com isso, essa é a realidade. Tem uma série de benefício que esse processo causa e uma série de malefícios. O benefício é o fato de pessoas de uma maneira geral terem de se mexer, terem de se rever, repensar. Porque também não é o fast fashion isolado. O fast fashion só fez o que fez, porque junto com isso teve uma mudança no mundo que eu acho que é a grande revolução que a gente vive que é a internet, a grande revolução deste século, ela mudou o mundo. Ela deu acesso à informação, ela deu voz às pessoas, ela mudou a chave do consumo, virou tudo de ponta a cabeça, em todos os sentidos, não só pra moda, não só para o consumo. Quando você junta a internet e o sistema de fast fashion, isso junto mudou o mercado. Você tem de ser rápido, criativo, competitivo, ter preço e gerar desejo. Tudo junto. Não é todo mundo que está conseguindo colocar tudo isso junto. É onde vê gente desenvolvendo e crescendo e vê empresas que tinha lá 30, 40 anos e não estão conseguindo fazer essa passagem. Infelizmente. Grifes vão desaparecer em função disso, de não conseguir se adequar ao novo modelo que impera e opera. Acima do bem e do mal, acho que é o que temo pra hoje.

OP – Existe uma tentativa de dar espaço para marcas novas entrarem na programação das semanas de modas?
Paulo – Sim, sem dúvida. Mas esse processo é lento. Tem uma conversa, um planejamento. A gente já está fazendo isso. A gente tem uma serie de mudanças que a gente está propondo para a questão da moda, do calendário, de surgir o Alto-Verão com a cara de resort, de ser um ponto focal para o Brasil, para que é muito importante. É muito importante lembrar – uma coisa que eu sempre falo – a plataforma de moda é uma plataforma em construção. Estamos a 20 anos fazendo SPFW, o Fashion Rio tem 10 anos, e a gente está há quatro para cinco anos fazendo o Fashion Rio, e o que eu sempre digo é que o nosso processo de moda vai ser feito com pelo menos 30 anos. A gente está experimento as necessidades importantes para o mercado.

OP – Sobre, justamente, essa informação de não haveria uma semana de inverno do Fashion Rio e sim uma de Alto-Verão, ela procede?
Paulo – A discussão sim, os desejos sim, os processos sim.

OP – Mas já foi batido o martelo?
Paulo – Não, ainda não. A gente tem feito reuniões, principalmente com a Firjan – porque na verdade, o Fashion Rio, diferente do SPFW, ele é quase como uma licença para a Luminosidade. Quem fundou o Fashion Rio foi a Firjan e é uma decisão que eu tenho de compartilhar com eles, eu não posso tomar sozinho. E com certeza, todas as decisões feitas na moda, seja no SPFW ou no Fashion Rio, são decisões de mercado. Ela sempre é compartilhada com todas as partes.

OP – Em que ponto está essa discussão?
Paulo – Está avançando, evoluindo. Está num bom caminho.

OP – E no que acarretaria o fim do Inverno e a criação do Alto-Verão?
Paulo – Não é que é o fim do Inverno. Isso saiu na imprensa de forma errada. Não foi uma coisa que nós chamamos para colocar, mas foi alguém que vazou as reuniões de planejamento e isso entrou de forma enviesada. A questão é a seguinte: nós temos hoje o SPFW e o Fashion Rio, as duas semanas trabalham Inverno e Verão. Nós fizemos uma primeira mudança, já tem dois anos, que foi mudar a data. Nós começamos a discutir em 2011, para começar a mudar em 2012 e em 2013 concluir. A gente lançava o Inverno em janeiro e o Verão em junho, mudou para o Verão em abril e o Inverno em novembro. Quando a gente fosse fazer essa mudança, eu já discutia lá em 2011, que o próximo passo seria a introdução do Alto-Verão. Qual a razão do Alto-Verão? O Brasil é feito pelo menos dez meses no ano de verão e Alto-Verão. É um país tropical, rodeado de praia, em que poucos lugares fazem frio e a gente tem de valorizar a introdução do conceito do produto de Alto-Verão para o consumidor, para o jornalismo, para gerar o desejo sobre um produto. A gente vive há 40 anos, pelo menos, no momento que é a melhor época pra moda negociar seu produto de Verão, é liquidação. Desde que eu me conheço por gente, a liquidação de verão é em janeiro. É a coisa mais estúpida que eu vejo e eu discuto isso há 30 anos que eu trabalho com moda. Por que em janeiro tem liquidação de Verão? Porque é um produto que entrou no varejo em meados de agosto e setembro. Setembro, outubro, novembro, dezembro... Ninguém mais aguenta esse produto, chega em janeiro liquida. Se você tem um Verão que entra em agosto, chega em dezembro que é férias e festas põe o Alto-Verão. Aí você tem lá a liquidação de Verão, mas tem o produto novo, que é quando as pessoas viajam, tiram férias, fazem festas, viajam para o Carnaval. É o nosso resort, que o mundo já está fazendo e é uma coleção muito bem sucedida comercialmente. Porque é a única coleção do ano que o estilista faz, a grife faz pensando no consumidor em lazer. Não é uma coleção que você compra porque você trabalha, porque é urbano, porque isso ou aquilo. É uma coleção de prazer, de lazer, de praia, de viagem. E isso gera mais percepção de valor, de marca, de produto, de posicionamento. É muito importante para o Brasil ser o grande lançador de Verão e Alto-Verão, porque o mundo não tem um lugar para lançar o Alto-Verão e nesse momento se concentraria os desfiles de praia. Esse é o grande objetivo. Nesse sentido, não tem por que ter duas semanas de inverno. A minha sugestão é que a gente teria o inverno em São Paulo, o Verão no Rio e em São Paulo e o Alto-Verão no Rio.

OP – Que seria em que data?
Paulo – Teria de ser entre julho e setembro. De agora até 2016, a gente tem alguns problemas: Copa do Mundo, eleição e Olimpíadas. É isso tudo que a gente está discutindo, então provavelmente a gente vai começar esse projeto em final de agosto, começo de setembro e até 2016 ele fica nessa data e a gente adequa para ver se fica melhor trazer para julho. Aí o mercado vai se ajustando.

OP – Paulo, sobre algumas declarações suas sobre a falta de incentivo, apoio fiscal do governo com a moda. Como você vê isso e como se resolveria?
Paulo – Há uns dois anos, mais ou menos, algumas imprensas, mais ligados a jornal do que revista e site de moda, começaram a discutir que a moda está em crise, que a moda brasileira vai acabar... um monte de bobagem, um monte de manchete. Para mim é um tremendo absurdo. Há dois meses, a Revista Exame fez uma matéria muito grande com o Alexandre Birman (designer e empresário do ramo de sapatos, presidente da Diretoria Estatuária do Grupo Arezzo) na capa, em que eles mostram a radiografia econômica da indústria da moda no Brasil, que ela está crescendo muito, está crescendo 8% ao ano, enquanto a economia brasileira está crescendo 2%. A moda no Brasil cresce o dobro do que em qualquer outro lugar no mundo, então não tem crise. Tem crise no processo, tem crise na transformação que o mundo está vivendo, tem crise na nova dinâmica de tudo – que é a dinâmica do resultado rápido com margem líquida x, com a capacidade de você produzir, entregar e distribuir pelo Brasil inteiro, de dimensão continental. A crise é se readequar a uma necessidade de mercado, há um sistema que te empurra para velocidade máxima. Isso tudo, há 20 anos, eu falei para o Fernando Henrique (Cardoso, presidente do Brasil entre 1995 e 2003), para o Lula (Luís Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil entre 2003 e 2011), e para a Dilma (Rousseff, presidente atual do Brasil, com mandato desde 2011), falei para vários ministros e ninguém faz nada. O que eu falo é o seguinte: a moda brasileira tem uma capacidade de crescimento fenomenal, mas é a realidade é de um crescimento irreal, porque é um crescimento baseado no estrangulamento – por isso que a gente mudou a data dos calendários que é para as marcas poderem ter um tempo melhor d e produzir, de desenvolver, de entregar, de ter menos risco. Porque o sistema de moda no Brasil é muito cruel. Um exemplo, os estilistas estão aqui apresentam as coleções, depois vão para os showrooms, aí o comprador lojista vem e vai fazer o pedido. Se a gente estivesse em Paris, em Milão, em Nova York, na hora que esse lojista tirasse o pedido, eles teriam de pagar 30% na hora do pedido. Acabou o showroom, você vendeu x e você já tem 30% de x em caixa. Aqui, é completamente diferente. Você faz o pedido, eu produzo o pedido pra você, então eu banco o teu negócio, eu financio o teu negócio. É o estilista que está financiando o varejo sozinho. Aí eu te entrego e você não me paga, você só vai me pagar em 60, 90 dias. É quase o semestre inteiro. Então, quem financia a moda brasileira são as grifes, as confecções, para o varejo, para os shoppings, para as multimarcas, para todo mundo. Qual é a capacidade que essas marcas têm de virar grandes marcas, se o capital dela está todo investido na produção?

OP – E como o governo apoiaria e entraria nesse processo?
Paulo – Tem várias possibilidades. O que eu dizia até quatro anos quando eu estive com a presidenta Dilma, é que esse processo é brutal. O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal deveriam ter linhas de financiamento para a produção. Tem para o Pão de Açúcar, tem pra Gerdau, tem para Embraer (Empresa Brasileira de Aeronáutica), tem para Friboi, tem para tudo isso. Por que não tem para moda? O que eles fizeram? Terminaram com a concorrência, forma comprando empresas com o nosso dinheiro do BNDES, que é publico, deu dinheiro para uma pessoa privada comprar um monte de empresa e fazer um monopólio e ter uma empresa global maravilhosa. Qual o benefício de transformação efetivamente para o país? Se a mesma disposição que as entidades econômicas têm para com todas essas empresas e segmentos – telefonia, automobilístico, agronegócio, tudo se desenvolveu assim com dinheiro público, com financiamento a juros baixíssimos – tivesse com a moda. Por que não tem essa disposição para chegar para Animale, para Ellus, para qualquer empresa e fala assim “Me traga aqui um plano para você ter 300 lojas.”? Porque isso é a moda, é o capital ativo criativo brasileiro.

OP – Isso levaria moda de qualidade para mais gente a um preço mais acessível?
Paulo – Claro! É uma questão de produção, escala, custo baixo para produzir, criar pontos de venda, marca, distribuir para o Brasil e para o Mundo. Lá fora foi assim. Você acha que esses grupos começaram a crescer de que forma? E aí é um processo de inteligência, e não um processo assistencialista. Fora isso, a gente tem todo tipo de tributo sobreposto e enviesado, a gente tem uma infraestrutura precária, custo de energia absurdo, um custo de encargos, tudo isso vais sobrepondo custos. Eu dizia o seguinte, a última vez que eu disse fio para presidenta Dilma, esse é o gargalo da moda. Só que agora esse é o problema do Brasil, não é mais da moda. O Brasil inteiro está com esse problema. E hoje uma jornalista italiana me perguntou qual seria a saída. Antes eu falaria um monte de coisa, agora eu falo uma: a única solução para o Brasil se chama reforma política. Por que essas pessoas não fazem nada, é tudo farinha do mesmo saco, não adianta falar que a gente tem de mudar a questão econômica, financeira, previdenciária, trabalhista, se não mudar quem está ali.

OP – Como você acredita que vai estar a moda brasileira daqui a dez anos?
Paulo – Eu continuo enxergando a moda como eu enxergava há 30 anos: com um potencial fenomenal de capilaridade e de capacitação que une o Brasil inteiro. O Brasil é um país de dimensão continental, de diversidade cultural tremenda, uma riqueza criativa como poucos países do mundo têm e que tem uma coisa que une o Brasil, que é a alma e a felicidade no jeito brasileiro. E a moda pode traduzir isso. A moda pode pegar todos os detalhes culturais existentes no país inteiro e traduzir isso em expressão, produto, propaganda e espírito. A moda tem capacidade de incluir com o trabalho. E a mão-de-obra brasileira da moda ainda é muito artesanal e deveria continuar sendo, desde que a gente pudesse levar trabalho e formar profissionais com qualidade para isso tudo. A moda já a terceira economia do país sem nenhum tipo de apoio e plano, imagina se houvesse, o que a moda poderia fazer?

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Domitila Andrade domitilaandrade@opovo.com.br

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