A roupa tem vida útil. É um bem não durável que precisa ser reposto de tempos em tempos. Não apenas por uma questão de modismo. Precisamos adaptar as roupas ao clima da cidade em que moramos e devemos trocá-la com
regularidade para não rasgar — afinal, só dá para remendar até certo ponto. O
ciclo da moda foi se estabelecendo ao longo dos séculos por uma questão de
necessidade. Mas, aos poucos, tornou-se uma forma de o mercado se organizar e,
principalmente, lucrar. Por isso, de seis em seis meses somos bombardeados com
informações sobre novos estilistas e tendências. Nos é imposto o que vamos usar
na próxima temporada e o que estará disponível nas lojas.
O ciclo
envolve toda a cadeia produtiva. Desde as pessoas com estilo excêntrico, os
bureaus de tendências, as indústrias química e têxtil, os estilistas, os
moldistas — que estão em extinção —, os pilotistas, os costureiros, os modelos,
os jornalistas, os compradores, as empresas de fast fashion e mais uma
infinidade de profissionais que fazem a roda da moda girar. O resultado é uma
das cadeias mais charmosas e envolventes do PIB mundial. Aprenda como o funciona
o mecanismo da moda e saiba como a roupa que você está usando foi parar no seu
armário.
Underground
Os estudiosos do mundo fashion
gostam de classificar os consumidores em dois grupos: quem faz moda e quem usa
moda. O primeiro é formado por aqueles que definem o que vai ser usado nas
próximas estações. Não porque estudam o tema ou são pagos para isso, mas porque
são pessoas que estão à frente do tempo. Nele, podem ser incluídos algumas
celebridades, artistas, pessoas comuns e qualquer um que se veste de forma
inovadora. Eles estão concentrados, principalmente nas ruas de Estocolmo, Tóquio
e outras cidades nórdicas. Fazem parte desse grupo também os estilistas
vanguardistas — conhecidos internacionalmente ou não. Eles viram objetos de
estudo dos bureaus de tendências e referência de estilo. O consumidor se
transforma mo ponto de início do ciclo da moda.
Início
comercial
Por anos, as indústrias química e têxtil estavam no topo
da pirâmide, definindo as paletas de cores e os materiais da estação. Há quase
uma década, entretanto, elas trabalham em conjunto com os bureaus de tendências
para entender melhor o que o consumidor deseja consumir nas próximas estações.
As previsões são feitas com até um ano e meio de antecedência. Os institutos de
pesquisa avaliam mudanças culturais, econômicas e sociais de forma global. Cada
agência tem escritórios espalhados no mundo, que acompanham os desfiles de moda,
os estilistas vanguardistas, a maneira como as pessoas se vestem na rua, as
celebridades locais, as galerias de arte, os designers e as lojas da cidade.
Essas informações são analisadas e postadas em um portal na internet. Diversas
marcas de moda assinam o site, assimilam as tendências e desenham as suas
coleções.
Material
Com as informações sobre o
comportamento do consumidor, as indústrias química e têxtil definem as opções de
tecidos que serão oferecidas às confecções. São escolhidas as cores que serão
usadas durante a temporada, o estilo das estampas e os tipos de tecidos. Nos
últimos anos, as fábricas têm investido muito em tecnologia para diversificar o
mercado. De seis em seis meses, são lançadas propostas em feiras especializadas
e show rooms. As pequenas e médias empresas são convidados pelas fábricas para
conhecerem, nesses eventos, a coleção. "Fazemos parceria com os grandes nomes
que desfilam nas principais semanas de moda para criar estampas exclusivas e
desenvolver tecidos novos e tecnológicos", explica Paula Cimino, gerente do
setor feminino da TexPrima. Esse monopólio, entretanto, está mudando com o
lançamento da estamparia digital, pois permite que cada marca faça impressões
únicas em pouca quantidade.
Criação
Apesar de os
bureaus de tendência indicarem um caminho de comportamento, a indústria química
optar por uma paleta de cor e a indústria têxtil escolher os materiais e
estampas da estação, são os estilistas que efetivamente definem o que vai ser
usado. Eles usam as informações que são cedidas pelas agências e pelos
fornecedores de material como linhas de pensamento e não como regra. A criação
faz com que as informações coletadas pelos bureaus tomem forma, modifiquem-se e
se desenvolvam. Cada estilista tem uma forma de desenhar, mas, normalmente, eles
usam os quadros de referências. Nesses, são colocados imagens de revistas, obras
de arte, prédios de arquitetura e qualquer outra foto que traga inspiração para
a coleção.
Organização
O diretor de estilo, nome
principal da marca, estipula as referências, os cortes e as ideias de estampas.
Ou seja, as principais linhas de desenvolvimento da coleção. É muito difícil um
designer trabalhar sozinho, normalmente eles têm uma equipe que os ajudam a
desenhar. É muito trabalho para uma pessoa só. Cada coleção tem quase 300 peças
para ser executadas, entre calças, vestidos, blazeres, saias, camisas. O
objetivo é organizar a criação e dinamizar as vendas — evitar que tenha muito de
uma peça e pouco da outra. Essa separação é feita por um programa de computador,
conforme o tamanho da empresa. Quando tudo está pronto, os desenhos são
catalogados em uma ficha técnica. Ao final desse processo, já está organizada
toda a coleção dos próximos seis meses.
Produção
O
moldista é a primeira pessoa a pegar todos os desenhos da ficha técnica. Ele
tenta passar para o papel a ideia do estilista. As peças inviáveis de serem
produzidas são substituídas por novos desenhos. Aquelas que o profissional
conseguir fazer o molde são desenhadas no papel e passadas para o computador.
Hoje, existe um programa eletrônico que aumenta os moldes em escala para as
grades do 38 ao 44. Quando os moldes estão prontos, o pilotista costura a peça
piloto. Ele cronometra o tempo que levou para montar a peça e aponta as
principais dificuldades de costurar o modelo. Esses dados são avaliados pela
equipe para saber se a peça vale a pena ser fabricada e comercializada. É
preciso analisar o custo-benefício do trabalho e executar os últimos ajustes nos
desenhos. Quando os moldes e as peças pilotos estão fechados, a coleção está
pronta.
Divulgação
Normalmente, as peças pilotos são
desfiladas nas passarelas. Os desfiles são importantes para que o estilista
consiga mostrar aos seus compradores o conceito da coleção. Por isso, eles
montam cenografia, trilha sonora e, às vezes, até aromatizam a sala de desfile.
É importante também para a marca mostrar como foi imaginada a combinação
daquelas peças. É nesse momento que todos os nomes mais importantes da cadeia da
moda se juntam em um mesmo lugar. A propaganda e o catálogo são desenvolvidos
com o mesmo tema das passarelas e distribuídos em publicações especializadas.
Após o fim da temporada de desfiles e da divulgação, as fábricas começam a
costurar a coleção. Pelo menos 60% do que foi desenhado é fabricado. O restante
da coleção é produzida aos poucos e colocada nas araras ao longo da
temporada.
Imprensa
Hoje, os desfiles são
transmitidos ao vivo por redes de televisão e pela internet. Eles viraram
apresentações disputadas por fashionistas, celebridades, compradores e
jornalistas. O crescimento do público democratizou consideravelmente os
desfiles, que antes ficavam restritos a uma pequena gama de compradoras e
jornalistas especializados. Apesar da mudança de difusão da informação, ainda
cabe à imprensa especializada assimilar essas informações e traduzi-las para o
público. Por isso, editoriais de moda, matérias e sessões de estilo são
importante para consolidar o que é e o que não é tendência. O monopólio das
revistas de moda, entretanto, está chegando ao fim com a disseminação dos blogs
de moda. No século 21, qualquer um pode analisar e dar opiniões sobre o que se
vê nas passarelas.
Formadores de opinião
O grupo
conhecidos como fashionista é o primeiro a usar as tendências vistas nas
passarelas. Ele sabe o que está em voga, pois acompanhou as quatro principais
semanas de moda: Paris, Milão, Nova York e Londres. Além disso, assina as
principais revistas da área e acompanha os blogs mais bacanas. É essa turma que
assume primeiro o risco de adotar as tendências expostas nas passarelas e que
define o que fará sucesso das semanas de moda. Devido à disseminação da
informação de moda, os fashionistas podem estar em qualquer local do mundo e ser
de qualquer classe social.
Fast fashion
A grande
mudança que a internet causou no mundo fashion foi a rapidez da divulgação de
informação. Mais pessoas interessadas em moda começaram a ter acesso direto ao
que ocorre nos círculos mais fechados do ramo. Isso aumentou o número de
consumidores de tendências e informação de moda. Incluindo pessoas que não têm
tanto dinheiro para gastar em roupas de designers renomados. Pela velocidade da
informação e pela necessidade de roupas legais rapidamente e a preço baixo, as
lojas fast fashion cresceram rapidamente nos últimos 10 anos. Elas copiam o que
é visto nas principais passarelas e colocam, na mesma temporada, nas
prateleiras. As redes têm um papel importante em oferecer moda vanguardista e
barata a quem não tem dinheiro para consumir alta costura e prêt-à-porter. "Nós
temos interesse no que está acontecendo no mundo agora e não nas previsões de um
ano de adiantamento", explica Gabriela Cirne Lima, diretora de Estilo da Lojas
Renner.
Meios não especializados
A disseminação das
tendências chega, aos poucos, em pessoas menos interessadas em roupas. Esses
consumidores vão assimilando a moda usada pelos formadores de opinião fashion. A
mídia de massa acaba reproduzindo o que vê nas ruas e nas revistas
especializadas. As tendências vão aparecendo em jornais diários, nas novelas e
também nas revistas de atualidades. Aos poucos, o consumidor comum começa a
criar um desejo de usar esse tipo de roupa, mas não está disposto a pagar muito
dinheiro com moda. Assim, surgem as versões mais baratas e menos ousadas.
Lojas baratas
Confecções pequenas que usam materiais
de má qualidade começam a reproduzir os modelos com ajustes menos modernos. Isso
resulta em peças com cortes ruins e uma oferta muito grande de peças. A
disseminação em massa acaba causando falta de interesse nos grupos de formadores
de opinião. Nesse ponto, a tendência foi basicamente abandonada pelo grupo.
Fim da tendência
Quando a moda da temporada já está nas lojas de
departamentos, nas lojas da esquina e foram copiadas exaustivamente por pequenas
confecções, os fashionistas já deixaram de usá-las e partiram para outra
tendência. É muito difícil definir quanto tempo dura uma tendência e quão rápido
ela será disseminada para as massas. Tudo depende se a moda é de estamparia,
silhueta ou paleta de cores. São levados em consideração também todas as
peculiaridades regionais. As roupas com volume, por exemplo, são um sucesso na
Europa há algumas temporadas, mas não tem muitos adeptos no Brasil. Os vestidos
justos de bandagem, por outro lado, rapidamente se adaptou ao gosto das
brasileiras.
O ciclo brasileiro
Enquanto os europeus
e americanos desenvolviam a indústria da moda desde o início do século 20, foi
apenas nos anos 1970 que o Brasil se preocupou com a questão. Aos poucos, foram
surgindo fábricas interessadas em produzir em larga escala, designers e eventos
de moda. As diversas crises econômicas ao logo dos anos, entretanto, foram
prejudiciais aos desenvolvimento da indústria, que sofreu com os problemas de
variação de câmbio e altos impostos. Há apenas 15 anos toda a cadeia tem
conseguido se restabelecer, mais precisamente quando o calendário de moda do
Brasil começou a se organizar com o Phytoervas Fashion. "Fizemos 100 anos em
30", brinca Eloize Novalon, coordenadora do curso de moda da Faculdade Anhembi
Morumbi, em São Paulo.
Hoje, o Brasil conta com diversas semanas de moda nas
principais capitais do país, além de dois eventos que fazem parte do circuito
internacional — Fashion Rio e São Paulo Fashion Week. O calendário, entretanto,
ainda está desencontrado da indústria têxtil e química. "O calendário de compras
é confuso e acaba atrapalhando os negócios", argumenta Daniella Naegele,
proprietária da brasiliense Avanzzo. Por essas reclamações, Paulo Borges,
organizador dos dois eventos de moda do Brasil, prometeu mudanças na próxima
temporada. "Não posso adiantar nada, mas as coisas vão mudar", fez mistério na
última temporada.
O giro das tendências
Apesar de
o calendário oficial da moda ser bem estruturado, o ciclo de tendência é
volátil. Assim que uma moda ganha popularidade, cresce e se dissipa, outra onda
de estilo vem logo atrás. Existem três tipos de ciclos de
modas.
Novidades: ela cresce na mesma velocidade que
perde força. Aparecem nas passarelas, são assimiladas pelos fashionistas, vão
para as redes de fast fashion e acabam na massa. O percurso é curto e tem
duração, normalmente, de apenas uma temporada. Exemplos: blusa tipo cigana,
shortinhos, calças enfeitadas.
Clássicos: nunca saem de
moda. Podem variar as vendas ao longo dos anos, renovarem-se, ganharem novas
cores, mas se mantêm consistente ao longo das temporadas. Eles não têm idade ou
estilistas. Exemplo: blazer azul marinho, platetó tipo safari,
mocassim.
Destaques de moda e estilo: aparecem e voltam com
regularidade. Podem parecer uma novidade e durar apenas uma temporada, mas, pode
ter certeza: cedo ou tarde elas voltarão ao seu guarda-roupa. Exemplo: cintura
marcada, manga morcego
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