Já parou para pensar em como é feita a roupa que você está usando agora? De onde foi tirado o algodão ou como foi fabricada a fibra sintética? Quanta gente foi envolvida no processo de fabricação e em que condições de trabalho? Quantos quilômetros esta peça que você está usando teve de viajar – e, portanto, quanto CO2 produziu? Quantos e quais produtos químicos foram usados para dar a cor, o formato e a consistência que você tanto aprecia? Quanta energia foi usada no plantio, colheita e transformação das fibras naturais, ou na fabricação das fibras sintéticas, ou ainda no transporte, armazenamento e disposição nos displays de venda? E a lavagem e secagem cotidiana em nossas casas?
Muitas perguntas para um elemento – a roupa – que está de tal forma incorporado ao nosso cotidiano que se transforma, literalmente, na nossa segunda pele. Apesar disso, a indústria do vestuário é uma das mais importantes do mundo, movimentando anualmente mais de 1 trilhão de dólares ao contribuir com 7% das exportações mundiais e empregar aproximadamente 25 milhões de pessoas. É também uma das indústrias mais insustentáveis, segundo o relatório “Fashioning Sustainability”, lançado em 2007 pela ONG britânica Forum for the Future e de onde estes dados foram tirados.
O estudo indica que há dois elementos principais que tornam a indústria tão insustentável:
- A competição brutal, que joga para baixo preços e conseqüentemente os padrões de qualidade, aliada à alta volatilidade da moda, que torna o vestuário altamente descartável.
- O outro elemento é a complexidade e opacidade da cadeia de suprimentos, através da qual os diferentes estágios de produção da indústria de vestuário são descentralizados mundo afora, terceirizados, quarteirizados, estendidos e expandidos de tal forma que fica difícil ter um controle real sobre os padrões de sustentabilidade envolvidos.
Como reconhece o relatório, se as marcas ou as grandes lojas não conhecem a origem completa dos produtos que vendem, fica muito difícil identificar e garantir padrões de sustentabilidade no decorre de toda a cadeia de suprimentos.
O relatório identifica, então, os principais desafios de sustentabilidade em cada etapa do processo de produção, distribuição e comercialização do vestuário e propõe soluções para enfrentá-los.
Por exemplo, o algodão é a fibra natural mais usada para produzir roupas. Somente em 2005 a indústria como um todo consumiu a astronômica quantidade de 24 milhões de toneladas do produto. Para dar conta disso, ao menor custo possível, aposta-se naturalmente em produção intensiva e de larga escala e em um conjunto de blends (misturas) de fibras de diferentes fontes, o que torna a extremamente difícil determinar com clareza sua cadeia de produção.
O algodão demanda uma grande quantidade de água na sua produção. O relatório aponta que o manejo incorreto dos recursos hídricos no plantio do algodão resulta em até 10 toneladas de água necessária para produzir fibra suficiente para fabricar um único par de calcas jeans – ou 3.5 litros por um cotonete.
Neste contexto o manejo eficiente da água é vital para a sustentabilidade da indústria como um todo. O rastreamento do algodão e a certificação de origem é outra medida apresentada para ajudar compradores das indústrias e consumidores finais a fazer melhores escolhas baseadas na situação social e ambiental dos países de origem. O uso de outros tipos de fibras também é defendido, com destaque para a fibra da Canabis, por suas vantagens comparativas com relação ao algodão, segundo os autores do relatório.
A questão da força de trabalho ao longo da cadeia de produção da indústria do vestuário é também abordada no relatório, que mostra como péssimas condições de trabalho, baixo pagamento, uso de mão de obra infantil e/ou beirando a escravidão, entre outros fatores, são comuns nos ambientes quase invisíveis das pequenas oficinas de costura ou em galpões industriais espalhados geralmente em países pobres, a maioria na Ásia.
O já emblemático caso da Nike, que sofreu há alguns anos uma forte pressão popular pelo uso, por uma parte de seus fornecedores, de mão de obra em péssimas condições, é relembrado para mostrar como a indústria pode reverter a situação. Em 2004 a empresa deu literalmente nome aos bois, reconheceu publicamente a existência de problemas generalizados em sua cadeia de suprimentos e implantou uma série de ações concretas para torná-la mais sustentável. Dentre elas atrelar os bônus de sua equipe de compras à garantia de respeito aos códigos de conduta laboral dos fornecedores de onde compram seus suprimentos.
Mesmo aqui no Brasil, em São Paulo, os fiscais do Ministério do Trabalho volta e meia encontram trabalhadores estrangeiros, especialmente peruanos e bolivianos, sendo explorados, para não dizer triturados, pela mecânica da descentralizada indústria de vestuário.
A globalização e a emergência de novos mercados consumidores faz com que estas péssimas condições de trabalho não sejam uma exclusividade dos países asiáticos. Por toda a América Latina é possível encontrar estas pequenas oficinas de costura com trabalhadores produzindo mecanicamente peças para a indústria de roupa. Mesmo aqui no Brasil, em São Paulo, os fiscais do Ministério do Trabalho volta e meia encontram trabalhadores estrangeiros, especialmente peruanos e bolivianos, sendo explorados, para não dizer triturados, pela mecânica da descentralizada indústria de vestuário.
Os autores do relatório procuram ver o lado positivo, sugerindo soluções e apontando para o papel fundamental que tanto consumidores como as grandes empresas de roupa têm para melhorar o sistema como um todo. É um poder combinado que pode impor um círculo virtuoso de sustentabilidade capaz de gerar um produto que é fundamental para cada um de nós, mas paradoxalmente é muito volátil.
O Índice do Vestuário Sustentável
Um passo muito importante neste sentido foi dado há uns três meses com o lançamento da “Sustainable Apparel Coalition”, uma coalização que reúne os principais atores da indústria global de vestuimentas (as marcas globais, revendedores, fabricantes de roupas e calcados, ONGs, universidades e a agencia ambiental americana – EPA) para reduzir os impactos ambientais e sociais de produtos de vestuário e calçados em todo o mundo.
A Coalizão reconhece que nenhuma empresa individualmente consegue lidar com todos os aspectos da complexa cadeia de suprimentos do setor e que, portanto, é necessária uma ação conjunta baseada em metas claras, transparentes e quantificáveis. Os cinco pontos sobre os quais haverá uma atuação direta são:
- Uso racional da água e qualidade
- Energia e gases de efeito estufa
- Manejo de resíduos
- Uso de químicos e toxicidade
- Condições sociais e de trabalho
A grande novidade é a criação de um indicador de sustentabilidade a ser aplicado de maneira uniforme em toda a cadeia de suprimentos global da indústria de vestuário: é o “Índice do Vestuário Sustentável – Sustainable Apparel Index”. Neste momento, o índice funciona mais como um “indicador” que permite às empresas avaliar os tipos de materiais, produtos, instalações e processos com base em uma gama de práticas sociais e ambientais e de escolhas de desenho dos produtos. Está baseado em grande medida no Eco Index e em uma ferramenta criada pela Nike de desenvolvimento de vestuário levando em conta questões ambi....
A idéia é que o Índice evolua para incluir métricas e metodologias para outras áreas, como uso de químicos e toxicidade, gerar indicadores sociais e laborais para a produção de matérias-primas e ser capaz, no final, de gerar a pegada de sustentabilidade de cada produto de forma individualizada.
Com isso, da próxima vez que você for comprar sua calça jeans encontrará uma etiqueta informando onde e como suas partes foram feitas, quais insumos foram usados, em que condições, qual é a pegada de carbono envolvida e por aí vai. Ficará por conta do consumidor fazer a melhor escolha dentre as várias opções existentes.
O Índice do Vestuário Sustentável ainda está em fase de desenvolvimento e, portanto, está longe de chegar ao Brasil. Mas basta lembrar que entre seus promotores estão gigantes como Adidas, C&A, Gap, H&M, JC Penney, Levi Strauss & Co., Marks & Spencer, Mountain Equipment, New Balance, Nike, Patagonia, Timberland e Walmart.
Ou seja, é bom as empresas brasileiras de produção e venda de vestuário ficarem com os olhos bem abertos e preparadas para lidar com uma realidade de maior transparência no negócio e de busca por uma cadeia de suprimentos capaz de oferecer um produto realmente sustentável.
Um índice como este criado pela Sustainable Apparel Coalition associado às novas tecnologias de comunicação e às mídias sociais dará ao consumidor um pouco mais consciente e engajado ferramentas fundamentais para botar a indústria em cheque.
Por exemplo, é quase certo que cada etiqueta será acompanhada por um QR Code, um código de barras especial que pode trazer todas as informações de sustentabilidade daquele produto individualizado. Um consumidor será capaz, então, de apontar seu celular para o QR Code, fotografá-lo e gerar na hora uma análise daquela peça, inclusive comparando-a com outras vendidas na mesma loja ou numa concorrente. Daí terá elementos em tempo real de tomar uma decisão de compra mais informada e que leve em conta, além de preço e qualidade, a sustentabilidade do produto.
Já imaginou se após verificar o QR Code da calça jeans você descobre que ela foi feita usando mão de obra escrava? Você pode até optar por comprá-la porque é bonita e barata, mas não poderá esquecer que sua compra ajuda a manter esta situação.
Para as empresas que vendem vestuário, a iniciativa de um índice de sustentabilidade deve ser encarada como uma excelente notícia. Primeiro porque vai ajudá-las a tomar decisões de compra melhor informadas e segundo porque ajudará os consumidores a separar o joio do trigo, premiando as empresas que fazem esforços sérios na direção da sustentabilidade de seus negócios.
É chegado o momento para o setor de vestuário ter um lucro que seja, também, socialmente transformador.
Fonte:|sustentanews.com|
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