Lá na década de 70, minhas pesquisas mostravam uma situação bizarra nas escolas técnicas federais. Quanto maiores e mais dispendiosos os esforços para melhorá-las, menos elas cumpriam o seu papel. De fato, por serem as únicas escolas gratuitas de qualidade, passaram a atrair os alunos academicamente mais fortes. Na prática, viraram reserva de mercado para as classes mais altas, cujo único interesse era a preparação para vestibulares competitivos. Alijavam assim os mais modestos que queriam ser técnicos, frustrando-se o objetivo original do curso. Em 1985, eu participava de uma comissão do MEC para examinar essas escolas. Sugeri que fosse separada a vertente acadêmica da profissional. Assim, quem quisesse fazer vestibular não perderia tempo nas oficinas, deixando as vagas para quem pretendesse exercer as profissões aprendidas. Palavras ao vento. Em meados de 1990, estava no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e assessorava o ministro Paulo Renato, interessado em um empréstimo para o ensino técnico. Mas a proposta esbarrava no elitismo e na distorção dos cursos. Diante do impasse, desenterrei a minha proposta, que foi aceita e implementada. Quem quisesse o vestibular escolheria o ramo acadêmico. Quem quisesse a profissão iria para o ramo técnico, depois de formado no ensino médio. Ou, então, poderia fazer o médio, simultaneamente.
Os diretores das principais escolas técnicas não apresentaram objeções à proposta. Porém, a nossa esquerda pedagógica não a deglutiu. Dados da Fundação Paula Souza mostraram que as vertentes técnicas passaram a receber alunos mais modestos e interessados em exercer a profissão. Deixaram de ser monopolizadas pelas elites – a quem pouco interessavam as oficinas. Após a mudança de governo, entraram no MEC os inconformados com a separação. Tentaram voltar atrás, mas, em virtude da grita, somente as escolas federais tornaram a integrar o acadêmico ao técnico. As razões para juntá-los permanecem misteriosas para a cabeça simplória deste autor. A bandeira desfraldada era uma tal "politecnia", criada por Gramsci, lá pelos anos 1920, enquanto morava na cadeia. Prescrevia um ensino combinando as disciplinas técnicas com as acadêmicas e com o trabalho. Mais que isso, não entendi. Mais uma teoria diáfana, encaixando o técnico em um ensino médio embaralhado, pois é um caminho único, sem diversificação, com excesso de disciplinas e de conteúdos, distante do mundo real e chatíssimo. Tão ruim que está encolhendo!
Na minha agenda, o assunto dos cursos técnicos ficou em banho-maria, até que fui convidado para a banca de uma tese no Piauí. Nela, com muita competência, Samara Pereira mostra como tudo isso aterrissou na escola técnica (hoje instituto federal) do seu estado. À época do Paulo Renato, os arautos da politecnia denunciaram o autoritarismo dá decisão. Curiosamente, nada foi mais autoritário do que a restauração do velho sistema no Piauí. Lá, a pesquisa com o ciclo (re)integrado mostrou o desagrado com uma decisão imposta de cima para baixo. Professores do ramo profissionalizante protestam contra a diluição do foco profissional do ensino, herdeiro de uma tradição de proximidade às empresas. Professores do ramo acadêmico fazem coro com os alunos, lamentando a perda de tempo com assuntos profissionais que os desviam da preparação para os vestibulares. De fato, 99% dos alunos querem ir para o ensino superior – a maioria, em área completamente distinta. A integração curricular não ocorreu, pois os professores das disciplinas propedêuticas continuam pautando as aulas pelas questões do vestibular. Curiosamente, sobreviveu aos embates o curso técnico (modular) de um ano e meio a dois para quem já tem o diploma de curso médio, portanto, "desintegrado". E a sua matrícula permanece superior à do ciclo (re)integrado. Em quem devemos prestar atenção? Nos alunos modestos que querem vaga para adquirir uma profissão? Nos que querem mais tempo para apostar tudo no vestibular escolhido? Nas empresas que não recebem técnicos? Por que o MEC capitulou diante dos fiéis seguidores da misteriosa "politecnia" de Gramsci? É assim que se faz política pública?
Fonte:Autor(es): Claudio de Moura Castro. Veja
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