Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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O e-commerce brasileiro está quebrado, mas a solução está na crise

e-commerceO e-commerce (comércio eletrônico) no Brasil está quebrado. Do lado do consumidor, a maioria das experiências de compra são ruins e o atendimento pós-compra, assustador. Do lado das empresas, os negócios queimam caixa e geram prejuízos sem fim.

Frente um cenário desmotivador, uma pergunta não quer calar: como o e-commerce nacional chegou à atual situação? A meu ver, as dificuldades do setor podem ser agrupadas em três categorias: logística quebrada, ciclo financeiro insustentável e um relacionamento contencioso com os clientes.

As consequências das dificuldades relativas às questões de logística são bem conhecidas. Afinal, não é segredo para ninguém que a precariedade da infraestrutura dos meios de transporte do país limita o bom funcionamento das transportadoras. Essa situação força as empresas de e-commerce a trabalharem com dezenas de transportadoras ao mesmo tempo, para cobrir a malha de entrega de produtos comprados em todo o país.

Como se não bastasse isso, a maioria das transportadoras brasileiras são falhas quanto à garantia de qualidade nas entregas – justamente devido aos problemas de infraestrutura já mencionados. Essa ineficiência é percebida pelos recorrentes atrasos nas entregas e pelos não raros desvios ou perdas de mercadoria.

Vejamos um exemplo recente do problema: a maior transportadora do país, os Correios, acabou de passar por uma greve importante. Consequentemente, os problemas administrativos da empresa pública não só fizeram com que milhares de entregas ficassem atrasadas, mas também dificultaram a capacidade de centenas de empresas privadas de entregar o que seus consumidores compraram.

Para dificultar ainda mais a vida dos acionistas de empresas de e-commerce, uma guerra de preços em torno do custo do frete repassado ao cliente tem levado boa parte dos sites a oferecer “frete grátis” em muitas compras. Ou seja, além de as empresas pagarem caro pelos problemas nacionais de logística e infraestrutura, a concorrência acirrada as leva a oferecer as entregas (que dependem de nossa fraca logística) de graça. As margens de gastos e lucros das empresas ficam, então, ainda mais apertadas.

Empresas: a culpa não é delas  

A segunda categoria que destaquei como dificuldade do e-commerce brasileiro, o ciclo financeiro insustentável, também tem relação com a alta concorrência de preços no mercado (já que a maioria dos varejistas vendem os mesmos produtos). Essa realidade leva muitos dos sites de vendas a oferecerem planos de financiamento com o padrão de “10 vezes sem juros”. Para o cliente, esse financiamento “de graça” é ótimo. Mas, para uma empresa, oferecer empréstimos sem juros em um país onde a taxa de juros ultrapassa 14% ao ano significa assumir um custo bastante significativo, consequentemente, leva a mais uma compressão das margens.

O relacionamento com o cliente é a parte mais lamentável da maioria dos e-commerces no Brasil. O problema começa na experiência do cliente ao comprar algo no site, tudo ocorre de forma bem burocrática: preenchimento de formulários extensos, dificuldade em ter o cartão de crédito aprovado, complicações para fazer o rastreamento do pedido ou mesmo no momento em que se deseja fazer a devolução da mercadoria.

O interessante é perceber que, geralmente, essa experiência ruim não é proposital por parte da empresa, mas sim é o resultado das dinâmicas do mercado onde atuam. Os altos índices de fraude no Brasil, exigem processos arcaicos de aprovação de cartão; geralmente, os sistemas de rastreamento das transportadoras apresentam falhas e os sistemas de software atuais ainda não foram atualizados, porque a indústria nacional não tem dinheiro para investir em inovações para seus sites.

O outro ponto de atrito é o pós-venda. Se o cliente quer devolver a mercadoria, o relacionamento dele com a empresa de e-commerce, rapidamente, torna-se frequente.  Porém, também nesses casos, razões estruturais contribuem para um possível não entendimento.  Geralmente, a logística falha e torna o custo de receber mercadoria de volta (a “logística reversa”) muito alto, e os consequentes processos civis geram custo jurídico alto para as empresas.

Esses fatores fazem com que as e-commerces lidem com seus clientes como reais adversários, o que, por sua vez, faz com que os clientes encarem o diálogo com as empresas como uma luta contra um gigante opressor. Os preconceitos de ambas as partes criam, por fim, um ciclo negativo que gera, cada vez mais, animosidades (processos, reclamações, acionamento do Procon etc) e gastos (de tempo e recursos financeiros) para os dois lados.

Boas alternativas

O problema da logística é difícil de resolver, pois requer que o Estado faça sua parte, porém necessário e urgente. Mas com a atual crise econômica, que deve permanecer por alguns anos, é complicado deixarmos o destino da questão nas mãos dos governantes.

Na minha visão, a B2W (dona de americanas.com e submarino.com, entre outros ) tem partido para uma estratégia bastante sensata. Em recentes aquisições (Direct, em 2014, e Click – Rodo, em 2013), o grupo criou sua própria empresa de logística. Como o sucesso das vendas da B2W dependia das empresas de logística que são deficientes por aqui, a solução foi administrar também essa parte do processo de vendas para garantir um nível de qualidade essencial (vide as dificuldade que enfrentou no Natal de 2010). Em outras palavras, a empresa partiu para ser dona de seu próprio canal de distribuição e, assim, dona de seu próprio destino.

Startups focadas em logística também têm crescido bem nos últimos anos. Dessas empresas, a que considero mais bem conceituada é a Loggi, solução que permite a qualquer um pedir um motoboy online. As grandes do e-commerce já estão usando essas novas soluções de qualidade com muito sucesso – alguns sites de e-commerce já até deixam que clientes em São Paulo escolham pela Loggi para entregar os seus produtos no mesmo dia da compra. Tudo por preços bem razoáveis (em torno de R$10).

Quanto ao ciclo financeiro e com relação ao frete “grátis”, a solução é mais complexa. A concorrência é tamanha que as empresas se encontram em meio de um “dilema de prisioneiro”, caso clássico da teoria dos jogos na economia, em que o resultado é “sub-ótimo” para todos os participantes.

Porém, algo que pode, sim, ser controlado: os investimentos irracionais de novos entrantes no mercado que almejam conquistar espaço com uma política de preço insustentável ou predatória. Essa tática arrojada só é possível devido à existência de investidores que financiam novas empresas e incentivam esse tipo de comportamento. Mas, provavelmente, com, a contração da economia, esse capital financeiro abundante deve se tornar cada vez mais escasso. Assim, as únicas empresas a sobreviver serão aquelas que atuam de forma sustentável no longo prazo.

Finalmente, sobre a questão do relacionamento com o cliente, acredito que uma evolução natural ocorrerá com relação à exigência de um bom atendimento pelos consumidores. No fim, as empresas que atenderem essa expectativa ganharão mais espaço no mercado. A Netshoes ocupa uma forte posição no mercado, em grande parte, por ser considerada uma empresa que tem um atendimento ao cliente exemplar. Além disso, sites como o ReclameAQUI tem possibilitado maior transparência no trato das empresas com seus clientes, e dado espaço para a voz do consumidor.

Mas e o Estado?

A participação do Estado nesse cenário é complicada. Avalio que a figura do Procon é importante e vejo um direcionamento forte e certeiro desse órgão no sentido de levar as empresas a se tornarem cada vez mais responsáveis. Ao mesmo tempo, os juizados especiais de pequenas causas, e o próprio Procon como conselheiro do consumidor, tem que filtrar as reclamações, analisar quais são queixas supérfluas ou “encomendadas” para beneficiar alguma outra empresa (ou advogado).

Apesar dos pesares, tenho uma visão otimista para o e-commerce nos próximos anos: a crise financeira e seu impacto no varejo, inclusive no online, forçará empresas a trabalharem de forma mais rentável e sustentável no longo prazo. Pondo um fim (ou no mínimo reduzindo) a “frete grátis”, aos “10 vezes sem juros”, e ao forte investimento em marketing como forma de esconder um atendimento ou serviço precário. Ou seja, ironicamente, a recessão será a salvação do e-commerce.

A meu ver, práticas nocivas para a indústria e seus consumidores se extinguirão, possibilitando empresas, quando a poeira baixar, a investirem mais em logística, na inovação de suas plataformas e no relacionamento pós venda. Aí, sim, o e-commerce será experiência prazerosa, realmente funcional para o cliente e rentável para as empresas e seus acionistas.

http://veja.abril.com.br/blog/inovacao/negocios/o-e-commerce-brasil...

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