Após avanço do home office na pandemia, líderes de grandes empresas exigem retorno de colaboradores aos escritórios, mas valorização de modelos flexíveis desafia marcas na atração e seleção de funcionários.
“O trabalho remoto não é mais aceitável”. Essa afirmação foi passada pelo bilionário Elon Musk aos funcionários da Tesla, em comunicado enviado em julho do ano passado, para anunciar o fim do home office na empresa. Duas semanas após adquirir o Twitter por R$ 44 bilhões, em outubro de 2022, o executivo também estipulou o fim do trabalho remoto na empresa de mídia, a menos que aprovado por ele.
No e-mail enviado aos colaboradores na ocasião, Musk alegou que os estava preparando para “tempos difíceis à frente”. Com as mudanças, que entraram em vigor imediatamente, os funcionários tinham que estar no escritório pelo menos 40 horas por semana. Medidas como essa de Musk podem parecer rígidas ou exclusivas de suas empresas, mas outras companhias têm seguido caminhos parecidos em relação ao modelo de trabalho. Líderes dos bancos de investimento Goldman Sachs e JPMorgan Chase passaram a exigir o retorno aos escritórios, após a flexibilização da pandemia.
Em conferência realizada ainda em 2021, o CEO do Goldman Sachs, David Solomon, inclusive, chamou o modelo de trabalho remoto de aberração. “Acho que para uma empresa como a nossa, que está dentro de uma cultura de aprendizagem colaborativa e inovadora, isso não é o ideal. E não pode ser um novo normal. É uma aberração que vamos corrigir o mais rapidamente possível”, disse.
No início deste ano, o novo CEO da Disney, Bob Iger, também declarou que os funcionários de empresa precisariam retornar ao trabalho presencial quatro dias por semana a partir de 1º de março. O memorando enviado aos colaboradores dizia que eles, provavelmente, seriam solicitados a trabalhar nos escritórios da empresa de segunda a quinta-feira.
Outras companhias também estão caminhando em direção à volta do presencial, porém, de forma mais gradativa, com uma quantidade de dias pré-estabelecidos para ir ao escritório. Isso é o que está acontecendo com Amazon, Apple, Google, McDonald’s e Starbucks.
Apesar de parecer ainda distante do Brasil, justamente porque os casos mais emblemáticos são de empresas multinacionais, esse cenário de volta ao presencial ou híbrido também é uma realidade por aqui. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre), 57,5% das empresas brasileiras permitiram ou impuseram o home office, de forma total ou parcial, em 2021. Já no ano passado, esse número caiu para 32,7%. Enquanto em 2021 72,4% das empresas do setor industrial liberaram rotinas mais flexíveis, em 2022, foram apenas 49% que tomaram essa medida.
O trabalho presencial não está sendo exigido pelas empresas somente na volta da pandemia, mas no recrutamento de talentos. Um levantamento da plataforma de empregos InfoJobs revelou que dos 3.190 anúncios, com 7.010 vagas ofertadas, a predileção de contratação é para o modelo totalmente presencial. Após analisar vagas de emprego publicadas entre novembro de 2022 e janeiro de 2023, o estudo indicou que as vagas totalmente presenciais representam 94,82%, versus 2,7% das totalmente remotas e 2,48% das vagas para o modelo híbrido de trabalho — que cresceu 16,6% no período analisado.
Os funcionários, no entanto, não estão aceitando tão facilmente essa volta aos postos de trabalho. Na Apple, assim que a companhia decidiu regressar aos escritórios, um grupo de colaboradores dos Estados Unidos se uniu para protestar. Intitulado AppleTogether, o grupo realizou uma petição reivindicando mais flexibilidade por parte da empresa, alegando que os funcionários estão “mais felizes e produtivos” cumprindo uma jornada mais flexível de trabalho. A petição também pedia maior autonomia do funcionário no home office.
Os colaboradores da Amazon também não estão satisfeitos com as medidas impostas pela companhia de três dias por semana no escritório. Assim como os da Apple, iniciaram uma petição, que já conta com mais de cinco mil assinaturas contra o retorno, de acordo com a CNBC.
A insatisfação dos funcionários em relação ao retorno é notável também no Brasil. Segundo levantamento da Robert Half, empresa global de consultoria de recursos humanos, 57% dos colaboradores brasileiros estão dispostos a buscar um novo emprego, caso a empresa opte pelo retorno 100% presencial. Entre esses, 33% consideram a escolha relevante, mas não decisiva, logo a permanência na companhia seria uma opção. Porém, 24% analisam o ponto como determinante para deixarem a empresa.
Apesar disso, a 23ª edição do Índice de Confiança Robert Half (ICRH) revela que para 56% dos recrutadores entrevistados, a opção pelo retorno 100% presencial não dificulta a atração e retenção de talentos. Por outro lado, 36% acreditam que a medida influencia negativamente, tanto pelo ponto de vista da atração quanto de retenção. “O que enxergamos agora é que definitivamente isso impacta na sua estratégia de atração e seleção”, afirma Leonardo Berto, branch manager na Robert Half.
Essa perda de talentos é notável na visão de Sandra Chemin, fundadora da FutureYou, consultoria que apoia empresas brasileiras a criar um novo DNA da sua liderança. “Tendo essa forçação, as empresas que estão obrigando os colaboradores a ir estão perdendo pessoas a rodo ao redor do mundo”, ressalta. Esse embate entre funcionários e empresas sobre os modelos de trabalho, segundo Sandra, foi uma das razões por trás do movimento The Great Resignation, também conhecido como Big Quit, fenômeno de demissões voluntárias em massa, que teve início nos Estados Unidos e se espalhou pelo mundo.
Um exemplo de executivo que pediu demissão por conta desse retorno obrigado ao escritório foi o ex-diretor de machine learning da Apple, Ian Goodfellow. Um estudo feito com mais de 650 colaboradores da Apple em um site de pesquisas anônimas, chamado Blind, apontou que 76% deles estavam insatisfeitos com os planos de retorno da empresa e que 56% considerariam se demitir por essas razões.
No contexto brasileiro, vale destacar, no entanto, que pedir demissão não é uma realidade para todos, já que a taxa de desemprego no País está em 8,4% e atinge nove milhões de pessoas, segundo dados de janeiro do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A fundadora da FutureYou reforça que mesmo as pessoas que mais precisam de emprego também querem flexibilidade, qualidade de vida e encontrar significado no que fazem. “Essa é uma tendência que observamos em vários estratos sociais, não apenas no privilégio”.
Com tamanha insatisfação dos funcionários, por que ainda assim os líderes estão insistentes neste retorno? Os CEOs do McDonald’s, Chris Kempczinski, e da Amazon, Andy Jassy, têm pensamento semelhante sobre a volta. Para eles, no trabalho remoto há a perda de cultura. “Você perde algo da cultura, perde parte da conexão ao ficar tão remoto”, salientou Kempczinski, ao comunicar o retorno de três vezes por semana dos funcionários em 2021.
“Acredito que essas empresas estão voltando pela perda de cultura. A facilidade de estar no escritório é muito grande. O desencontro acontece quando a empresa está pensando só nos interesses dela. As pessoas estão mais à vontade para falar ‘não concordo’. É só um sintoma de uma coisa muito maior. As pessoas começaram a falar cada vez mais o que elas acham. Essa é uma briga muito mais recorrente, porque a ida ao escritório é diária e as outras conversas são mais de valores e filosofia de empresa”, analisa Luiza Baffa, managing director da AKQA no Brasil.
Elon Musk está exigindo o retorno por causa da falta de produtividade. Para o CEO da Tesla e do Twitter, quem trabalha remotamente apenas “finge que trabalha”. Uma pesquisa da Harvard Business Review revelou, no entanto, que para 40% dos funcionários e líderes a produtividade não muda no trabalho remoto. Por outro lado, o estudo mostrou que essa resposta tende a mudar dependendo da posição hierárquica. Os líderes apontaram uma produtividade menor, e, de outro lado, os funcionários disseram que produzem mais em casa.
“Esse distanciamento físico traz efetivamente algumas perdas em nível do que é a empresa, a missão, a alma da companhia”, pontua Marcelo Gonçalves, sócio da Brain Inteligência Estratégica, de pesquisa e consultoria em negócios. Ele ressalta que problemas de origem operacional e de relacionamento começaram a aparecer.
Eduardo Simon, CEO da Galeria, que nasceu durante a pandemia, concorda com Gonçalves, na questão do ponto de vista operacional: “As pessoas foram aprendendo a necessidade de entender uma dinâmica de trabalho diferente no home office”. Para isso, a agência contratou uma consultoria que a ajudou com o modelo de trabalho híbrido.
Ao observar essas perdas no relacionamento interpessoal com o trabalho remoto, o sócio da Brain ressalta que a necessidade de encontros presenciais começou a existir. Essa demanda por conexão entre as pessoas é justamente o que está motivando o CEO da Disney, Bob Iger, a querer a volta ao escritório. Segundo ele “nada pode substituir a capacidade de se conectar, observar e criar junto com os colegas, que têm que estar fisicamente juntos”.
Para Eduardo Lorenzi, CEO da Publicis, os dois modelos têm benefícios. “Durante a pandemia, conseguimos fazer várias iniciativas para justamente fomentar a cultura da empresa. Por exemplo, todo mundo que entra na Publicis, tem quatro reuniões direto comigo nos primeiros seis meses, sempre para reforçar os valores. A cada dois meses tem uma sessão aberta de perguntas e respostas. E uma vez por ano fazemos a premiação dos melhores funcionários do ano. Dá para você reforçar a cultura remotamente”, aponta.
Na visão da professora adjunta e pesquisadora na área de comportamento organizacional da FGV, Juliana Mansur, esse movimento dos líderes pelo regresso está diretamente relacionado ao “nível de controle percebido” que parece existir no trabalho presencial, e da ideia de foco no trabalho. “Mas isto não necessariamente se traduz em produtividade, seja na qualidade da entrega ou na quantidade”, enfatiza.
Apesar disso, Juliana salienta que não são todos os líderes, organizações e setores que estão exigindo a volta dos colaboradores aos postos de trabalho. A agência Live, que atende contas como Electrolux, YouTube e Natura, atua desde janeiro de 2019 no modelo remoto e não pretende voltar ao presencial. “No modelo atual, ampliamos tanto a regionalização das pessoas que trabalham conosco que não teríamos como ter uma sede em São Paulo que acolhesse a todos”, reforça a CEO e sócia da Live, Aline Rossin. Atualmente, a agência tem 128 colaboradores em 12 estados, além de alguns fora do Brasil, na Alemanha, Argentina, Chile e Espanha.
Assim como a Live, antes mesmo da pandemia, a P&G já adotava um modelo mais flexível de trabalho, mas com os aprendizados trazidos pela pandemia, a companhia passou a atuar de forma mais intencional nas suas políticas de gestão de trabalho. “Acreditamos que o equilíbrio entre o trabalho do escritório com o trabalho de casa, fazendo bom uso do melhor que cada um tem a oferecer, é chave para continuarmos impulsionando nossas pessoas e nosso negócio”, afirma a gerente sênior de RH da P&G Brasil, Raíssa Fonseca.
Intencionalidade. Para Sandra, da FutureYou, essa é a palavra-chave para líderes manterem a cultura de suas empresas vivas no trabalho remoto. “Você precisa ser bastante intencional. É necessário ter uma ou duas vezes por ano encontros presenciais. Não dá para obrigar a ir para o escritório para fazer uma reunião que podemos fazer em casa”, frisa.
Com toda essa pressão por parte dos líderes, é possível que o home office acabe? Especialistas indicam que não, pelo menos não tão cedo. Na verdade, o modelo híbrido tende a perdurar. A 23ª edição do ICRH revela que o modelo híbrido será adotado por 59% das empresas entrevistadas; 100% presencial, por 30%; e home office integral, por 6%. Os 5% restantes ainda não têm uma política definida. Já entre as empresas que optaram pelo modelo híbrido, 63% planejam de duas a três vezes por semana no escritório. Para 24%, o planejamento ficará a cargo do gestor e do funcionário.
O modelo híbrido também é uma vontade dos funcionários. De acordo com a pesquisa, 74% dos profissionais desejam trabalhar em um modelo híbrido ao longo do ano. Entre eles, 41% gostariam de ter flexibilidade para decidir a quantidade de dias no escritório, enquanto 33% preferem a distribuição predefinida de dias remotos e presenciais.
Essa flexibilidade é o que o funcionário da Unilever encontra no Brasil. Atualmente, a empresa trabalha num modelo chamado híbridUs, que começou a ser desenvolvido em 2021. Ana Paula Franzoti, diretora de desenvolvimento organizacional e cultura da Unilever, explica que, neste modelo, os dias e a rotina de trabalho são definidos pelos líderes e times. “A companhia dá autonomia para que façam os combinados que mais se adequem às realidades, expectativas e projetos em andamento”, diz.
Para Luiza, da AKQA, o modelo híbrido já era uma tendência muito antes da pandemia, e mais uma questão geracional. “Aconteceria de qualquer maneira. Essa é uma geração que não necessariamente enxerga o trabalho como a coisa mais importante da vida delas”.
O modelo de trabalho mais flexível passa também pela ressignificação dos espaços físicos e dos encontros presenciais. Em seu livro, De onde vêm as boas ideias, Steven Johnson fala sobre como os espaços de trabalho afetam o poder criativo das pessoas. Em um trecho, afirma: “a maneira mais rápida de congelar uma rede líquida é meter as pessoas em salas individuais por trás de portas fechadas, por isso tantas companhias da era da web projetaram seus ambientes de trabalho em volta de espaços comuns onde reuniões casuais e conversas interdepartamentais acontecem sem nenhum planejamento formal”.
Tanto a AKQA quanto a Galeria foram projetadas pensando em serem espaços confortáveis para os funcionários, ambas desenhadas por arquitetos de projetos residenciais. A AKQA que, inclusive, se chama AKQA Casa, crescerá. “A ideia é que essa nova casa tenha espaço para que a gente consiga fazer shows, um estúdio, um restaurante, um café, além de ser casa multiuso para outras empresas”, explica Luiza.
A Publicis também passou por um processo de reforma para proporcionar ambientes mais confortáveis para os seus funcionários. Eduardo Lorenzi explica que antes seu espaço só tinha a finalidade de caber todos os colaboradores e que agora é um espaço de encontro. “Tínhamos antes cinco salas de reunião, eliminamos alguns lugares de trabalho e, hoje, temos 31 espaços de reunião. Alguns são fechados e alguns espaços abertos. A finalidade passou a ser vir aqui para encontrar as pessoas”.
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