Eu deveria ser mais permissiva aqui, mais firme lá; deveria seguir um modelo “maternal” e me aproximar mais; ou deveria seguir os exemplos masculinos da área em diversas situações.
A liderança nos negócios traz certo nível de pressão e de expectativas, inerente aos cargos mais altos. Ser líder e mulher, porém, significa vivenciar uma expectativa particular. Ela pode vir da empresa, dos liderados e do mercado como um todo. Diria que pode vir até da própria líder.
Eu estive e estou nesse papel. Apesar de ter aprendido muitas maneiras de driblar os percalços que vieram com a minha posição, ainda existem desafios constantes que surgem do modo como a sociedade foi formada até agora. E não há nada como uma CEO para estremecer algumas “certezas”, principalmente se ela não age como as pessoas esperam.
O meu jeito de liderar é particular, de acordo com a minha personalidade e com os valores que acredito, mas ainda assim tive uma série de expectativas jogadas sobre mim a respeito. Eu deveria ser mais permissiva aqui, mais firme lá; deveria seguir um modelo “maternal” e me aproximar mais; ou deveria seguir os exemplos masculinos da área em diversas situações. Todos esses “deveria” me colocavam ou em uma caixa esperada de uma liderança feminina, ou em outra caixa que nunca foi pensada para mim.
Nenhuma caixa era do meu tamanho. Então precisei fazer a minha própria.
Minha história é como a de muitas outras líderes que conheci, cheia de provações, dúvidas e algum nível de desvalorização por parte daqueles que só queriam seguir o status quo. Eu teria achado ótimo ouvir mais dessas histórias ao longo da minha jornada. Mas onde elas estão, para começo de conversa?
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há cerca de 5 milhões de mulheres a mais do que homens no Brasil atualmente. Ou seja, 51,1% da população é feminina, um número bastante balanceado. Mas ao olharmos para o mercado de trabalho, esse equilíbrio se perde em diversas indústrias, e de forma geral quando se trata de cargos de liderança. A pesquisa Women in Business 2022, da Grant Thornton, indicou que 38% dos líderes brasileiros são mulheres. É um avanço em relação aos últimos anos — em 2019, esse percentual era apenas 25% —, mas ainda não é ideal.
O problema não está apenas na quantidade total de mulheres no país, mas também em outros dados que já vêm sendo estudados há algum tempo. Por exemplo: em média, o nível de escolaridade das mulheres é superior ao dos homens; a carga horária de trabalho remunerado e não remunerado é superior entre as mulheres; o empreendedorismo feminino aumenta anualmente; todas essas informações, também do IBGE, apontam para a dedicação e avanço social dessa parcela da população.
Portanto, com qualquer recorte de dados é possível perceber o potencial de líderes entre o gênero feminino. Ainda assim, isso não reflete em salários equiparados e cargos mais altos.
Há algumas questões culturais a serem tratadas para elucidar esse problema. Como mencionei antes, vivemos em uma sociedade estruturada de determinada maneira, e várias áreas de negócio continuam seguindo padrões antigos.
Quando falamos em algo assim, é muito difícil mudar, porque agimos por pura reprodução de comportamento. Já passei por inúmeras ocasiões em que tive que estudar e entender o contexto que as mulheres se encontram para não me limitar ao que os outros esperavam que eu fosse, e atuar com mais força no meu posicionamento e postura para administrar situações em que a minha liderança foi questionada.
Por exemplo, vivenciei situações em que a expectativa era que eu me aproximasse mais, fosse além da relação profissional. Isso seria esperado se eu fosse um homem? O meu modo de liderar seria considerado distante, ou o adequado? Ao olhar para líderes masculinos na minha área e com atitudes similares, já tenho a resposta. A verdade é que queriam que eu fosse mulher dentro do que foi convencionado como mulher nesse tipo de papel: mais mãe do que dirigente.
Por outro lado, já conheci mulheres que se contorceram para caber na caixa que sempre foi deles. Não porque queriam, mas porque viam a repetição de certos padrões e estereótipos como a única maneira de crescer ou mesmo sobreviver em seus negócios. Não as culpo por seguirem esse caminho, é claro, mas também não acredito que seja ideal, quando o correto seria agir cada uma da maneira que lhe convém sem que suas capacidades sejam questionadas sem razão verdadeira.
À frente de uma empresa com 70% de lideranças femininas, bem como um quadro de colaboradores geral composto em 68% por mulheres, eu sei que o gênero não é nenhum impeditivo para competência. Muito menos para resultados. Quando há metas em comum entre todos, se o objetivo é fazer a diferença nos projetos dos clientes, isso será feito por toda a equipe, de forma ainda melhor por ser diversa e inclusiva.
A igualdade de gênero no mundo corporativo, tanto na área de tecnologia quanto em todo o mercado de trabalho, é um processo lento. Um trabalho de formiguinha, mesmo, porque esse assunto precisa ser de interesse geral para mudar o panorama da sociedade.
Mas a atuação de cada companhia e cada indivíduo já gera impacto à nossa volta e, naturalmente, dentro dos nossos setores. Tenho orgulho em ajudar a construir uma nova realidade no marketing e na tecnologia e em ver pares trabalhando para o mesmo fim, cada um criando sua própria caixa. Espero que o futuro seja tão brilhante quanto estamos trabalhando para que seja.
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