Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Por dentro do principal centro de tecnologia agrícola do hemisfério sul, que construiu um modelo inédito de atuação e transformou o Brasil na maior potência rural dos trópicos

 

A CAPACIDADE DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO de produzir números espetaculares parece, simplesmente, inesgotável. A última demonstração de força nesse terreno ocorreu no mês passado. Em fevereiro, soubemos que as exportações do setor bateram novo recorde. Atingiram a cifra histórica de US$ 76,4 bilhões cm 2010.0 avanço foi de 18% em relação a 2009. Desde 1989, época em que esse dado começou a ser aferido no país. O crescimento alcançou estonteantes 450%. Esta reportagem não pretende ser um compêndio de números, mas é importante observar mais alguns indicadores. A agropecuária há décadas é o ramo mais pujante e globalizado da economia nacional. Internamente, responde por 35% dos empregos e um terço da renda. Para completar, o país tornou-se nos últimos anos a maior potência da agricultura tropical no planeta. Diante de dados tão espetaculares, surge a questão: como isso aconteceu? A revista britânica The Economist encontrou, recentemente, três palavras para explica al fato. Foram elas ``Embrapa, Embrapa, Embrapa`` É evidente que um fenômeno dessa magnitude não tem somente uma causa, um epicentro. Mas é inegável que a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária foi a protagonista da transformação do campo no Brasil. Agora, para compreendei` a força desse papel, é necessário examinar a citação em destaque no início deste relato. Ela reproduz um trecho da carta enviada por Pero Vaz de Caminha ao rei D. Manuel, dias após o descobrimento. O texto especula sobre a existência na Ilha de Vera Cruz de Lima terra fertilíssima, um paraíso agropastoril. E essa a origem da máxima ``em se plantando, tudo dá``. Bobagem. Na prática ocorre o oposto. Grande parte do solo brasileiro é imprestável para o plantio. E pobre em nutrientes e ácido. Foi a Embrapa que liderou o processo para virar essa realidade de ponta-cabeça. E a mágica executada pela empresa - surpreendentemente uma estatal, fundada em 1973 - tem nome. Chama-se tecnologia.

Em 38 anos de existência, a companhia produziu centenas de inovações que lançaram às alturas as estatísticas de eficiência da roça nacional. Nas últimas três décadas, enquanto a produtividade da lavoura no Brasil cresceu 3.6% (sendo 5% entre 2000 e 2008). o mesmo percentual percebido nos Estados Unidos foi de 1.9%. E isso numa comparação com a nação mais rica do globo, o berço da agricultura de capital intensivo. Nesse sentido, não há equívoco em afirmar que a Embrapa exerce uma função tão profícua e catalisadora como a exercida na economia americana por marcas como Google, Microsoft, IBM ou Intel. A diferença, óbvia, é que. em vez de criações em bits, a instituição de pesquisa agrícola despeja no mercado pacotes imensos de novidades sob a forma de sementes, capins, soluções de manejo da terra e variedades de animais. E faz tudo isso a partir de um modelo de negócios único. Esse sistema merece ser examinado em detalhes.

Como produzir pesquisa O segredo do sucesso da Embrapa está embutido na gênese da companhia, na maneira como foi moldada por seus criadores. Essa história começou nos anos 70. À época, a agricultura representava um tremendo nó para o país. As safras declinavam constantemente, enquanto o preço dos produtos explodia. Paralelamente, a produtividade não aumentava, embora fossem crescentes os recursos do crédito rural. Um estudo produzido pelo economista José Roberto Mendonça de Barros, em 1979, dá contornos mais nítidos a esse quadro. Mostra que. Entre 1965 e 1974, a produção de cinco itens/essenciais (arroz, feijão, batata, mandioca e trigo) havia caído 18%. Em contrapartida, seus preços aumentaram 108%. A crise do petróleo, em 1973, agravou a situação. Com uma economia fechadíssima, o Brasil enfrentava uma aguda escassez de divisas-e importava alimentos.

Enfim, pior impossível. Mas algumas soluções para esses problemas começavam a ser discutidas por um grupo de técnicos, reunidos em torno de órgãos governamentais de crédito e assistência rural. Admirável, esse núcleo era formado por um timaço de jovens economistas. A lista incluía José Pastore, Carlos Langoni. Guilherme Diase Affonso Celso Pastore, além de Eliseu Alves, um nome que pode constar em qualquer dicionário como sinônimo de Embrapa. Ele concebeu, criou presidiu e. aos 80 anos, ainda dá expediente na companhia, com sede em Brasília. As ideias que pipocaram nas reuniões dessa turma foram recebidas com entusiasmo por duas figuras-chave do governo Garrastazu Medici (1969-1974). Eram elas os ministros Delfim Netto, o mandachuva da economia e Luis Fernando Cirne Lima, responsável pela área agrícola.

O líder do grupo de estudos era José Pastore. Hoje conhecido por suas pesquisas voltadas para temas como educação, emprego e trabalho, no início ria década de 70 havia se debruçado sobre a questão agrícola. A opção sofreu influência de Theodore Schultz. Nobel de Economia em 1979. Pastore, durante o doutorado nos Estados Unidos, em Wisconsin, participas a de cursos de férias ministrados pelo professor americano na Universidade de Chicago. O economista narra: ``O Schultz me dizia que a situação política no Brasil não estava nada boa para eu me meter em assuntos como sindicalismo e relações de trabalho. Por isso, achava melhor que eu me concentrasse em temas como agricultura e inovação. Foi o que fiz``.

Naquele Brasil tricampeão de futebol, pairava uma tese: os problemas do campo tinham origem na precária difusão de tecnologias. O grupo de economistas, porém, concluiu que o gargalo era outro. Não estava cm falhas na transmissão do conhecimento, mas. sim na escassez de conhecimento a ser transmitido. ``O tipo de pesquisa agrícola realizada era muito genérico e teórico, sem ligação com a realidade. Não tinha nada a ver com o mercado``, lembra Pastore. E muitos cientistas nutriam verdadeiro asco à labuta voltada para os negócios. ``Eles acreditavam que isso representava a prostituição da ciência.`` Mas o discípulo de Schultz convenceu Cirne Lima e Delfim do contrário. Delfim, por sua vez, convenceu os militares. E garantiu orçamentos polpudos para a instituição nascente. Em dezembro de 1972, foi aprovada a lei que criou a Embrapa, vinculando-a ao Ministério da Agricultura. A empresa foi implantada em abril de 1973.

Dos primórdios, um detalhe saboroso: Pastore e Alves haviam combinado que não participariam da cúpula da empresa. O primeiro queria prosseguir na carreira acadêmica, O segundo recebera um convite para lecionar na Universidade Purdue, nos Estados Unidos. ``Mas eu estava de férias e, pelo Diário Oficial, fiquei surpreso com a minha nomeação como diretor da nova empresa, isso aconteceu porque o Pastore recusou o cargo. Quando chegou a minha vez, fui aconselhado pelo Cirne Lima a não fazer o mesmo, pois teria problemas com os militares. Eles não compreenderiam a minha atitude diante de uma missão tão importante``, relata Alves, o criador que, encantado com a criatura, ainda continua na Embrapa.

 

Plantando Ph.Ds. O modelo delineado para a operação da Embrapa partiu de um diagnóstico correto. Havia sobra de elucubrações e faltava pesquisa aplicada. Para tapar esse buraco, deu-se início a um movimento inusitado de qualificação de mão de obra no país. Mais de 2 mil jovens cientistas brasileiros foram despachados para cursos de doutorado nas melhores universidades do mundo. Esse projeto de formação em massa de pesquisadores contou com recursos de fontes tão variadas como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Fundação Rockefeller. A ideia era formar feras o quanto antes. E quem não tivesse um projeto ambicioso ficava fora da seleção. ``Esse foi um investimento em capital humano sem paralelo no Brasil. Naquela época, os cursos de doutorado em ciências agrárias ainda estavam sendo criados no país. Eu mesmo estudei em duas instituições americanas, na Carolina do Norte e em Berkeley, como bolsista da Embrapa``, conta Décio Zylbersztajn, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP).

Na gestão da companhia, optou-se por um desenho peculiar. Foram criados centros temáticos, divididos por biomas (como cerrado e semiárido) e por culturas (uma divisão para soja, outra para arroz e feijão, mais uma para milho e assim por diante). Hoje, a empresa tem 46 segmentos desse tipo. Essa inovação elevou a dose de objetividade e o senso de urgência das investigações científicas. ``Favoreceu ainda a cobrança de resultados``, defende Eliseu Alves. A lógica é a seguinte: se não surgem avanços, por exemplo, no campo da soja, os dirigentes da companhia sabem exatamente onde e de quem devem cobrar. ``Se os resultados aparecem, por outro lado, sabemos a quem recompensar``, arremata Alves. O esquema tem a vantagem adicional de cultivar a meritocracia na instituição. Os pesquisadores executam projetos específicos. Verbas e promoções estão associadas ao subproduto desses trabalhos.

 

De norte a Sul Outro pilar da estrutura da empresa é o conceito de rede. Na verdade, onde se lê Embrapa deve-se terem mente o termo parceria. A empresa é o eixo em torno do qual gravitam e interagem dezenas de centros estaduais de estudos agrícolas, universidades, fundações e companhias privadas. O esquema, montado há décadas, lembra o moderno conceito de inovação aberta (``open innovation``, no jargão), em que o fluxo de conhecimento circula entre companhias distintas, sendo que cada uma atua focada em sua especialidade. O sistema tentacular também se expande pelo mundo. A Embrapa mantém laboratórios em cinco países-. Estados Unidos, França, Holanda, Inglaterra e Coreia do Sul. Isso além de projetos de transferência de tecnologia para a África. No total, toca 68 acordos de cooperação técnica com 89 instituições de 46 países.

Um exemplo caseiro dos benefícios dessa operação em rede vem da pesquisa do etanol extraído da celulose. Esse tipo de combustível custa o dobro do obtido com a cana-de-açúcar. Grupos de todo o planeta lutam para reduzir esse valor. Quem conseguir diminuir o preço conquistará o paraíso, sob a forma de um imenso mercado. A Embrapa está nessa corrida. O projeto é conduzido em Brasília, pela divisão de Agroenergia. Mas a 1,7 mil quilômetros do Distrito Federal rumo ao norte, em Sobral, no Ceará, funciona a unidade que cuida de caprinos e ovinos. Ali, os cientistas Identificaram uma enzima com alto poder de degradação de celulose. Ela vive numa parte do estômago de ruminantes, como cabras e bodes.

Potencialmente relevante, a descoberta foi incorporada ao estudo do etanol celulósico, que conta ainda com a participação da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade Católica de Brasília (UCB). Mas a rede é mais ativa. Em sentido geográfico oposto, a 1,8 mil quilômetros de distância da capital federal na direção sul, em Bento Gonçalves (RS), outra contribuição foi adicionada ao trabalho. O segmento da Embrapa especializado na produção de vinhos descobriu uma levedura especialmente craque na fermentação do açúcar, uma etapa elementar para a produção do etanol. O novo fungo também foi absorvido pelo projeto.

 

Terra de gigantes É justamente essa postura permeável a colaborações que favorece a formação de parcerias com o setor privado. Na verdade, elas são históricas na Embrapa - algo raríssimo no sistema público. F incluem companhias cie todos os portes. No rol, há nomes de gigantes como Monsanto, Basf. Syngenta e Braskem. Por meio do contrato comercial com a Monsanto, por exemplo, o centro de pesquisas brasileiro licenciou uma tecnologia criaria pela empresa americana no início da década de 80. conhecida como Round up Ready (RR), o primeiro grande sucesso entre transgênicos aplicados à lavoura. A RR confere à soja resistência a um herbicida da própria Monsanto, â base de glifosato. Por se tratar de um item geneticamente modificado, despertou um debate acalorado. Por isso. a ligação entre as duas companhias foi formalmente firmada em 2000, mas desencantou somente em 2005.

A Embrapa vende as sementes de soja transgênica e paga royalties para a Monsanto. Parte dessa quantia, contudo, é revertida para o financiamento de novos estudos nas áreas de biotecnologia e uso sustentável de recursos naturais. Em cinco anos, esse fundo arrecadou R$ 25 milhões. Os trabalhos bancados com esses recursos são analisados por dois representantes de cada empresa. Em 2010. nove propostas foram selecionadas e receberam R$ 5,9 milhões no total. ``Nosso foco não é comercial. O objetivo é financiar a pesquisa. Agora, se alguma ideia tiver potencial para dar origem a um novo produto, podemos até investir mais. Mas quem determina qual empresa terá acesso á futura tecnologia é a Embrapa. Ela detém a propriedade intelectual dos projetos``, afirma Catharina Pires, gerente de assuntos corporativos da Monsanto.

No caso da Basf, o relacionamento é diferente. A parceria criou uma concorrente para a soja RR. Ela foi batizada de Cultivance. Também é transgênica, mas tolerante a herbicidas de outro grupo químico: o das imidazolinonas. O nome soa estranho, mas o produto promete. A previsão é que conquiste 20% da soja transgênica no Brasil. Nesse caso, toda a tecnologia foi desenvolvida em conjunto. Os pesquisadores da Embrapa, liderados por Elíbio Rech, um nome de destaque na engenharia genética aplicada à agricultura, embutiram na planta um gene criado pela Basf. Fizeram os testes de campo e produziram mais de 2 mil versões até chegar a uma ``planta mãe``. As duas empresas vão rachar, meio a meio, os royalties da tecnologia. ``Nosso acordo quebrou um paradigma. Ele começou no laboratório e chegou até o produto final. Percorrer um trajeto tão longo não é tarefa simples``, diz Luiz Carlos Louzano, responsável pela biotecnologia na Basf. O projeto demorou dez anos para ser concluído e consumiu US$ 20 milhões.

 

Nanoagricultura Os contratos com a Monsanto e com a Basf exploram um dos principais trunfos da marca Embrapa: o conhecimento acumulado sobre o solo, o clima e como as plantas se adaptam a essas características em cada recanto do país. Mas há possibilidades de outras parcerias.

A Braskem, por exemplo, uniu-se no fim de 2010 a um braço diferente da empresa. Trata-se do laboratório de namitecnologia aplicada á agricultura, o único do gênero existente no Hemisfério Sul, localizado em São Carlos, no interior paulista. O acordo de cooperação científica prevê o desenvolvimento de fibras nanométricas. Elas serão usadas na criação de plásticos biodegradáveis. O novo material será desenvolvido a partir de matérias-primas como o bagaço da cana, restos de coco ou sisal. O convênio terá duração de três anos e contará com R$500 mil. Metade do clinheiro sairá da Braskem. O restante virá da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

A lista de negócios não abrange somente gigantes. Incorpora pequenas e médias companhias, como a Bthek Biotecnologia, de Brasília. Nesse caso, a união resultou no lançamento, entre 2005 e 2006, de dois bioinseticidas. Um deles é usado no combate ao Aedes aegypti, o transmissor da dengue. O outro ataca o mosquito da malária. Até 2012, devem chegar ao mercado mais dois produtos. Terão como alvo borrachudos e lagartas presentes em plantações. A empresa cio Distrito Federal foi fundada em 1999 por Carlos Soares, um ex-pesquisador da Embrapa. A Bthek beneficia-se não somente do corpo de pesquisadores da instituição publica, mas também de aparelhos caros e inacessíveis para uma start up. Em contrapartida, multiplica as bactérias usadas nos bioinseticidas e realiza os testes de campo. Hoje, 3% do faturamento da Bthek (em torno de R$ 600 mil por ano) e revertido para a Embrapa a título de pagamento de royaties.

 

Chamaram de milagre Mas o maior exemplo de trabalho em rede existente na Embrapa não pode ser traduzido por um acordo. Para conhecê-lo. é preciso fazer uni novo corte no tempo. Voltamos ao Brasil tricampeão. Regime militar. Política linha-dura. Estamos no cerrado. Esse bioma espalha-se por 207 milhões de hectares em 15 estados. Trata-se de uma área monumental, equivalente a 25% do território brasileiro, ou quase quatro vezes a França. Corta desde o Mato Grosso do Sul até o Piauí. Esse espaço gigantesco era considerado inadequado para a agricultura Embutia as barreiras já citadas, e tidas como insuperáveis, como o solo ácido e pobre. Hoje. a região tornou-se o maior celeiro de alimentos do mundo Em 1970. representava toda produção de soja nacional Agora, é responsável por 62%. E foram os pesquisadores cia empresa, em conjunto com produtores pioneiros (na maioria, migrantes gaúchos e paranaenses), que operaram essa revolução - a revista The Econoniist chamou de ``milagre`` A reviravolta do cerrado, na verdade, representa o capítulo mais notável da história da ciência aplicada no país.

Os problemas foram resolvidos paulatinamente. Algumas soluções desembocavam em novos desafios. Para corrigir a acidez do solo. por exemplo, toneladas de calcário eram despejadas lodosos anos nas plantações. Esse produto equilibra o pH da terra, mas onera o produtor. ``No início da ocupação dessa parte do país, os custos de produção eram tão altos que superavam em muito o valor da propriedade``, lembra Wenceslau Goedert, da Embrapa Cerrados. Por isso, qualquer fonte de economia de recursos era crucial para a sobrevivência dos agricultores.

E ela veio sob a forma de um bichinho microscópico. O rizóbio é uma bactéria. E tem uma propriedade utilíssima no campo: promove a fixação nas sementes do nitrogênio, um nutriente para as plantas. Ao realizar esse trabalho, o micróbio torna dispensável o uso de adubos industrializados. Além de caros, esses produtos são nocivos ao meio ambiente. O rizóbio foi empregado com extrema eficácia na soja, mas sua aplicação pode ser estendida a outras leguminosas, com oo feijão, o amendoim, a ervilha e a lentilha. Estudos técnicos estimam que com a substituição do adubo pela bactéria, os agricultores brasileiros deixem de gastar USS 5 bilhões por ano. Não é por acaso, portanto, que o país apresenta o menor custo de produção de soja do planeta.

 

O micróbio Salvador A fixação biológica do nitrogênio não é nova. Notável, porém, foi o trabalho executado pelos técnicos para encontrar o bichinho perfeito - uma espécie de alma gêmea da soja no mundo bacteriano. Johanna Dõbereiner foi a principal estrela dessa realização. Nascida em Praga, na República Checa, em 1924, estudou agronomia em Munique. Em ]951, transferiu-se para o Brasil a convite do pai, um químico, que havia imigrado anos antes. Naturalizada brasileira em 1956,. morreu em 2000, aos 75 anos, no interior do Rio. Para oferecer uma ideia da repercussão internacional do seu trabalho, basta dizer que foi indicada ao Nobel de Química, em 1997. Suas pesquisas ainda rendem desdobramentos, como a aplicação do mesmo processo de inoculação do nitrogênio, mas na cana-de-açúcar. ``O fato é que, sem a fixação biológica desse nutriente, não haveria produção de alimentos em larga escala no cerrado. E sem o cerrado, não existiriam recordes de exportações da agricultura brasileira``, diz José Roberto Peres, atual chefe de gabinete da Embrapa. pesquisador e ex-colaborador de Johanna Dõbereiner.

Essa contudo, foi somente Lima fase do ``milagre``. Isso porque quase todas as técnicas de plantio á disposição do homem tiveram de ser reinventadas no cerrado. Justifica-se: até os anos 70, a essência da tecnologia para o campo havia sido desenvolvida para climas temperados, para os países desenvolvidos, com regimes de chuva e insolação diferentes dos encontrados nos trópicos. ``Nas primeiras plantações no Centro-Oeste, a soja tinha tanta dificuldade para crescer que não passava de um palmo. Não podia ser colhida por máquinas``, conta Peres. Para vencer esse nanismo. a Embrapa criou um arsenal imenso de centenas de novas sementes, adaptadas ás tempestades, aos períodos de seca e à luz dessa região do país. ``Antes dessas variedades, conseguíamos entre 25 c 30 sacas de soja por hectare. Com elas, esse número dobrou. Passamos a obter entre 40 e 50 sacas``, afirma Álvaro Lorenço Ortolan Salles, 51 anos, produtor que chegou a Rondonópolis, no Mato Grosso, em 1971, aos 12 anos, embalado pelo sonho do pai de se tornar fazendeiro.

As técnicas de plantio também mudaram. Nos países desenvolvidos, após invernos rigorosos, a terra fria é revolvida por máquinas antes de receber as sementes. O problema é que, aplicado ao cerrado, esse expediente provoca um efeito devastador: a erosão. Tal entrave foi contornado com base na experiência de agricultores. No Paraná, eles usavam Lima técnica chamada de plantio direto, observada na Argentina, que dispensava a movimentação do solo. Os restos de colheitas anteriores, como a palha das plantas, também eram deixados na superfície do terreno. Essa sobra serve de adubo natural e protege a camada superficial da área contra a chuva. A Embrapa aprimorou essa prática. Estimativas da empresa apontam que, com a tecnologia, todos os anos 100 milhões de toneladas desolo rico em nutrientes deixam de ser erodidos. No total, a economia proporcionada pelo plantio direto, tanto com fertilizantes como com máquinas, alcança R$ 1 bilhão por ano.

 

Apenas o começo Foram tecnologias como essas que colocaram o Brasil na vanguarda da agricultura nos trópicos. E essa é uma posição estratégica. Analistas de lodos os quadrantes do globo prevêem uma explosão da demanda por alimentos. Vários fatores concorrem para consolidar essa unanimidade. Um deles é a expectativa de uma explosão demográfica. A Organização das Nações Unidas (ONU) avalia que. em algum momento até o fim de 2011, seremos 7 bilhões de terráqueos no planeta. Até 2050, haverá 9 bilhões de pessoas no mundo. Além do salto quantitativo, o padrão de consumo está mudando. O principal motor dessa tendência é a ascensão econômica sem paralelo registrada nos últimos anos nos países emergentes. Vivemos, assim, num mundo ávido por proteínas e fibras.

O Brasil pode responder a essa demanda. O país tem o maior estoque de terras disponíveis para a agricultura do planeta. Detém mais de 10% de todas as áreas que podem ser empregadas para o plantio de alimentos. Dos 207 milhões de hectares do cerrado, por exemplo. 140 milhões podem ser utilizados na roça. A maior parte da região, entretanto, abriga pastos (74%), sendo que quase 50 milhões de hectares (uma França) apresentam pastagens degradadas. Ou seja, há muito espaço para a roça avançar sem derrubar um só galho de árvore. É por isso que um relatório da ONU, divulgado em meados do ano passado, estimava que a produção agrícola no país registrará o maior crescimento mundial até 2019. Avançará 40% em relação a 2007-2009. A cifra é superior a concorrentes de peso como a Rússia e a China (ambos com 26%) e a índia (21%).

 

Novos Campos Como domina a tecnologia tropical, a Embrapa pode avançar sobre novas áreas cio globo e lucrar com essa expansão. A empresa já está presente na África. Além de acordos para transferência de tecnologia, firmou uma parceria em Angola com a Odebrecht, há três décadas no país africano. O projeto começou em 2006, com colheitas de milho, soja. feijão e arroz na fazenda Pungo Andongo, na província de Malanje. A atuação dos pesquisadores da Embrapa focou no manejo de pragas. Hoje, as plantações estendem-se por 4 mil hectares. Até 2015, devem alcançar 25 mil hectares.

Os produtores brasileiros também podem esperar por novas tecnologias. Uma das pesquisas mais promissoras em desenvolvimento na Embrapa é a integração lavoura-pecuária-floresta. Trata-se de algo simples, mas com resultados excepcionais. Os técnicos criam estratégias para a produção simultânea de plantas, como soja e milho, em rodízio, além de gado e madeira. ``Hoje, o Brasil produz 145 milhões de toneladas de grãos por ano. Com a adoção desse sistema, podemos chegar facilmente a 205 milhões de toneladas``, estima Luiz Carlos Balbino, pesquisador da Embrapa. A rede formada para trabalhar nesse projeto envolve 30 unidades e 140 cientistas da empresa. ``Essa será a próxima grande revolução no campo``, avalia Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura e coordenador do Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

 

Tempo fechado Embora a trajetória desse Google rural pareça promissora, há grandes desafios pela frente. O orçamento é um deles. A verba da Embrapa vem da União Este ano, deve atingir R$ 1,8 bilhão. A quantia é considerada satisfatória pelos líderes da entidade e se mantém nesse patamar desde 2008. Mas tal montante está longe de ser regular. Para consegui-lo, a empresa teve de ser incluída pelo governo federal no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Em períodos de vacas magras, como no fim dos anos 90, esse orçamento beirava os R$ 200 mil. À época, muitas unidades ficaram no escuro. Não conseguiam pagar a conta de energia. Pesquisas, nessas condições, nem sonhar. ``Todos os anos, tentamos sensibilizar políticos e governantes. Somos sempre respeitados, mas nem sempre conseguimos reverter essa consideração em verbas``, observa José Roberto Peres. Os acordos com empresas privadas, mesmo os mais rentáveis, não vão suprir no curto prazo a necessidade de recursos dos laboratórios. Hoje, eles representam menos de 10% da receita. ``Temos muito a avançar nesse campo. Nossa visão comercial é limitada``, afirma Silvio Crestana, pesquisador, diretor da unidade da São Carlos e ex-presidente da Embrapa.

Mas a lista de dificuldades é maior. A empresa pública enfrenta de maneira recorrente os fantasmas da burocracia e da falta de agilidade. Nefastas em geral, essas mazelas são fatais numa engrenagem movida a inovação. Hoje, esses problemas atingem um ponto sensível do centro de pesquisas: a necessidade de renovar seus quadros. Até 2013. 75% dos cientistas (2.024 no total) devem se aposentar. O impacto dessa debandada só será atenuado por uma ação radical, nos moldes daquela executada nos anos 70, quando foi executado um plano mirabolante de qualificação de mão de obra. Sem isso, um buraco imenso será aberto. Pois, como diz Eliseu Alves, o visionário idealizador da instituição, ``a pesquisa é 100% o pesquisador``. Não há como negociar tal percentual. E, até aqui, o investimento na companhia tem rendido frutos preciosos. Estudos indicam que para cada real aplicado na Embrapa R$ 13 retornam para a sociedade. É o que se pode chamar de um resultado brilhante. Ele teve força para transformar a hipótese de Pero Vaz de Caminha em realidade.

 

FONTE: ÉPOCA NEGÓCIOS

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