Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Projeto brasileiro quer aposentar data centers armazenando dados em DNA

Projeto Prometheus, do IPT em parceria com a Lenovo, estuda formas de tornar comercialmente viável o armazenamento de dados binários em DNA.

Bruno Mariano Verona IPTImagem: Divulgação/Arquivo IPT

O mundo está ficando sem espaço para armazenar os dados que produz. De acordo com a consultoria IDC, em 2020 a capacidade global da humanidade de armazenar seus dados já estava aquém da produção anual: apenas 20% das informações digitais criadas no ano tinham onde ser armazenadas – os outros 80% precisaram ser descartados. Se mantivermos o mesmo ritmo de geração de dados e expansão de armazenamento, em 2040, a situação atingirá um patamar insustentável: apenas 1% do total de dados produzidos terão onde ser guardados, enquanto 99% precisarão ser descartados.

A situação se deve ao possível esgotamento do principal modelo de armazenamento de dados a longo prazo que temos na atualidade, os data centers. Com elevados custos de construção e manutenção e alto consumo de energia, os grandes centros de dados já têm sua capacidade de ‘cold storage’, ou armazenamento de longo prazo, questionada em um cenário em que a geração de dados seguirá aumentando exponencialmente.

Há um ano e meio, a busca por uma das soluções possíveis para esse desafio está em estudo e desenvolvimento dentro do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), instituição de pesquisa científica vinculada à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado de São Paulo localizada dentro da Cidade Universitária da USP. Em parceria com a Lenovo, o projeto, apelidado de Prometheus, estuda o armazenamento de informações digitais em fitas de DNA.

“A dupla fita do DNA é composta por o que chamamos de bases nitrogenadas. A sequência dessas bases é o que, na natureza, é utilizada para armazenar a informação – ou o código genético de um ser vivo. O conceito é mimetizar o que acontece na natureza: representar uma informação binária, de zeros e uns, em uma sequência de bases nitrogenadas”, explicou Bruno Marinaro Verona, pesquisador do Laboratório de Micromanufatura do IPT e coordenador do projeto Prometheus.

Projeto Prometheus IPTPesquisadora no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (Imagem: Divulgação/Arquivo IPT)

Segundo Verona, o processo de armazenamento de dados em fitas de DNA consiste em duas partes: primeiro, a “sintetização” das bases nitrogenadas que compõem o material genético em uma ordem específica para que elas representem os zeros e uns – as unidades básicas da computação tradicional – necessários para que o dado seja guardado no DNA. O segundo passo é a leitura do dado que foi inscrito no DNA. Para isso, basta realizar o já conhecido “sequenciamento” desse DNA – exatamente o mesmo processo que é utilizado, por exemplo, para se estudar o DNA de vírus, como foi o caso coronavírus causador da Covid-19.

Usando essas técnicas, a expectativa é que, no futuro, poderemos armazenar o equivalente a um exabyte de dados – ou um bilhão de gigabytes – em aproximadamente cinco gramas de DNA. Em dimensões reais, isso significa colocar todos os dados armazenados dentro de um data center tradicional em um objeto do tamanho de uma moeda de um real. “O DNA tem uma capacidade de densidade de informações absurda”, pontuou o pesquisador.

Não é apenas a escala reduzida e densidade que tornam o DNA uma alternativa interessante para o armazenamento de dados. Comparado aos data centers tradicionais, os processo de “sintetização” e “sequenciamento” para escrita e leitura de dados no DNA também são muito mais sustentáveis. Em média, o consumo de água e energia para se armazenar informações em material genético é de 2,5 a 3 vezes menor do que na estrutura exigida por um data center.

A vida útil do dado armazenado em DNA também é incomparavelmente superior. Hoje, data centers precisam realizar o processo de “refresh”, em média, a cada cinco anos. Sem esse processo, dados guardados em hardware antigo podem se degradar. O DNA, por sua vez, é capaz de guardar essas informações por “milhões” de anos. É só pensar, por exemplo, que ainda somos capazes de sequenciar o DNA a partir de fósseis de animais extintos há milhões de anos.

Os “gargalos” da tecnologia

A ideia de armazenar dados dentro do DNA não é nova. Richard Feynman, físico teórico estadunidense, já havia teorizado que essas moléculas poderiam ser utilizadas para guardar informações digitais no final da década de 1950. Nos anos oitenta, uma imagem foi registrada dentro de uma sequência de DNA pela primeira vez por pesquisadores de Harvard.

O processo, no entanto, esbarra em uma série de gargalos que ainda tornam o uso da técnica comercialmente inviável. É em resolver esses gargalos que os mais de 40 pesquisadores do IPT e da Lenovo dedicam o projeto Prometheus. No último ano e meio, muito se avançou: o projeto já tem 10 patentes em progresso, quatro já solicitadas e seis em desenvolvimento.

A síntese é um dos objetos principais de estudo do grupo brasileiro dentro do laboratório de micromanufatura. Ao redor do mundo, outras iniciativas pesquisam o mesmo tema com outras abordagens. “Você precisa criar muitas moléculas de DNA rapidamente para ter uma velocidade de escrita interessante”, disse Verona, coordenador do projeto. Usando tecnologias atuais, hoje só é possível escrever o equivalente a um megabyte por dia de trabalho, explica o professor – longe das exigências da indústria de tecnologia e dos Gbps que algumas tecnologias digitais tradicionais já permitem.

>Hildebrando Lima, Hildebrando Lima, diretor de pesquisa e desenvolvimento da Lenovo (Imagem: Divulgação/Lenovo)

Para alcançar o objetivo, o grupo tem estudado formas de “miniaturizar” e “paralelizar” o processo de síntese de DNA. “O que nós queremos é que em um chip que caiba na palma da sua mão, você consiga fazer milhões de sínteses em paralelo”, afirmou o pesquisador. “Enquanto os equipamentos comerciais trabalham com sítios reacionais [onde ocorrem as sínteses] da ordem de centímetros, a gente já começa a trabalhar na ordem dos milímetros. Isso em oito meses de projeto”.

Há outros desafios que também são gargalos para a tecnologia. O sequenciamento genético também precisará passar por uma revolução, tanto para reduzir seu custo quanto para agilizar a velocidade de leitura dos dados armazenados no DNA. O armazenamento dos dados é também um desafio: ainda que o DNA tenha uma vida útil longa, uma forma de identificar fisicamente o local no qual determinada informação está armazenada dentro de uma sequência longa de DNA é algo que precisará ser desenvolvido no futuro.

No futuro, a ideia é que todos esses elementos estejam empacotados em um único equipamento, que poderá ser utilizado para escrever as fitas de DNA, armazená-las e acessá-las quando necessário. “O foco hoje é basicamente o backup, ou cold storage, que não necessita de leitura tão rápida”, explica Hildebrando Lima, diretor de pesquisa e desenvolvimento da Lenovo.

A forma como isso acontecerá, vale ressaltar, ainda não é clara. Uma possibilidade é que isso seja oferecido via nuvem, por exemplo: o cliente envia os dados que deseja gravar para uma nuvem, e essa informação é sintetizada remotamente em DNA em outro sítio específico, onde o material também será armazenado e estará disponível para leitura.

Conforme a tecnologia avançar, no entanto, outras aplicações serão possíveis. Lima não descarta, por exemplo, que sintetizadores e sequenciadores de DNA poderão se tornar produtos para consumidores finais em um futuro no qual a tecnologia se torne o padrão para o armazenamento de dados. Há também a possibilidade que a tecnologia beneficie consumidores de maneira indireta. “Essa tecnologia é multidisciplinar. Existem subprodutos dessa tecnologia, como patentes de codificação e de criptografia de dados, que poderão ser aproveitados por dispositivos que já existem”, contou o executivo da Lenovo.

Rafael Romer

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