Há ainda no Brasil bolsões de resistência ao fato de que nos tornamos um país de commodities. Aqueles que resistem a esse fato se aglutinam com frequência em torno do tema do câmbio. Afirmam que é preciso desvalorizar o câmbio para tornar mais competitivas as exportações industriais. A propósito, a enxurrada de brasileiros fazendo compras em Nova York e Miami é um tema predileto dessas mentes conservadoras - afirmam que a desvalorização do real reduziria essa drenagem de divisas. Deixam de dizer que a nossa carga tributária sobre o consumo é o que realmente faz nossos produtos muito mais caros do que seus equivalentes vendidos nos "outlets" de Miami.
O Brasil já é um país cuja economia é extremamente dependente da exportação de commodities. Está entre os primeiros colocados mundiais na exportação de praticamente duas dezenas delas. Terá indústria, sim, mas não aquela desejada pelos nacionalistas dos anos 1960, isto é, uma indústria que abasteça o mundo de produtos manufaturados e que, graças a isso, traga enorme volume de divisas para o Brasil.
A indústria brasileira será (já é) em grande medida para abastecer o mercado interno e, eventualmente, os vizinhos latinos. Haverá (já há) uma ou outra empresa que se destacará por suas exportações. A Embraer é um exemplo disso, como também é o caso da Bombardier no Canadá. Quem imagina que o Brasil competirá com a indústria chinesa ou indiana está redondamente enganado. Isso jamais ocorrerá.
A decisão brasileira de não ter uma indústria à moda chinesa tem a ver com uma decisão de toda a nossa sociedade: a de não ser uma sociedade com elevada taxa de poupança. Não venham com o argumento de que a nossa população é muito pobre para poupar. A renda per capita da Índia é bem menor do que a nossa e a taxa de poupança daquele país é de aproximadamente 35% do PIB - a nossa fica em 17%. Ou seja, os pobrezinhos indianos poupam muito mais do que os pobrezinhos brasileiros. A China é covardia: poupa aproximadamente 50% do PIB. Isso tudo tem a ver com o SUS e o INSS. Não há SUS na China: ficou doente e não tem dinheiro para pagar por tratamento médico, já era.
Decidimos não ter indústria quando decidimos não ter elevada taxa de poupança. Decidimos não poupar em níveis chineses ou indianos quando decidimos financiar com recursos públicos a saúde e a previdência. Não cabe aqui discutir se isso é certo ou errado. Simplesmente, não importa. Realmente relevante é que isso é fato e está fora de nosso controle, foi uma escolha (consciente ou não) de toda a sociedade. Francamente, não será a desvalorização do real que vai mudar essa trajetória já tão fortemente condicionada por nossas escolhas pretéritas.
Há dois países cuja população tem elevadíssimo padrão de vida e não têm a indústria tão desejada por nossos nacionalistas dos anos 1960: Canadá e Austrália. Ambos são a prova de que ter uma economia fortemente baseada em commodities não significa ser condenado ao subdesenvolvimento. Diante desses exemplos, os arautos do câmbio desvalorizado dizem que não servem porque suas populações são muito pequenas. Estima-se que a população do Canadá seja de 34 milhões de habitantes, ao passo que a Austrália é ainda menor, com somente 22 milhões. Os dois países juntos têm 56 milhões de habitantes, isto é, 29% da população brasileira. Graças a isso, é possível afirmar que a estratégia de exportador de commodities nos permite dar para quase um terço de nossa população um padrão de vida de Primeiro Mundo. Creio que podemos ir muito mais longe.
Canadá e Austrália tornaram-se o que são hoje em uma época na qual não existiam os mercados consumidores da China e da Índia. Os dez mais populosos países da Ásia são, nesta ordem: China, Índia, Indonésia, Paquistão, Bangladesh, Japão, Filipinas, Vietnã, Tailândia e Birmânia. Somados, totalizam uma população de 3,5 bilhões de consumidores. O Brasil, com seus 190 milhões, representa irrisórios 0,0054% desse contingente. Se estivéssemos na Ásia, seríamos o quarto mais populoso, um pouco à frente do Paquistão.
Nós, brasileiros, fazemos com frequência o exercício da pujança de São Paulo. Mostramos que São Paulo tem o PIB maior do que vários países e a população mais numerosa do que outro tanto de países. Por exemplo, em termos de população, o Estado de São Paulo é bem maior do que o Canadá e a Austrália - há aproximadamente 41 milhões de habitantes no Estado mais rico do Brasil. Nós nos esquecemos, porém, de fazer um exercício antiprovinciano, o de nos perguntar se há algum São Paulo na China ou na Índia. Sim, há vários.
O Estado indiano de Uttar Pradesh tem 199 milhões de habitantes. Isso mesmo, a Índia tem um Estado que é mais populoso do que o Brasil inteiro. Se Uttar Pradesh fosse um país, seria o quinto mais populoso. O segundo maior Estado da Índia em população é Maharashtra, com 112 milhões de habitantes, 60 % da população do Brasil. Somando-se a população de Maharashtra com a de Bihar, o terceiro mais populoso, tem-se mais uma vez um "país" maior do que o nosso. Na China, há dois Estados que têm pouco mais de 90 milhões de habitantes: Henan e Shandong. Portanto, os dois juntos são maiores do que o Brasil.
Eis o argumento: se a China e a Índia melhorarem a condição de vida de suas populações, e isso está ocorrendo da mesma maneira que se passa hoje no Brasil, podemos admitir que o Estado de Uttar Pradesh (leia-se, Brasil), com seus quase 200 milhões de habitantes, se torne uma grande potência simplesmente exportando commodities para os demais Estados da Índia e da China.
Certamente, fere o nosso orgulho nacional admitir que o Brasil, em termos populacionais, não passa de um Estado da Índia ou dois da China. Nem sempre as verdades são agradáveis. Adicionalmente, é possível também admitir que China e Índia poderão ter um ou dois Estados que se especializem em exportar commodities para os demais entes da federação e isso seja suficiente para que suas populações enriqueçam e tenham uma vida de Primeiro Mundo. Isso leva tempo, mas acaba acontecendo.
O mercado consumidor emergente da Ásia, os 3,5 bilhões de consumidores dos seus dez países mais populosos, é mais do que suficiente para fazer do Brasil o próximo Canadá ou Austrália. Somos muito pequenos diante dessa quantidade de gente. A demanda por aço, petróleo, grãos e todo tipo de commodities será cada vez maior, tornar-se-á imensa, certamente o suficiente para que o Brasil se torne o Uttar Pradesh com padrão de vida canadense.
A defesa de uma indústria nacional exportadora está, portanto, baseada em uma mentalidade antiga, que associa o bem-estar da população à capacidade de exportar produtos manufaturados. Isso já foi verdade quando não havia consumidores nos então chamados países de Terceiro Mundo. O mundo mudou e com ele os paradigmas, tornando os defensores dessa visão de mundo verdadeiros dinossauros ideológicos.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" e "O Dedo na Ferida: Menos Imposto, Mais Consumo". E-mail: Alberto.almeida@institutoanalise.com www.twitter.com/albertocalmeida
Fonte:|http://www.valor.com.br/cultura/2539734/quem-tem-medo-das-commodities
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E o nível de escolaridade dos dois em relação ao Brasil?
Só da cabeça de um "sociólogo" pode sair uma asneira como "Há dois países cuja população tem elevadíssimo padrão de vida e não têm a indústria tão desejada por nossos nacionalistas dos anos 1960: Canadá e Austrália" Eles tem a indústria ( prove o contrário) e a exportação de commodities. Uma atividade não exclui a outra. "Nacionalistas dos anos 60"? Que idiotice
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