O governo da presidente Dilma, que continua firme em seu propósito de ativar a economia e afastar quaisquer contaminações do cenário mundial, acaba de anunciar um novo pacote de estímulo ao consumo. Os debates, como sempre, seguem acalorados, com os diversos setores da sociedade, de acordo com a necessidade da iniciativa geral, mas nem tanto quanto à escolha ou eficácia das medidas anunciadas. Críticas trazem à tona o questionamento sobre qual seria o modelo de crescimento que deveríamos ter: baseado no consumo? Na produção? Ou em ambos?
Com base nos cálculos do próprio governo, estima-se que a redução das alíquotas significará uma renúncia de quase R$ 1,2 bilhão aos cofres públicos, cerca de R$ 4,8 bilhões anuais. Portanto, haverá impacto pela postergação da entrada desse recurso e os decorrentes investimentos que poderiam ensejar. Existe, aparentemente, senso comum sobre o acerto desse tipo de ação, não havendo muita dúvida sobre a adequação dessa medida de curto-prazo como alavanca de incentivo à atividade econômica. Mas que outras fontes de recursos, similares ou não, poderíamos acionar?
Uma dessas "fontes" está relacionada às perdas de crédito amargadas anualmente pelo nosso sistema financeiro, e que acabam por onerar significativamente as taxas de juros oferecidas pelos bancos aos consumidores. A inadimplência dos bancos brasileiros tem sido assunto de destaque no cenário nacional, mesmo em tempo de quase pleno emprego e renda em crescimento. Quase 30% do spread bancário servem, apenas, para cobrir as perdas dos bancos com créditos não recuperados. Muitos bancos já declararam que não conseguem reduzir mais seus juros e atender aos pedidos da presidenta, por conta dos níveis atuais de inadimplência.
Imagem: Thinkstock |
Empresta-se muito e cada vez mais. O que é muito bom. Mas em demasiados casos, não se recebe de volta. Isso vira prejuízo e acaba sendo repassado em forma de taxas de juros mais salgadas para os próximos clientes. Esta é a dinâmica do processo atual que precisa ser interrompida. E diferentemente da renúncia fiscal, seus benefícios não serão pontuais ou efêmeros, mas recorrentes e permanentes.
Segundo o Bacen, o sistema financeiro nacional lançou – como perdas, por conta dos calotes de consumidores, mais de R$ 79 bilhões. Isso, só no ano de 2011. Os balanços anuais dos 5 maiores bancos nacionais, responsáveis por cerca de 2/3 do crédito total, registram perdas ao redor de R$ 56 bilhões.
A situação está muito longe de qualquer descontrole. Nossa supervisão bancária continua exemplo para o mundo, nossos bancos continuam altamente capitalizados, sadios e seu nível de exposição é adequado sobre quaisquer requisitos prudenciais. Mas a ineficiência é grande. E quem sofre, no final das contas, é o consumidor, que paga mais caro, e a economia do país.
O índice de atrasos do pagamento de dívidas bancárias acima de 90 dias, uma espécie de antessala das perdas com crédito, está ao redor de 7,6 %. Já foi pior e, em sua melhor marca dos últimos anos, chegou ao mínimo de 5,7%, em 2010. Mas sempre nesse enorme nível de ineficiência. Este mesmo índice em outros países confirma e reforça a tese da nossa ineficiência crônica no crédito (o custo da inadimplência-Brasil): EUA 2,9%; Reino Unido 4,6%; Coréia de Sul 1,2%; Colômbia 4,1%; África do Sul 5,9% e Alemanha: 3,3%.
A "ineficiência" sistêmica vem de longa data, bem anterior ao recente boom de consumo, e decorre de várias razões. Destaco a que considero a principal: a ausência de informações sobre os tomadores de empréstimos que permita aos bancos avaliar de forma mais apurada a capacidade do consumidor de honrar o seu novo empréstimo.
É muito empréstimo para muita gente que, na prática, não terá como pagar: ou porque não tem suficiente renda; ou porque tem renda, mas ela já está comprometida com dívidas anteriores; ou uma combinação das anteriores. E nada disso fica claro aos bancos quando aceitam um novo cliente de crédito.
Somam-se, ainda, os "motivos imprevistos", que acontecem e limitam a capacidade do consumidor para saldar os compromissos.
Aproximadamente 45% dos CPFs consultados pelas financeiras de veículos em 2010 foram de indivíduos que não tinham capacidade de honrar - os seus pagamentos das operações de crédito que pleitearam, conforme mostravam, à época, os modelos de risco da Serasa Experian. Não é à toa que a inadimplência está batendo recordes consecutivos mensais neste segmento agora em 2012.
Se conseguíssemos diminuir esse volume de perdas, aumentando o percentual de pagamentos honrados, criaríamos uma grande oportunidade de redução dos juros, sem abrir mão de margens ou rentabilidade. Simplesmente agindo na eficiência de - toda a operação: concessões mais eficientes, menores perdas de crédito, juros menores e maior atratividade, aumento no volume de concessões.
E como fazer para se atingir esse novo patamar de eficiência, roubando "recursos" hoje desperdiçados com a inadimplência? Não há dúvidas de que essa resposta passa por acelerarmos a adoção do Cadastro Positivo, permitindo a todo o mercado, em particular aos bancos, operar em novo patamar de avaliação do risco de crédito. Hoje, com base nas consultas de crédito disponíveis, os bancos só podem saber se o consumidor tem ou não, alguma dívida em atraso sério. No Cadastro Positivo, além dessa informação os bancos também poderão identificar o nível de endividamento do consumidor naquele momento e avaliar a conveniência desse consumidor contrair mais uma dívida.
Experiências de outros mercados e algumas avaliações já realizadas indicam que a adoção do Cadastro Positivo poderá reduzir em 45% as perdas de crédito no país. Considerando uma célere adesão pelos bancos e financeiras, poderíamos ter como perspectiva uma redução ao redor de 20% nas perdas de crédito, patamar esse alcançável em prazo entre 18 e 24 meses.
Este é um excelente desafio para todos nós que militamos nas áreas de crédito. Poderia representar nos atuais patamares de operações, uma "economia" ao redor de R$ 16 bilhões anuais, que não precisariam mais ser compensados nas taxas de juros. O valor é três vezes o ganho obtido com a redução do IPI.
Felizmente, o Cadastro Positivo está na agenda do governo e, a partir de sua implementação, desempenhará papel fundamental na viabilização de um cenário de juros baixos e de aumento do crédito, da produção e da atividade econômica. O mercado aguarda com ansiedade pela regulamentação final que permitirá passos mais vigorosos na direção do aumento da eficiência do processo de concessão de crédito no Brasil.
Ricardo Loureiro – Presidente da Serasa Experian e Experian América Latina.
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