Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Entre as diversas ideias de jerico propostas para financiar o programa Renda Cidadã, apareceu mais uma nesta semana: eliminar a dedução de 20% aplicável aos contribuintes do IR que declaram pelo formulário simples. Nesse caso, o contribuinte abre mão de descontar os gastos com saúde e educação, que são, digamos, os mais vantajosos para os que podem pagar escola, médicos e hospitais no particular.

Inversamente, quem escolhe a declaração simplificada está nas faixas mais baixas de renda, usa o SUS e coloca as crianças em escolas públicas. Ou seja, cortar o desconto de 20% na declaração simples é favorecer os mais ricos e tomar dinheiro dos mais pobres.

É evidente que tem de ser o contrário. Acompanhem estes números: neste ano, ficou isento de pagar IR quem ganhou abaixo de R$ 28.559 em 2019. O presidente Bolsonaro prometeu várias vezes aumentar a faixa de isenção, primeiro para R$ 4.700 por mês, depois para R$ 3.000. Deixou para lá. A faixa nem sequer foi corrigida pela inflação.

Agora, comparem: o teto salarial do funcionalismo é de R$ 39,2 mil por mês — dez mil acima da faixa de isenção de IR para ganhos anuais.

Tem mais: o teto do funcionalismo simplesmente não é respeitado. Com a combinação dos auxílios-moradia, educação, transporte e alimentação — que variam de setor para setor e entre estados — mais tempo de serviço, participação em conselhos de estatais, venda de férias e acúmulo com aposentadorias, milhares de funcionários recebem muito mais que o teto.

Dizem que o teto é só o salário. O resto é direito adquirido e/ou vantagem pessoal, fura-teto, portanto.

Assim, o contracheque pode passar de R$ 200 mil mensais. Vencimentos entre R$ 50 e 60 mil são até comuns em determinadas categorias, especialmente no Judiciário.

Sem contar alguns absurdos que nem custam tanto, mas são de espantar: funcionários em trabalho remoto recebendo auxílio… transporte.

Não é simples calcular o custo desses benefícios pelo país todo, mas o corte de parte dos auxílios para funcionários que, digamos, ganhem acima de R$ 5 mil mensais, mais imposição rigorosa do teto de R$ 39,2 mil chegariam fácil ao valor anual do atual Renda Cidadã (R$ 30 bilhões).

Para os do topo, seria um “sacrifício” razoável de pedir. No Brasil, quem ganha R$ 30 mil por mês está no grupo do 1% mais rico. Segundo um estudo do Instituto Millenium, o salário médio dos funcionários do Legislativo federal com curso superior está justamente em torno desses 30 mil. Reparem, é salário médio.

Grosso modo, a despesa do governo federal prevista para o ano que vem é de R$ 1,5 trilhão. Parece muito, é muito, mas mal dividida. Cerca de 80% disso, ou R$ 1,2 trilhão, vão para aposentadorias, pensões e salários. Dos R$ 330 bilhões que sobram, R$ 200 bilhões vão para outras despesas obrigatórias, especialmente com saúde e educação. Sobram R$ 100 bilhões para o Congresso e o governo distribuírem para despesas de custeio e investimento.

Nessa conta, é impossível arranjar o dinheiro para engordar o Renda Cidadã. Só restam dois caminhos: aumento de imposto (a tal CPMF digital) ou o corte de gastos na folha dos funcionários de nível mais alto.

Sim, porque há uma enorme desigualdade dentro do setor público. Há professores do ensino fundamental, com curso superior, ganhando R$ 3,3 mil mensais, pouco mais da metade da média de R$ 6 mil dos servidores federais com nível médio.

Olhando os números, dá para saber onde cortar, com justiça.

Currículos

Em março de 2011, o então ministro da Defesa da Alemanha, Karl-Theodor zu Guttenberg, figura política em ascensão, renunciou ao cargo após ter sido acusado de plágio em sua tese de doutorado, apresentada e aprovada dez anos antes.

A Universidade de Bayreuth cassou seu título de doutor em direito, e ele mesmo concordou com a medida. Negou o plágio, mas admitiu erros graves.

Reparem: a tese não tinha nada a ver com sua função de ministro da Defesa e sua atuação política. Mas ele teve que renunciar.

É uma questão moral óbvia. A pessoa, qualquer pessoa, não pode copiar teses, nem inventar currículos.

Simples assim.

Carlos Alberto Sardenberg

Fonte: “O Globo”, 08/10/2020
Foto: Marcos Santos/ USP

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